• Nenhum resultado encontrado

3.16 Considerações acerca da reabilitação profissional

3.16.6 Legislação

A legislação que rege e fundamenta a atuação da Reabilitação Profissional no Instituto, apresentada brevemente no Capítulo II do presente texto, foi abordada pelas entrevistadas de maneiras diversas. A chamada Lei de Cotas (Lei 8.213/91) – que conforme já explicitado, determina a inserção pelas empresas de pessoas com deficiência e/ou pessoas que foram reabilitadas pelo INSS em seu quadro de pessoal, no caso de contarem com mais de 100 funcionários – é tida como uma possibilidade de reinserção dos segurados sem vínculo empregatício no mercado de trabalho ou de manutenção deles em suas empresas de vínculo; algumas vezes, tem-se essa modalidade de reinserção como a única oportunidade vislumbrada, ou como a mais plausível. Algumas das entrevistadas demonstram satisfação diante dessa possibilidade; outras referem certo pesar frente à existência de uma lei de mecanismo compensatório em um sistema onde as empresas deveriam possuir a responsabilidade social diante da redução da capacidade laborativa de seus funcionários, devida em grande parte às atividades profissionais que eles desempenhavam. Mencionam ainda o fato de não haver, no Brasil, mecanismos para efetiva reinserção dessas pessoas no mercado de trabalho, com atuação conjunta entre os Ministérios da Previdência Social e do Trabalho e Emprego, por exemplo.

Embora a Lei de Cotas venha possibilitando a inserção de segurados reabilitados no mercado de trabalho, não podemos deixar de colocar uma questão: Como deverão se sentir esses segurados diante da consciência de ocuparem vagas que não foram definidas e conquistadas pelo critério de sua capacidade e/ou competência, mas sim pela obrigatoriedade legal das empresas em tê-los em seu quadro de funcionários?

Parte das entrevistadas identificou a legislação trabalhista como importante ponto de proteção dos direitos dos trabalhadores, com repercussões positivas para a atuação do Programa de Reabilitação Profissional, como a garantia de um ano de estabilidade, nas empresas, de segurados que sofreram acidentes do trabalho. Falou-se também da questão da obrigatoriedade legal da participação dos segurados, ao mesmo tempo em que não há obrigatoriedade alguma por parte das empresas de vínculo em reabilitar seus funcionários.

O que embasa a reabilitação, apesar de ter os procedimentos específicos, de ter as nossas orientações internas, são essas ações afirmativas, essas cotas [referindo-se ao art. 93 da Lei 8.213/91] e as empresas terem que contratar pessoas com deficiência (...). Não teria trabalho da reabilitação se não tivesse essa obrigatoriedade de contratação das empresas e não tivesse a legislação que ampara os trabalhadores em relação aos acidentes de trabalho, se a empresa não tivesse que continuar lá com esse trabalhador por mais um ano, não tivesse questão de indenização e outros direitos que os trabalhadores têm (E5, p. 27).

Acho que é [a Lei de Cotas] uma das grandes coisas que a gente tem para oferecer em relação aos segurados, eu falo sempre para eles, ‘Eu entendo que você vem com uma condição diferente, você precisa ser respeitado por ter essa condição, e você entra nessa legislação para que você não esteja em uma situação de desvantagem quando estiver fora daqui’; porque esse é o maior medo deles, ‘Eu estou em uma situação de desvantagem, eu sei’ e ‘A empresa vai saber quando você chegar lá com um certificado [o de reabilitação profissional], você vai entrar com a empresa sabendo que você tem uma limitação’. (...) E eu falo ‘Surpreenda a empresa porque hoje as empresas não sabem o potencial de vocês’. (...) As empresas hoje oferecem funções muito básicas, serviços muito corriqueiros, que não exigem muita experiência, muito conhecimento, para esse tipo de vaga (...); isso é uma questão que a gente tem que trabalhar porque as empresas ficam esperando sempre pouco, um rendimento muito menor e a coisa não funciona bem assim (E6, p. 35-36).

Outro ponto levantado foi a insuficiência das leis existentes, no sentido de não ampararem diversas das ações demandadas pela prática cotidiana. Na legislação previdenciária, tem-se a definição de Reabilitação Profissional e de seu objetivo central, bem como dos beneficiários que têm direito a esse serviço, conforme apresentado no Capítulo II. Encontram-se, também, algumas atribuições da Reabilitação Profissional, que segundo o artigo 62 da Lei 8.213, deve habilitar o indivíduo para o desempenho de uma nova atividade que lhe garanta a subsistência ou aposentá-lo por invalidez, quando for considerado não recuperável (BRASIL, 1991), ou seja, a determinação legal é de que a Reabilitação Profissional do INSS atue somente até o momento em que os indivíduos sejam considerados – pela equipe do Programa – como habilitados ao retorno ao mercado de trabalho. Outro

aspecto abordado pela legislação é a questão da recusa dos segurados em participar do processo de reabilitação e a consequente suspensão de seu benefício de auxílio-doença até que reconsiderem sua participação. Ou seja, faltam elementos que direcionem as práticas a serem desenvolvidas; coloca-se a tarefa de reabilitar profissionalmente, mas não são identificadas formas a serem seguidas para tal. No Decreto 3.048, apresentado também no Capítulo II, são listadas as 4 funções básicas do Programa, com menção a atividades de parcerias que devem ser feitas, porém de uma forma bastante genérica e sem identificação de mecanismos para realização das articulações. Mesmo no Manual Técnico, documento que direciona internamente as ações da Reabilitação Profissional, há uma descrição das etapas a serem desenvolvidas durante todo o processo, com atribuições e codificações diversas, o que auxilia em parte e, por outro lado, coloca diversas restrições às ações das equipes técnicas, mas que não dá conta de abarcar a riqueza de situações vivenciadas na preparação dos indivíduos para seu retorno ao trabalho. Como exemplo: o desligamento dos segurados deve ser sempre codificado, havendo casos que não se encaixam em nenhum dos códigos, mas que se configuram, pela visão da equipe, em claras situações de desligamento para retorno às atividades profissionais. A nosso ver, a Reabilitação Profissional deveria, sim, estar mais bem descrita e amparada legalmente; no entanto, não há possibilidade disto dar conta de todas as situações de uma determinada prática. O que precisa ocorrer, além da construção de um arcabouço legal mais amplo sobre o campo e sobre a proteção social dos trabalhadores, no geral, é a melhoria da estrutura do Programa – o que também deveria ser garantido por lei – além de uma maior flexibilidade interna com relação à execução das atividades previstas pelo Manual Técnico.

A legislação muito mais, às vezes, atrapalha a gente do que ajuda. Essa questão da obrigatoriedade e o quanto é difícil você falar para a pessoa que ela está ali e que ela vai ter que cumprir [o Programa de Reabilitação Profissional]. (...) A ausência de legislação para a empresa também dificulta a gente; se a legislação colocasse que a empresa (...) tivesse uma responsabilidade maior com isso, ajudaria bastante (E4, p. 19).

Acho que nossa legislação poderia ser mais ampla, tem muita coisa que a gente procura respaldo e não tem. (...) E a empresa, onde fica? (E3, p. 15).

Ainda quanto ao Manual Técnico de Atendimento na Área de Reabilitação Profissional, as entrevistadas referem, ao mesmo tempo, a necessidade de padronização dos procedimentos após a descentralização da Reabilitação Profissional para as Gerências

Executivas e Agências do Instituto, e a rigidez estrutural desse instrumento, limitante de parte das ações percebidas pelas terapeutas ocupacionais como as mais adequadas a serem tomadas em determinadas situações, como exemplificado nos relatos a seguir:

Quando o CRP se desfez e nós fomos para as APS, precisava ter o manual de procedimentos para padronizar porque imagine, muitos lugares não tinham ninguém que era do antigo CRP, que pudesse passar a experiência, o procedimento (...). Antes nunca existiu nem os impressos próprios, cada um fazia mais ou menos de um jeito, então foi uma padronização porque ela foi necessária. De vez em quando a gente tem alguma dúvida, a gente volta no Manual; pelo menos ele está lá para a gente se basear (E1, p. 19)

A minha opinião sobre o nosso Manual é que precisa de um outro Manual. (...) tem os passos, e ainda que você, no meio do atendimento, perceba que não tem sentido nenhum para aquela pessoa voltar para a empresa de vínculo dela, eu tenho que mandar o ofício e se a empresa mandar a função, eu tenho que mandar ele para a função (E6, p. 1-2).

Coloca-se aqui a necessidade da reformulação das leis referentes à Reabilitação Profissional e à proteção social dos trabalhadores, para que se possa ir além da garantia de alguns poucos direitos limitados, por exemplo, a acidentes do trabalho ou doenças profissionais e de mecanismos compensatórios de inserção, como a Lei de Cotas. Existe a obrigatoriedade do Instituto em promover a capacitação profissional dos segurados para o mercado de trabalho, e destes, em participar da Reabilitação Profissional; é preciso existir mais que isto para que se tenham melhores condições de inserção e permanência no trabalho, não só dos indivíduos reabilitados, mas da classe trabalhadora brasileira.