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Tratamento constitucional da função social da propriedade: da

6.1 Da propriedade do Código Civil de 1916 à função social da

6.1.2 Tratamento constitucional da função social da propriedade: da

A Constituição de Weimar fez alterar a concepção de propriedade

nos ordenamentos jurídicos, e no Brasil não foi diferente. Já a partir da

Carta de 1934, a segunda Constituição republicana, inicia-se um processo

de reconhecimento da função social do instituto, reconhecimento este que

310 Há registro doutrinário que estampa a posição de Clóvis Beviláqua acerca da influência da

Carta Magna de 1934 sobre as regulações constantes na codificação de 1916. Em tal estudo, o afamado jurista reconhece a importância do legislador de 1934 ter fixado diretriz constitucional da função social da propriedade (afetando a concepção individual constante do Código Civil de 1916 e que já se encontrava descompassado com as leis especiais), ao afirmar: “O conceito de propriedade se apresentava no Código Civil sob um cunho algum um tanto rígido, apesar da tentativa de o adaptar às exigências da vida social, que propuzera o Projeto primitivo. Havia,

assim, em certa desconveniência entre a definição legal (Código Civil, 524) e as restrições desse

mesmo corpo de leis e de outros diplomas legislativos. A Constituição porém, fixou verdadeira doutrina social da propriedade (...). É uma formula feliz, porque attende, na propriedade, ao elemento individual, de cujos estímulos depende a prosperidade do agrupamento humano; ao elemento social, que é a razão de ser e a finalidade transcendente do direito; e, finalmente, às mudanças, que a evolução cultural impõe à ordem jurídica” (A Constituição e o Código Civil. In:

se vai processando dentro do ambiente constitucional, afetando a

arquitetura do artigo 524 do Código Civil, que teve de ser reinterpretado,

diante dos novos comandos magnos.

Sem rebuços, no período entre o Código Civil de 1916 e o de 2002,

a situação se alterou, e, de forma progressiva, o legislador constitucional

passou a se preocupar com a natureza social da figura jurídica

311

,

reconhecendo que não bastava garantir ao individuo o direito de

propriedade, sendo necessário, também, que do uso daqueles poderes

resultassem alguns deveres inerentes à vida em sociedade.

312

Seguindo tal linha, na Constituição Federal de 1934 é “garantido o

direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse

social ou coletivo, na forma que a lei determinar” (artigo 113, 17.), criando

inédito limite negativo no ordenamento constitucional

313-314

. Apesar de a

311 A evolução não foi estampada apenas nas Cartas Políticas, mas também nas tentativas

fracassadas de substituição ao Código Civil de 1916. Com exemplo, confira o Anteprojeto de relatoria de Orlando Gomes: Art. 358. Conteúdo do Direito - “O proprietário tem o direito de usar, gozar e dispor da coisa nos limites da lei, reivindicá-la do poder de quem injustamente a detenha e repelir toda a intromissão indevida.”; art. 359. Exercício do Direito de Propriedade - “O proprietário não pode exercer o seu direito em desacordo com o fim econômico e social para o qual é protegido” (Código Civil: Projeto Orlando Gomes, Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 168- 169).

312 A passagem para o Estado Social afeta sobremaneira a postura do legislador constitucional,

conforme destaca Rafael Colina Garea: “Ya desde meados del presente siglo, los textos

constitucionales dejan de aparecer como un sencillo y breve catálogo o declaración de derechos, para desarrollar su contenido mediante un amplio y minucioso articulado. En este sentido, es como la doctrina comienza a calificar a los Textos Constitucionales como ‘Constituciones extensas’” (La función social de la propriedad privada en la Constituición española de 1978.

Barcelona: Jose Maria Bosch, 1997, p. 48). Com tal panorama, a função social da propriedade é comando consolidado nas Constituições desde a primeira metade do século XX, conforme anota Lino de Morais Leme: “A função social da propriedade está consignada em várias Constituições: do Peru, de 1933, art. 34; da Colômbia, de 1936, art. 10; da Lituânia de 1933; do México, de 1917, reformado em 1948, art. 1º, no. 29; da Itália de 1947, art. 42; a de Weimar, de 1919, (...)” (Direito civil comparado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1962, p. 334).

313 Segundo Moacyr Lobo da Costa, com a Constituição de 1934 estava ”reconhecida e facultada

a intervenção do legislador nos ‘domínios’ do proprietário para assegurar o bem-estar social” (A propriedade na doutrina de Duguit. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 153, fascs. 611-612, p. 38, maio/jun. 1954). Próximo: José Diniz de Moraes (A função social da propriedade e a

Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 38).

314 Registre-se que o texto de 1934 poderia ter sido bem diferente, caso tivesse a Assembléia

Nacional Constituinte adotado o “Projeto Itamarati”, remetido à mesma em novembro de 1933 pelo Governo Provisório. No projeto que foi rejeitado, há flagrante influência das idéias defendidas por León Duguit, com radical postura de adoção à concepção de função social da propriedade, conforme se verifica do seu artigo 144 (“Artigo 144. É garantido o direito de

Carta Maior de 1937 só admitir o intervencionismo estatal de forma

excepcional, tendo o artigo 122 garantido o direto à propriedade,

avançando um pouco mais do que o diploma de 1934, o legislador

constitucional na parte final do n. 14 do indicado dispositivo afirmou que o

“conteúdo e os seus limites serão os definidos nas leis que regularem seu

exercício”, ou seja, projetou para a lei ordinária o encargo de definir

conteúdo e limites do direito de propriedade.

Na escala de nossos Diplomas Constitucionais, a função social da

propriedade é destacada na Constituição Federal de 1946, pois, enquanto o

artigo 141, parágrafo 16, mantém uma forma próxima aos dispositivos

anteriores, o artigo 147 da Carta Política anuncia que o “uso da propriedade

será condicionado ao bem estar social. A lei poderá, com observância, do

disposto no artigo 141, parágrafo 16, promover a justa distribuição da

propriedade com igual oportunidade para todos”.

Na Constituição de 1967, que não deixa de garantir o direito

individual à propriedade (artigo 153, § 22), solidifica-se, de uma vez por

todas, a necessidade de se encarar a propriedade sob um vetor social, já

que o artigo 160, III, textualmente, dispõe que “a ordem econômica e social

tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base

nos seguintes princípios: (...) III - função social da propriedade”, texto este

mantido em 1969.

propriedade, com conteúdo e os limites que a lei determinar. § 1º A propriedade tem, antes de tudo, uma função social e não poderá ser exercida contra o interesse coletivo”). O Projeto Itamarati − provavelmente – foi idealizado por existir momento propício a se digerir as idéias de Duguit que, àquela altura, mesmo após sua morte em 1928, tinham grandes repercussões no Brasil (várias conferências proferidas pelo doutrinador na Argentina no ano de 1911 foram registradas em publicações). Nossa Nação, em 1933, tinha ambiente diferente quando da passagem e do início do século XX, pois, como bem asseverou Moacyr Lobo da Costa: “A guerra de 18 e a revolução de 30, com todas as suas conseqüências, contribuíram, decisivamente, para colocar o problema ‘social’ no campo das relações jurídicas, até então dominado, exclusivamente, pela idéia dos direitos individuais” (A propriedade na doutrina de Duguit. Revista

Finalmente, na Constituição Federal de 1988 a propriedade recebe

tratamento constitucional de grande monta, estando regulada, com

destaque, na parte “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos” (artigo

5º, XXII e XXIII), no capítulo “Dos Princípios Gerais da Atividade

Econômica” (artigo 170, III), e em vários outros dispositivos (mais

casuísticos), como por exemplo, os artigos 156, parágrafo 1º, 182,

parágrafo 2º e 4º, 184, caput, 185 e 186.

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