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O artigo 1.228, parágrafo 1º: cláusula geral restritiva

6.1 Da propriedade do Código Civil de 1916 à função social da

6.1.3 O Código Civil de 2002 e a função social da propriedade

6.1.3.2 O artigo 1.228, parágrafo 1º: cláusula geral restritiva

É possível que o mesmo dispositivo tenha características de mais

de um tipo de cláusula geral, sendo, pois o parágrafo 1º do artigo 1228 do

Código Civil exemplo no sentido. Com efeito, enquanto a parte final da

norma em foco detém natureza de cláusula geral extensiva, a sua redação

inicial se caracteriza como cláusula geral restritiva, já que a vagueza legal

ali contida -- sem conseqüência jurídica fixa – tem o escopo de restringir e

delimitar as faculdades inerentes do proprietário previstas no caput (usar,

gozar, dispor e reaver), casos estas sejam exercidas em confronto com a

função social.

A opção de vincular a função social da propriedade à técnica

legislativa de cláusula geral restritiva propiciou a inserção no Código Civil

de situação que não se cogitava (ao menos expressamente) na codificação

revogada. Isso porque através da leitura do parágrafo único do artigo 2.035,

tem-se que a função social da propriedade tem tratamento de preceito de

ordem pública, limitando o arbítrio do proprietário, bem assim a todo aquele

que venha convencionar sobre o tema.

324

322 Ademais, as concessões urbanas tratadas pelo Estatuto da Cidade receberão aplicação do

Código Civil quanto à parte ligada à teoria geral dos negócios jurídicos, com recepção da idéia, inclusive, da função social do contrato (artigo 421) e da boa-fé objetiva (artigos 422 e 113). Próximo: J. Miguel Lobato Gómez (A disciplina do direito de superfície no ordenamento brasileiro. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 5, n. 20, p.104-105, out./dez. 2004).

323 Recorde-se, em outro giro, que o artigo 1.377 do Código Civil cria ambiente para sua aplicação

em lei especial no caso de direito de se superfície instituído por pessoa jurídica de direito interno, simbiose esta que estará sujeita a observância da função social da propriedade, enquanto

cláusula geral restritiva, consoante tópico seguinte.

324 Em Portugal, em que o Código Civil não detém dispositivo semelhante à cláusula geral restritiva

constante do § 1º do artigo 1228 de nossa codificação, o direito de propriedade está previsto no artigo 1305º (O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das

Fica clara a intenção do legislador em seguir a diretriz da Carta

Magna, criando fórmula para dar efetividade ao comando constitucional e

adotando-a explicitamente em todas as relações privadas. A função social

da propriedade, com sua previsão na codificação, não poderá ser afastada,

pois está inclusa no regime jurídico do instituto.

Dessa forma, elimina-se qualquer obstáculo na aplicação cotidiana

da função social da propriedade e demonstra-se que o Código Civil tem

função relevante, pois afasta do sistema privado qualquer eventual tentativa

de burla

325

. Seria uma contradição admitir no Direito Privado a subsistência

de convenções que viessem a contrariar um dos faróis do nosso Texto

Maior

326

, daí porque importante a explicitação efetuada no corpo da

codificação, através de vetor com força de cláusula geral restritiva.

restrições por ela impostas). Nestas condições, no código luso as questões que envolvem a função social da propriedade recebem análise a partir do disposto no artigo 334o que regula o

abuso do direito (É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente

os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico deste direito). Aplicando o dito dispositivo, que também é uma cláusula geral, naquela nação é pacífico que o abuso de direito é matéria que pode ser conhecida de ofício pelo Judiciário. A confirmar nossa assertiva, confira-se alguns julgados selecionados por Abílio Neto: ‘Para que se verifique abuso de direito, exige o artigo 334o do Código Civil que tenha havido excesso no exercício de

um direito em relação à sua função social e ainda que tal excesso seja manifesto’ (STJ, 8-4- 1997: BMJ, 366o -432); ‘O abuso do direito previsto no art. 334o do Cód. Civil é de conhecimento

oficioso, já que ofensivo ao princípio de interesse e da ordem pública, e não se restringe ao âmbito dos direitos substantivos, relevando também ao direito de acção, sempre que conforme o disposto naquele artigo o respectivo titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico do direito’ (RL, 15-12-1994: BMJ, 442o.-244); ‘O

tribunal pode/deve conhecer oficiosamente do abuso do direito’ (RC 23-11-1993,: BMJ 431o.- 552)”. (Código Civil anotado. 11. ed. refun. e actual. Lisboa: Ediforum, 1997, p. 210-222).

325 Jorge Franklin Alves Felipe e Geraldo Magela Alves, ao comentar o parágrafo único do artigo

2035, dispararam: “A propriedade tem, segundo a Constituição Federal, uma função social (artigo 5º, inciso XXIII). (...) Todo o Código se inspira nesse basilar constitucional. Daí a razão do dispositivo que veda sejam burladas as regras que atribuem a função social à propriedade e o contrato” (O novo Código Civil anotado. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 397).

326 Nada obstante a diferença orgânica das codificações italiana e brasileira, não se pode deixar

de registrar que o artigo 833 do Código Civil italiano – mais afeto à redação do revogado artigo 524 do Código Civil de 1916 − passou a ter interpretação diferente da inicial, após a edição da nova Carta Constitucional naquela nação. Em síntese, o dito dispositivo infraconstitucional (artigo 883) recebeu uma (re)leitura constitucional, para se conformar com a concepção da função social da propriedade. No sentido, confira-se a lição de Salvatore Patti: “Non è possibile in

questa sede trattare il tema della efficacia dei diritti fondamentali nel diritto privato, ma in ogni caso può dirsi che le norme della Costituzione sono servite ad affermare nuove posizione soggettive giuridicamente tutelate e a dare un significato diverso a molte norme contenute nel codice civile. Un esempio forse basta a far capire le caratteristiche della vicenda: in materia di proprietà, l’art. 833 sanziona il divieto degli atti emulativi, però la stessa norma stabilisce che è sufficiente una utilità del proprietario per salvare la legittimità dell’atto. Si trata in effetti di una norma di tipo egoista perché – in base ad una interpretazione letterale – un’utilità anche minima

Saliente-se, para fins de nosso trabalho, que em se tratando de

direito de superfície, o parágrafo único do artigo 2.035 do Código Civil irá

permitir o controle não apenas da função social da propriedade (§ 1º do art.

1.228), mas também do contrato, dada à íntima ligação que haverá da

figura jurídica, ao se examinar as concessões superficiárias, com o artigo

421 do Código Civil

327-328

, também exemplo de cláusula geral restritiva.

329-

330-331

basta per rendere legittimo un atto di esercizio del diritto di proprietà che danneggia (a volte gravemente) un altro soggetto. L’art. 833, letto alla luce della norma della Costituzione sulla funzione sociale (art. 42), acquista un diverso significato: la giurisprudenza comincia a ritenere necessario un bilanciamento degli interessi, quelli del proprietario e quelli del terzo danneggiato. Si procede in tal modo ad una rilettura delle norme del codice, ad una interpretazione attenta ai valori della Costituzione. Nel linguaggio dei civilisti il riferimento ai valori della Costituzione diviene sempre più frequente. D’atra parte, Ludwig Raiser ha scritto che il Grundgesetz si può considerare come una cassaforte di valori e questa idea in una certa misura si ritrova tra i civilisti italiani che hanno proceduto alla rilettura delle norme del codice civile.” (Codificazione ed evoluzione del diritto privato. Roma: Laterza, 1999, p. 19).

327 Artigo 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do

contrato

328 Também defendendo a aplicação do artigo 421 nas concessões superficiária, confira-se: J.

Miguel Lobato Gómez (A disciplina do direito de superfície no ordenamento brasileiro. Revista

Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 5, n. 20, p.104-105, out./dez. 2004). Parecendo

concordar: Marco Aurélio Bezerra de Melo (Novo Código Civil anotado. Coordenação de J. M. Leoni Lopes de Oliveira. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, v. 5, p. 221).

329 No sentido: André Osório Gondinho que, fazendo leitura ao artigo 421 do Código Civil,

pontifica: “É o caso, paradigmático, da restrição operada pela cláusula geral da função social do contrato às regras, contratuais ou legais, que têm sua fonte no princípio da liberdade contratual” (Codificação e cláusulas gerais. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, ano 1, v. 1, p, 17, jan./mar. 2000).

330 A função social do contrato, fique claro, não esvazia a autonomia privada, pois, conforme lição

de Mariana Santiago: “O desafio para o legislador, o doutrinador e o aplicador do direito é exatamente conciliar essas dias forças, liberalismos e intervencionismo, em prol de uma sociedade justa. Coexistem, hoje, assim, no nosso ordenamento, em matéria contratual, a função individual e social do contrato, devendo haver, entre essas funções, um equilíbrio.” (O

princípio da função social do contrato. Curitiba: Juruá, 2005, p. 100).

331 Segundo José Oliveira Ascensão: “O art. 2035/§ único ilustra os princípios de ordem pública

com uma referência aos estabelecidos no Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos. Ora, a nosso conhecimento, nenhuma constituição do mundo dá tanto relevo como a brasileira ao princípio da função social. Seria contraditório que, sob a égide duma constituição tão decididamente impulsionadora da função social, se fosse permitir, por invocação da mesma constituição, a subsistência de efeitos pactuados entre as partes que infringissem esse princípio. Permitir-se-ia subsistência de situações passadas que contrariam uma das diretrizes fundamentais da carta maior” (Prefácio. In: Delgado, Mário Luiz. Problemas de direito

intertemporal no Código Civil: doutrina e jurisprudência: São Paulo: Saraiva, 2004, p. XVII)

Próximos, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam: “Função social da propriedade. Natureza jurídica. É princípio de ordem pública, que não pode ser derrogado por vontade das partes. O CC 2035 par. un. é expresso nesse sentido, ao dizer que nenhuma convenção pode prevalecer se contrariar os preceitos de ordem pública, como é o caso da função social da propriedade e dos contratos” (Novo Código Civil e legislação extravagante

anotados. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 591. No texto original o enunciado ‘Função social da propriedade. Natureza jurídica’ está em negrito).

Observe-se, por fim, que no preenchimento das cláusulas gerais

restritivas em questão (art. 1.228, § 1º, e 421 do CC), cujas redações são

bem vagas, se fará obrigatório o respeito aos princípios norteadores da

codificação (socialidade, eticidade e operabilidade).

332

A premissa traçada é relevante, pois boa parte dos dispositivos que

tratam do direito de superfície no Código Civil – apesar de não se

notabilizarem como cláusulas gerais

possuem espaços de vagueza,

reclamando, na sua aplicação concreta, que sejam completados com

inspiração na trinca de princípios da codificação, sob pena de receberem

reprimenda pelas cláusulas gerais restritivas, devidamente postadas para a

censura, através do parágrafo único do artigo 2.035 do Código Civil.

6.2 Do direito de superfície e a sua vinculação à concepção de

função social da propriedade

Em conclusão quase que forçosa tem-se retorno do direito de

superfície no Brasil, com o novo gabarito, tem paralelismo ao impulso que

foi dado ao caráter social da propriedade, perseguido pelo legislador

nacional, sendo a figura em comento, nesse ponto, instituto mais adequado

e dinâmico que a enfiteuse, reduzida sobremaneira em prol da inovação.

Desse modo, a inserção do direito de superfície no bojo do Código

Civil atual é uma influência perceptível do crédito que o legislador conferiu à

função social da propriedade

333-334

, uma vez que poderá propiciar melhor

exploração do solo, diante da sua adequação aos problemas atuais.

335

332 Parecendo concordar: André Osório Gondinho (Codificação e cláusulas gerais. Revista

Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, ano 1, v. 1, p, 23-25, jan./mar. 2000).

333 Há quem afirme que a inclusão da superfície no Código Civil de 2002 foi a mais importante

postura do legislador. No sentido, Juarez Costa de Andrade dispara: “Seguramente a mais contundente inovação instituída no novo Código Civil, no âmbito dos direitos reais, foi o direito de superfície. O insigne Professor Ricardo Pereira Lira, que entre nós, sem favor, é o mais profundo

Às claras, o instituto se mostra de grande utilidade, dinamizando a

propriedade (seja por entes públicos ou privados)

336

, para lhe dar maior

proveito na cadeia produtivo-social

337

, bem como para sanear situações

conhecedor dos direitos reais e o maior divulgador e entusiasta do direito de superfície, eis que convencido há muito, que a sua inserção no ordenamento jurídico pátrio de modo expresso e adequado seria a grande contribuição do direito para a solução de alguns dos nossos mais angustiantes problemas sociais contemporâneos, vale dizer, o problema da ocupação do solo, pois o Código de 1916, a par de lastreado nos direitos reais romanos, não estipulou o direito de superfície, que deles já conhecia, e daí proliferou-se para o direito alemão, italiano, português, etc.” (O novo Código Civil comentado: doutrina, jurisprudência, direito comparado. Coordenação de Cleyson de Moraes Mello e Thelma Araújo Esteves Fraga. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002, v. 2, p. 1.271). Respeitosamente, não concordamos in totum com a afirmação. Muito mais importante foi consolidar a idéia da função social da propriedade dentro do Código Civil de 2002, que irradiou em diversos institutos, culminando inclusive com a adição do direito de superfície ao ordenamento codificado.

334 O comando de função social da propriedade, por certo, não se manifesta no Código Civil de

2002 apenas através do direito de superfície, mas, de forma múltipla ao longo da codificação, também em outros institutos, como é o caso da noviça figura do parágrafo 4º, do artigo 1.228, já rotulada de espécie de desapropriação judicial. Sem esgotar os exemplos, é possível afirmar que a diminuição dos prazos da usucapião (artigos 1.238 e 1.242) e a inserção da opção de compra do imóvel em favor daquele que de boa-fé planta ou edifica no terreno alheio (parágrafo único, do artigo 1.255) são influências diretas da idéia da função social, de modo a prestigiar o bom uso do bem, encadeando-o no sadio contexto econômico ou social.

335 A reforçar a assertiva, Ricardo Pereira Lira, entre outros, já defendia o retorno do direito de

superfície ao ordenamento jurídico como instrumento de utilidade em uma política de ocupação razoável e justa do espaço urbano, citando exemplos variados no sentido, ao prefaciar obra de Rogério Gesta Leal (A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 5-19).

336 Apesar de se pensar mais no direito de superfície para aplicação urbana, não podemos

descartar a sua utilidade nos campos, mormente pela vocação brasileira de produção rural. Por isso, sua aplicação deve ser ampla, podendo ser prejudicial a limitação. Próximos: Paulo Roberto Benasse (O direito de superfície e o novo Código Civil brasileiro. Campinas: Bookseller, 2002, p. 158) e Maria Magnólia Lima Guerra (Aspectos jurídicos do uso do solo urbano. Fortaleza: Imprensa Universitária da Universidade do Ceará, 1981, p. 93). Assim, ousamos discordar da a crítica feita pelo mestre Caio Mário da Silva Pereira, no sentido de que deveríamos ter seguido o sistema italiano, de modo a não incluir na codificação o direito de superfície vinculado às plantações, pelos inconvenientes que gera tal atividade, que acaba por facilitar os litígios (Instituições de direito civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 4, p. 244). Nossa nação tem vocação para a cultura da terra e o direito de superfície rejeitado pelo ilustre jurista não só pode ser útil na busca da função social da propriedade, como também pode servir de instrumento para acumulação de divisas e riquezas para toda a sociedade.

337 Marise Pessoa Cavalcanti, em capítulo com boa abordagem sobre a co-relação com a função

social da propriedade, aponta uso do direito de superfície como vetor de instrumento para a administração pública, sugerindo o uso do instituto – no âmbito rural − para a Reforma Agrária e – no espectro urbano – para o melhor controle do uso do solo nas cidades, capaz até mesmo a autorizar a superfície compulsória, em casos mais extremados (Superfície compulsória: instrumento de efetivação da função social da propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 39- 81). O texto da autora segue a linha dos trabalhos precedentes de José Guilherme Braga Teixeira (O direito real de superfície: origem e desenvolvimento da superfície. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, em especial p. 89-91) e Ricardo Pereira Lira (Elementos de direito

urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 111-116). Os dois últimos autores apresentam

para debate, inclusive, bases para projetos legislativos (José Guilherme Braga Teixeira, assim procede no mesmo texto antes citado, p. 118-121, e, Ricardo Pereira Lira, por sua vez, no seguinte ensaio: O direito de superfície e o novo Código Civil. In: Arruda Alvim, José Manoel de; César, Joaquim Portes de Cerqueira; Rosas, Roberto (Coords.). Aspectos controvertidos do

novo Código Civil: escritos em homenagem ao ministro José Carlos Moreira Alves. São Paulo:

concretas que vêm sendo sedimentadas irregularmente

338

, hoje ocorrentes

praticamente ao longo de toda nação, notadamente nos grandes centros

urbanos.

339-340

Há, sem embargo, também a possibilidade de vincular o instituto a

uma política de revitalização da habitação, em postura próxima ao que já foi

utilizado em outros países.

Os horizontes são tão amplos que, indo um pouco mais além,

cremos que a figura não se limita apenas às situações de assentamentos

urbanos e rurais ou da exploração imobiliária (hipóteses em que o direito de

superfície é mais lembrado), podendo se cogitar em utilizar o instituto em

situações mais singelas, mas que não são desconhecidas de nossa

sociedade, cada vez mais conflituosa e sedenta de instrumentos que

338 Segundo José Rogério Cruz e Tucci: “Não resta menor dúvida de que, nas organizações

sociais modernas, a nossa em particular, o instituto da superfície se mostra de grande utilidade para que haja maior dinamização do domínio, resultando, por via de conseqüência, em maior proveito do solo improdutivo ou inculto, e, no plano técnico-jurídico, para atender a situações concretas que vêm sendo consolidadas de modo totalmente irregular” (A superfície no novo Código Civil, Revista do Advogado, São Paulo, AASP, ano 22, n. 68, p. 158, dez. 2002).

339 No sentido, entre vários, confira-se: Frederico Henrique Viegas Lima (O direito de superfície

como instrumento de planificação urbana. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 191-220); Ricardo

Pereira Lira (Elementos de direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 109-116); José Afonso da Silva (Direito urbanístico brasileiro. 3. ed. São Paulo: Malheiros, p. 395-399), Márcia Alvarenga de Oliveira Sobrane (A cidade e sua normatização constitucional urbanística. In: Garcia, Maria (Coord.). A cidade e seu estatuto. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005, p. 223).

340 Traçando situação hipotética, o professor Miguel Reale crê que o direito de superfície “vem

propiciar ao proprietário a possibilidade de fazer acordos com grandes empresas para que sua propriedade seja usada; ele cede o uso da superfície para que seja construído, por exemplo, um conjunto que, passados anos, reverterá ao seu patrimônio. A mesma coisa acontecerá no relacionamento do proprietário com o Poder Público para realizações de equipamentos urbanos reclamados pela coletividade. De maneira que é um instrumento do direito romano que, modernizado e atualizado, é trazido para o nosso tempo como um instrumento de ação, ao mesmo tempo benéfico para o proprietário e para a coletividade” (O Projeto do novo Código

Civil: situação após aprovação pelo Senado Federal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, 157). José

Guilherme Braga Teixeira também traz exemplos em que o direito de superfície é poderia ser de grande valia: “A superfície pode, outrossim, ter aplicações outras, tais como a construção de fábricas, armazéns, hospitais, teatros, museus, policlínicas, sanatórios, conjuntos poliesportrivos, hotéis, etc. No que tange á atividade hoteleira, é de alvitrar grande incentivo a que empresas explorem essa atividade comercial no âmbito internacional aqui construam inúmeros e moderníssimos hotéis, resultando na ampliação do turismo no País, no crescimento das cidades e de empregos. A desnecessidade de aquisição de terrenos, em geral altamente custosos, deverá incentivar os empreendedores do ramo da construção civil e os das demais atividades mencionadas”. (O direito real de superfície: origem e desenvolvimento da superfície. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 91).

possam ser utilizados para impulsionar relações que envolvam o direito de

propriedade.

341

Portanto, o direito de superfície, uma das novidades em Direito das

Coisas da codificação de 2002, que outrora foi tachado de ultrapassado e

sem aplicação, foi recodificado, a partir da análise de que poderá ser uma

ferramenta útil, com aplicação bem elástica. A constatação não se deu

apenas pelo legislador responsável pelo Código Civil, mas também por

aquele que participou do processo legislativo da Lei n. 10.257/2001

(Estatuto da Cidade), eis que ambos receberam a mesma iluminação

constitucional acerca da função social da propriedade.