• Nenhum resultado encontrado

A Consolidação das Leis Civis e a Lei n 1.237,

4.1 O direito de superfície no Brasil: do descobrimento ao

4.1.3 A Consolidação das Leis Civis e a Lei n 1.237,

Após árduo trabalho de depuração do direito vigente no Brasil pelo

notável Teixeira de Freitas, observa-se na Consolidação das Leis Civis, que

entrou em vigor em 1.858, indicativos para a aplicação do direito de

superfície.

201

árvores e plantações (isto é, à superfície, embora a dita lei não se referisse por esta denominação). Assim, a superfície não foi abolida em Portugal e nas suas colônias, dentre elas o Brasil, apesar de tê-lo sido em grande parte do continente europeu”. (Da propriedade, da superfície e das servidões: arts. 1.277 a 1.389. In: Arruda Alvim, José Manoel de; Alvim, Thereza (Orgs.). Comentários ao Código Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 12, p. 259).

201 Com efeito, analisando a Consolidação das Leis Civis, tem-se que a nota (21), lançada ao

artigo 52, § 2º (que travava de bens pertencentes ao domínio nacional), traz a seguinte indicação: “Regim. De 12 de Dezembro de 1605, lei n. 242 de 30 de Novembro de 1841, Art. 11, e Regul. de 11 de janeiro de 1842. E’ um direito real de superfície” (Freitas, Augusto Teixeira de.

Consolidação das Leis Civis. Ed. fac-similar. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003,

v. 1, p. 55). Mais adiante, na nota (1) do art. 884, referente ao dispositivo que travada do

domínio, há a seguinte consideração: “Ao domínio com aplicação extensiva ao alto e baixo do

solo o Direito Francez --- droit de dessus --- droit de dessous, e que bem chamaremos – direito

sobre, como no direito de superfície da Not. 2º ao mesmo art. 52, § 2º supra. Direito de sob,

como nos casos da Not. 20 ao mesmo Art. 52 § 2º supra; e maus nos direitos sobre cisternas, poços e algibes, etc..” (Freitas, Augusto Teixeira de. Consolidação das Leis Civis. Ed. fac-similar. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003, v. 2, p. 525). Estes dispositivos, na forma tratada por Teixeira de Freitas, demonstravam − segundo Frederico Henrique Viegas Lima − que em se tratando da ”exploração do pau-brasil, assim como em outras espécies de madeiras, o Estado detinha o direito real de superfície, em qualquer imóvel, destinado à sua extração.

Contudo, o mapa legal foi alterado logo adiante, pois em 1864, a Lei

n. 1.237 não previu o direito de superfície no seu artigo 6º, que tratava do

rol dos Direitos Reais

202

, opção legislativa que, considerando os princípios

da taxatividade e da tipicidade que regem a categoria, implicou eliminar o

instituto de nosso sistema.

Porque estas madeiras, apesar de poderem estar localizadas em imóveis particulares, constituíam propriedade do Estado e a ele competia realizar aa sua extração e comercialização, possuindo, assim, seu monopólio. Findo o monopólio, O Estado perdia o direito de superfície, como um ius in re aliena, nos terrenos dos particulares. Contudo, continuava mantendo, como um domínio pleno, a exploração de tais madeiras nos imóveis de domínio nacional” (O direito de

superfície como instrumento de planificação urbana. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 67). Em

outro ponto da Consolidação, agora no ambiente do artigo 1.322 (que trata da prescrição das

‘cousas do uso publico’ e das ‘publicas servidões’, há a menção do direito de superfície na nota

(14), verbis: “Cit. Ord. L. 1º. T. 68 § 32 – porque por tempo algum nunca poderá adquirir posse

em o dito balcão, como o ar de cima, fica do Conselho – costumão os Praxistas inferir o direito

de superfície que é inherente ao domínio das cousas immoveis, e que compreende o respectivo espaço aéreo. E’ importante a distinção entre cousas do uso publico, e as do dominio do Estado, porque as primeiras são imprescptiveis, o que não acontece com as segundas” (Freitas, Augusto Teixeira de. Consolidação das Leis Civis. Ed. fac-similar. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003, v. 2, p. 772-773). Semelhante aferição e pesquisa na Consolidação das leis Civis foi feita por Ricardo Pereira Lira (Elementos de direito urbanístico, Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 87). As referências de Teixeira de Freitas ao arquitetar (e concluir) a Consolidação das Leis Civis estavam muito além do corpo das Ordenações, buscando conciliar todas as fontes que eram usadas na aplicação do Direito naquele momento. Isso porque a empreitada assumida, em 1.855, por Teixeira de Freitas perante o Governo Imperial, objetivou reunir de forma sistemática as normas vigentes, permitindo alijar do ordenamento jurídico regras não mais aplicáveis. Tanto assim que, como bem ressalta Geraldo de Oliveira Santos Neves, “as normas que vigoravam no Brasil independente estavam emaranhadas de tal modo que os juízes já não estavam aplicando diretamente, mas através das opiniões dos doutrinadores” (Código Civil brasileiro de 2002: principais alterações, Curitiba: Juruá, 2003, p.15-16). E, na utilização da doutrina, os julgadores acabavam por beber nas fontes do Direito Romano, na legislação canônica (especialmente em razão do Direito de Família e as questões de Estado), na legislação portuguesa e nas Ordenações Filipinas. Portanto, o trabalho de consolidação era extremamente relevante no contexto da segurança e uniformização legal, pois, dentro de linhas traçadas em contexto sistemático, seria declarada a correta vigência do quadro legislativo civil. Este contexto bem complexo talvez explique a referência expressa ao direito real de superfície na Consolidação das Leis Civis, de forma não uniforme a seqüência de tratamento que foi dado no bojo da trinca das Ordenações do Reino, conforme antes demonstrado.

202 Dispunha a referida norma: “Art. 6º Sómente se considerão onus reaes: A servidão; O uso; A

habitação; O antichrese; O usofructo; O fôro; O legado de prestações ou alimentos expressamente consignado no immovel. § 1º Os outros onus que os proprietarios impuzerem aos seus predios se haveráõ como pessoaes, e não podem prejudicar aos credores hypothecarios. § 2º Os referidos onus reaes não podem ser oppostos aos credores hypothecarios, se os titulos respectivos não tiverem sido transcriptos antes das hypothecas. § 3º Os onus reaes passão com o immovel para o dominio do comprador ou successor. § 4º Ficão salvos, independentemente de transcripção e inscripção e considerados como onus reaes, a decima e outros impostos respectivos aos immoveis. § 5º A disposição do § 2º só comprehende os onus reaes instituidos por actos intervivos, assim como as servidões adquiridas por prescritação sendo a transcripção neste caso por meio de justificação julgada por sentença ou qualquer outro acto judicial declaratorio. § 6º O penhor de escravos pertencentes ás propriedades agricolas, celebrado com a clausula constituti, tambem não poderá valer contra os credores hypothecarios, se o titulo respectivo não fôr transcripto antes da hypotheca.” A Lei n. 1237 de 1864, mais tarde, foi alvo do Decreto n. 3453 − de 26 de abril de 1865, que a regulamentou, sem, contudo, alterar os tipos do artigo 6º, mantendo, sim, a superfície, excluída do rol dos direitos reais.

Sem rebuços, no pequeno hiato em ocorrido entre o início de

vigência da Consolidação das Leis Civis (1.858)

e Lei n. 1.234/64 que,

repita-se, não arrolou o direito de superfície no seu gabarito, não se

formaram bases sólidas para aplicação e colheitas de experiências com o

instituto em nosso ordenamento

203

, não sendo sequer conjeturado nos

trabalhos para a formação de nossa primeira codificação civil.

204-205-206

Dessa forma, com a ruptura do vínculo político que os unia, os

rumos do direito de superfície no Brasil e em Portugal não foram simétricos,

pois, enquanto aqui se afastou o instituto do sistema legal, naquele país a

203 Situação que pode ter contribuído, ainda que involuntariamente, para que o instituto fosse

considerado de pouca utilização. Em termos, Dídimo Agapito da Veiga, ao comentar a não inclusão do direito de superfície no Código Civil de 1916, consignou: “A exclusão da superfície da relação dos direitos reaes obedeceu a motivos de ponderação justificada, perante as difficuldades a que tem dado a causa, na doutrina e na prática, o reconhecimento da servidão da

superfície na sua índole essencial em seus effeitos sobre a hypotheca” (Manual do Código civil Brasileiro. Coordenação de Paulo Lacerda. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1925,

v. 9 - primeira parte, p. 27).

204 José Guilherme Braga Teixeira, sintetiza, a derrocada: “(...) enquanto o país era colônia

portuguesa, aplicava-se aqui a legislação da metrópole. Independente o Brasil, a Lei imperial de 20 de outubro de 1823 determinou continua-se a vigorar aqui a legislação do reino de Portugal, por isso que o instituto manteve sua existência no Direito pátrio. Com o passar do tempo, contanto cada vez mais com opositores de renome, a superfície nem sequer constou do rol dos direitos reais do Projeto (‘Esboço’) de Código Civil de Teixeira de Freitas, de 1860. Quatro anos depois, a superfície não constou no elenco dos direitos reais da Lei n. 1.237, de 24 de setembro de 1864, artigo 6º, razão pela qual perdeu seu caráter real, porquanto o seu banimento de tal categoria, por exclusão do rol respectivo, é uma das aplicações do sistema de direitos reais constituem número taxativo, da competência do legislador (...). Banida do elenco dos direitos reais da legislação vigente no País, reduziu-se a superfície a uma mera modalidade de arrendamento, deixando ter maior importância na ocasião” (Da propriedade, da superfície e das servidões: arts. 1.277 a 1.389. In: Arruda Alvim, José Manoel de; Alvim, Thereza (Orgs.).

Comentários ao Código Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 12, p. 260).

205 Vê-se, no pormenor, deslize na indicação de Silvio Rodrigues, quando afirma que o instituto foi

eliminado pelo Código Civil de 1916 (Direito civil: direito das coisas. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5, p. 275).

206 Há forte silêncio de Teixeira de Freitas no Esboço, não tratando do direito de superfície, apesar

de seguir a bússola dos princípios da taxatividade e tipicidade dos Direitos Reais (artigos 3.703- 3.706), e cuidar da enfiteuse longamente (artigos 4.423-4.529). Também nada se cogitou acerca da figura nos trabalhos de Nabuco de Araújo, Felício dos Santos e Coelho Rodrigues, não se avistando também abertura na Consolidação arquitetada por Carlos de Carvalho. Muito pelo contrário, como bem anotado por José Guilherme Braga Teixeira (O direito real de superfície: origem e desenvolvimento da superfície. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 46-47) e Diana Coelho Barbosa (Direito de superfície à luz do Estatuto da Cidade. 2. tiragem. Curitiba: Juruá, 2002, p. 60-61) há registros de repulsas expressas dos juristas quanto à presença do direito de superfície, destacando-se, no particular, as reprimendas de Coelho Rodrigues e Carlos Augusto de Carvalho, tendo o último cravado no artigo 404 da ‘Nova Consolidação das Leis

Civis’: “Entre os direitos reais não se considerão a superfície e o laudêmio” (Nova Consolidação das Leis Civis: vigentes em 11 de agosto de 1899. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1899, p.

figura foi abraçada como instrumento para resolver problemas de habitação

urbana, primeiramente através da inserção do artigo 2.028 no Código Civil

de 1.867, e, em momento posterior pela Lei n. 2.030, de 22 de junho de

1.948 (arts. 21-29).

207