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Apontamentos, questionamentos e proposições frente às transformações do trabalho e de

1.3 O trabalho

1.3.4 Apontamentos, questionamentos e proposições frente às transformações do trabalho e de

A questão operária constituiu, para Castel (2009), uma força de contestação que reuniu a organização estruturada em torno de uma condição comum, a posse de um projeto de futuro e de um modelo alternativo de sociedade, bem como o sentimento de ser indispensável para a máquina social. Aqueles a quem este autor chama de ‘supranumerários’, que não se encontram ligados aos circuitos de trocas produtivas e que são considerados socialmente inúteis, só podem, no entanto, alimentar a esperança de serem um pouco menos mal colocados na sociedade atual (CASTEL, 2009).

Conforme Sennett (2010), o ‘sentir-se necessário’ é condição fundamental para que os indivíduos se percebam dignos de confiança, o que tem sido um desafio no capitalismo moderno, onde, na reengenharia das instituições, as pessoas são tratadas como descartáveis.

como também a precariedade da situação daqueles que trabalham, sendo que grande parte da população encontra-se eternamente ameaçada de estar aquém do patamar que lhes permita uma autonomia mínima, com ocupações instáveis, sazonais, intermitentes, com os mais baixos salários e menor cobertura pelos direitos sociais, acampando nas fronteiras da sociedade salarial. Os principais problemas resultantes da degradação da condição salarial são o desemprego elevado, a precariedade, a ruptura das solidariedades de classe, a falência dos modos de transmissão familiar, escolar e cultural e a ausência de perspectivas de projeto para controlar o futuro (CASTEL, 2009).

Esse autor problematiza a existência de populações caracterizadas por uma incapacidade para acompanhar a dinâmica de uma sociedade salarial, seja por alguma desvantagem, seja por disporem de muito poucos recursos para se adaptarem ao ritmo das transformações.

Assim, as regulações que comandam a integração do trabalho em seus diferentes papéis tornaram-se mais flexíveis e a crise atual é a da integração através do trabalho, havendo profundas transformações das relações dos sujeitos sociais com o mesmo. A crise da condição de assalariado fragiliza as proteções sociais e pode levar, novamente, à insegurança social (CASTEL, 2009).

É necessário que se questione sobre aqueles que não trabalham, não por não serem capazes de, mas por não haver trabalho para eles – são indivíduos sem lugar, presos entre a obrigação de trabalhar e a impossibilidade de fazê-lo segundo as formas prescritas; coloca-se o imperativo categórico do trabalho, sem haver, para muitos, a possibilidade de acesso ao mesmo (CASTEL,2009).

Segundo Antunes (2008), conforme dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 1 bilhão de pessoas encontram-se desempregadas ou em condições precárias de trabalho, o que representa algo em torno de um terço da força humana mundial que trabalha. Também para esse autor:

O direito ao trabalho é uma reivindicação necessária não porque se preze e se cultue o trabalho assalariado, heterodeterminado, estranhado e fetichizado (...), mas porque estar fora do trabalho, no universo do capitalismo vigente, particularmente para a massa de trabalhadores e trabalhadoras (que totalizam mais que dois terços da humanidade) que vivem no chamado Terceiro Mundo, desprovidos completamente de instrumentos verdadeiros de seguridade social, significa uma desefetivação, desrealização e brutalização ainda maiores que as já vivenciadas pela classe-que-vive-do-trabalho (ANTUNES, 2008, p. 114).

Outras questões que nos são propostas por Castel (2009) a respeito do direito ao trabalho e da proteção social são: É concretamente realizável que cada um encontre, conserve ou reencontre um lugar no continuum das posições socialmente reconhecidas, na base de um trabalho efetivo, condições decentes de existência e direitos sociais? O que acontece se as medidas adotadas pelo Estado são insuficientes para assegurar o trabalho para todos? Estarão essas medidas à altura das rupturas que se aprofundaram? A proteção social deve ambicionar a libertação de todos os cidadãos da necessidade, ou deve ser preferencialmente vinculada ao trabalho? Pode o desemprego ser coberto a partir do trabalho? Quais são, concretamente, os recursos mobilizáveis para enfrentar essa nova conjuntura? (CASTEL, 2009).

Na tentativa de apontar alguns caminhos para se pensar sobre essas questões, Castel (2009) coloca que o Estado Social busca um compromisso entre os interesses do mercado e as reivindicações do trabalho, porém não se observa uma real transformação política das estruturas da sociedade, constatando-se também o caráter inacabado e frágil das conquistas sociais. Esse autor considera que a política do Estado Social deve mobilizar parte dos recursos de uma nação para assegurar sua coesão interna, garantir a proteção social generalizada, a manutenção dos grandes equilíbrios e a condução da economia (CASTEL, 2009).

Não obstante, de acordo com Sennett (2010), os dependentes do Estado são tratados com a desconfiança de serem parasitas sociais:

A destruição das redes assistenciais e dos direitos é por sua vez justificada como libertando a economia política para agir com mais flexibilidade, como se os parasitas puxassem para baixo os membros mais dinâmicos da sociedade. Veem-se também os parasitas sociais como profundamente alojados no corpo produtivo – ou pelo menos isso é o que passa o desprezo pelos trabalhadores aos quais se precisa dizer o que fazer, que não tomam iniciativa por conta própria. A ideologia do parasitismo social é um poderoso instrumento no local de trabalho; o trabalhador precisa mostrar que não está se aproveitando do trabalho dos outros (SENNETT, 2010, p. 167).

Segundo Castel (2009), o poder público é a única instância capaz de impor um mínimo de coesão à sociedade, sendo o Estado Social nossa herança e nosso horizonte – a forma assumida pelo compromisso entre a dinâmica econômica (lucro) e a preocupação da proteção (solidariedade). Esse autor assinala que o Estado Social, através do ideal social-democrata, realiza suas finalidades políticas por meio das reformas sociais, havendo, no entanto, somente traços dessa forma de Estado em diferentes constelações sociais, colocando-se, agora, a exigência da invenção de uma nova versão dessa montagem. Propõe, também, que esses desafios sejam respondidos por meio de missões interministeriais e da mobilização dos

diferentes atores envolvidos (CASTEL, 2009).

As formas de financiamento da proteção social devem ser fundadas numa divisão mais extensa e menos injusta, com uma solidariedade ampliada, não desproporcional sobre os assalariados e sobre as empresas. Castel (2009) entende não haver coesão social sem proteção social e pontua que, na sociedade salarial, o que se deveria buscar seria não o consenso, mas a regulação dos conflitos; não a igualdade de condições, mas a compatibilidade de suas diferenças; não a justiça social, mas o controle e a redução da arbitrariedade dos ricos e poderosos; não o governo de todos, mas a representação de todos os interesses e seu debate no cenário público.

Antunes (2008) faz a defesa de uma vida cheia de sentido em todas as esferas do ser social, dada a multilateralidade humana, e isso

Somente poderá efetivar-se através da demolição das barreiras existentes entre tempo de trabalho e tempo de não-trabalho, de modo que, a partir de uma atividade vital cheia de sentido, autodeterminada, para além da divisão hierárquica que subordina o trabalho ao capital hoje vigente e, portanto, sob bases inteiramente novas, possa se desenvolver uma nova sociabilidade. Uma sociabilidade tecida por indivíduos (homens e mulheres) sociais e livremente associados, em que ética, arte, filosofia, tempo verdadeiramente livre e ócio, em conformidade com as aspirações mais autênticas, suscitadas no interior da vida cotidiana, possibilitem as condições para a efetivação da identidade entre indivíduo e gênero humano, na multilateralidade de suas dimensões, em formas inteiramente novas de sociabilidade, em que liberdade e necessidade se realizem mutuamente. Se o trabalho se tornar dotado de sentido, será também (e decisivamente) através da arte, da poesia, da pintura, da literatura, da música, do tempo livre, do ócio, que o ser social poderá humanizar-se e emancipar-se em seu sentido mais profundo (ANTUNES, 2008, p. 113).

Esse mesmo autor traz importante questionamento: “Como é possível hoje articular valores inspirados num projeto que olha para uma sociedade para além do capital, mas que tem que dar respostas imediatas para a barbárie que assola o cotidiano do ser que vive do trabalho?” (ANTUNES, 2008, p. 172) e assinala aquilo que poderia ser um bom ponto de partida: o desenvolvimento de uma crítica contemporânea e profunda à (des)sociabilização da humanidade sob o capital.

II - REABILITAÇÃO PROFISSIONAL