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4.1 O direito de superfície no Brasil: do descobrimento ao

4.1.2 Lei de 9 de julho de 1773

Diante da submissão que recebíamos do direito luso, no Brasil se

estendeu a aplicação da Lei de 9 de julho de 1773

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que − segundo

referência doutrinária − contemplava o direito de superfície nos parágrafos

11, 17 e 26.

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196 Frederico Henrique Viegas Lima, com mira nas Ordenações Filipinas indica, citando alguns

exemplos do Livro IV das Ordenações Filipinas (como é o caso dos Títulos XXXVI, XXXVIII) reconhecem “apenas e enfiteuse e os censos como forma de domínio dividido, sem considerar as outras formas de concessão a longo prazo” (O direito de superfície como instrumento de

planificação urbana. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 62-65, p. 65). Entretanto, o atento autor

indica que nas “Ord. Fil. Liv. 4., título 43 aparece a definição de Sesmarias (...) pelas Sesmarias, a coroa obrigava a quem tivesse alguma terra já explorada em algum tempo a que volta-se a cultivá-la ou realizasse uma concessão para deixar que a outra pessoa fizesse o cultivo”. E continua, fazendo interessante observação: “Para MENDES DE ALMEIDA, o conceito de sesmarias não podia ser aplicado ao Brasil, porque naquela época só existiam terras que nunca tinha sido cultivadas. O nome veio por analogia e como não fosse adequado a este preceito, editaram-se várias leis posteriores no sentido de ampliar o título 43 das Ordenações para as terras do Brasil. Pelo Alvará de 5 de dezembro de 1785, as concessões de sesmarias eram realizadas em terras da coroa portuguesa e tinha o caráter de ‘essencialismo’ do cultivo. Para isto, era possível seu arrendamento ou concessão enfitêuticas, não fazendo previsão do direito de superfície que se encontrava absorvido por estas duas primeiras concessões. Pela concessão de sesmarias era obrigatório o pagamento de um cânon ou pensão equivalente a uma sexta parte dos frutos percebidos no terreno. No Brasil a finalidade era essencialmente agrícola” (Ibidem, p. 64).

197 Mário Julio de Almeida Costa lembra que as leis naquele momento eram identificadas apenas

pela sua data. Dá como exemplo a “Lei da Boa Razão”, adiante comentada em nota de rodapé, que apesar de datada de 18 de agosto de 1.769, somente recebeu o nome que a consagrou no século XIX (História do direito português. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 366).

198 No sentido, fazendo referência à Lei de 9 de julho de 1773, como marco legal do direito de

superfície, confira-se: Luiz da Cunha Gonçalves (Princípios de direito civil luso-brasileiro: parte geral. São Paulo: Max Limonad, 1951, v. 1, p. 341, e Tratado de direito civil em comentários ao

Código Civil português. 2. ed. atual. e aum. e 1. ed. brasileira. Anotado por Jayme Landim. São

Note-se que a Lei de 9 de julho de 1773 tem estaca vinculada ao

panorama introduzido em Portugal por Sebastião José de Carvalho e Melo

(Marquês de Pombal), no período de 1750-1777, em que este foi ‘chefe do

governo’ no reinado de João I, dando novos horizontes ao sistema legal

daquele país e, conseqüentemente, com reflexos importantes no Brasil.

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(alguns, inclusive, citando o autor luso acima indicado como fonte), a saber: Wilson de Souza Campos Batalha (Loteamentos e condomínios: sistema jurídico da propriedade fracionada. São Paulo: Max Limonad, 1953, v. 2, p. 19); José Guilherme Braga Teixeira (Da propriedade, da superfície e das servidões: arts. 1.277 a 1.389. In: Arruda Alvim, José Manoel de; Alvim, Thereza (Orgs.). Comentários ao Código Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 12, p. 259); Marise Pessoa Cavalcanti (Superfície compulsória: instrumento de efetivação da função social da propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 29). Em Portugal, no entanto, a maioria dos autores que não fazem referência à Lei 9 de julho de 1773 como baliza da introdução do instituto com feição de direito real no ordenamento luso, apontando, para tal, à Lei n. 2.030, de 22 de junho de 1948 (em seus artigos 21 a 29), como a base de partida da figura jurídica. No sentido: Luís A Carvalho Fernandes “O direito de superfície é um dos tipos mais recentes na galeria dos direitos reais do sistema jurídico português. (...) A primeira configuração da superfície, como direito real típico, surge na Lei n. 2030, de 22 de junho de 1948, embora com um muito restrito campo de aplicação e com um regime limitativo, que, nessa parte, e mantém ainda em vigor (...)” (Lições de direitos reais. 4. ed. Lisboa: Quid Júris, 2003, p. 414). Seguindo a mesma linha histórica do instituto, confira-se ainda: A. Santos Justo (Direitos reais. Coimbra: Almedina, 2007, p. 389); Rui Pinto Duarte (Curso de direitos reais. Cascais: Principia, 2002, p. 170-171); e Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1987, v. 3, p. 587). No Brasil, Silvio de Salvo Venosa também indica a Lei n. 2.030, de 22 de junho de 1948 (Direito civil: direitos reais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, v. 5, p. 391) para o mesmo fim. De todo modo, deve se salientar que mesmo para a doutrina que indica a Lei 9 de julho de 1773 como marco para o aparecimento do direito de superfície em Portugal, há o reconhecimento de que - ainda naquele momento – o instituto não possuía as exatas feições que – com o passar do tempo – foram fixadas. Os parágrafos têm a seguinte redação: § 11: “Mando, que todas as Arvores de frutos, ou silvestres, que estiverem dentro em Propriedades alheias, causando prejuízos, e embaraços, que a todos são notórios, sejão avaliadas, e pagas aos Possuidores dellas de qualquer estado, ou condição que sejão, pelo justo preço, que for arbitrado pelo Offício dos Juizes das respectivas Terras.”; § 17: “Mando, que o mesmo se observe respectivamente pelo que toca ás Arvores possuidas em terrenos alheios; e as servidões de caminhos particulares; e de atravessadouros pelos Prédios particulares sem legítimo título”; § 21: “Mando, que a respeito das Arvores possuidas em Prédios alheios se observem também o que deixo estabelecido no Parágrafo Doze”. O § 12. referido no § 21, tem a seguinte redação: “Mando, que todos os caminhos, e atravessadouros particulares feitos pelas Propriedades também particulares que se não dirigem a Fontes,ou Pontes como manifesta utilidade pública, ou Fazendas, que não possam ter outra alguma serventia, sejão vedados, e abolidos por Officio dos Juízes; posto que de taes servidões se alleguem as Posses imemoriaes, que são repugnantes á liberdade natural, quando não consta que para ellas precederão titulos legítimos, que, conforme o Direito, excluão a Acção Negatória.” (Disponível em: <http:// www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/ verlivro.php?id_parte=114&id_obra=74&pagina=370>. Acesso em: 24 jul. 2007).

199 Com efeito, o Marquês de Pombal é apontado como o mentor da Lei da Boa Razão, datada de

18 de agosto 1769, que fixou limites na aplicação subsidiária do direito romano em Portugal, para o fim de só admitir tal direito se fundado na “boa razão”, situação esta que afastou sua aplicação purista, se desapegando das glosas de Acúcio e Bartolo que, em grande medida, eram absorvidas de maneira literal, o que, nem sempre era adequado, dada as diferenças de realidades. Segundo Mário Júlio de Almeida da Costa ao se referir a Lei da Boa Razão: “Representava ela o dogma supremo da actividade interpretativa e integrativa, estivesse cristalizada nos textos romanos, no direito das gentes ou nas obras jurídicas e leis positivas das nações estrangeiras. O referido diploma prosseguiu objectivos amplos. Visou, não apenas impedir irregularidades em matéria de assentos e quanto à utilização do direito subsidiário, mas

A Lei de 9 de julho de 1773, segundo registro doutrinário que

seguimos, foi importante para manutenção da figura no Direito luso, pois,

ao contrário do que ocorreu em distintas nações, a norma coibiu os abusos

dos proprietários das terras na imposição de altos preços junto a aqueles

que a exploravam (sejam superficiários ou enfiteutas), providência esta não

adotada em outros países, que optaram por repelir a figura jurídica

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.

também fixar normas precisas sobre a validade do costume e os elementos a que o interprete podia recorrer para o preenchimento das lacunas (...)”. O mesmo autor, mais adiante, conclui: “Numa palavra: apresentar-se conforme à boa razão equivalia a corresponder aos princípios do direito natural ou do direito das gentes. Deste modo, era fonte subsidiária, ao lado do direito romano seleccionado delo jusracionalismo, o sistema de direito internacional resultante da mesma orientação” (História do direito português. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 366 e 370, respectivamente). Orlando Gomes destaca que a Lei da Boa Razão foi fundamental para a longevidade das Ordenações Filipinas, em vigor a época de sua publicação, pois segundo o autor baiano: “A Lei da Boa Razão constitui verdadeiro ‘marco miliário’ na evolução do Direito português, e, portanto, do Direito brasileiro. Nenhuma reforma pombaliana no campo da legislação teve alcance maior, por seu sentido autenticamente revolucionário. Ao impor novos critérios de interpretação e de integração das lacunas da lei, determinou-lhes radical mudança, justo porque as Ordenações eram uma compilação repleta de lacunas. A racta ratio dos jusnaturalistas, erigida em forte preexcelente de interpretação legislativa, deu ensejo não só a floração de numerosos preceitos marginais, que, todavia, passaram a integrar o novo Direito vigente sob forma consuetudinária, mas também, estimulou favorecer o labor doutrinário que influiria fortemente sobre os aplicadores da lei. A essa imposição de uma fonte subsidiária tão flexível deve-se, possivelmente, a extraordinária vitalidade das Ordenações Filipinas. Um de seus principais defeitos, consistente, como tem sido assinalado e se percebe à primeira leitura, na abundância de omissões, foi, quiçá, o segredo de sua longevidade em Portugal e, mas do que lá, no Brasil”. (Raízes históricas e sociológicas do Código Civil brasileiro. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 5-6). Há, em trabalho de Pontes de Miranda, registros importantes sobre a Lei da Boa Razão, com os indicativos das suas reações contrárias, enfatizando, nessa linha, a contrariedade de José Homem Correia Teles, assim como a absorção pelo sistema de importantes costumes (Fontes e evolução do direito civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 44-47). Em desfecho, as intervenções do Marquês de Pombal não ficaram apenas no plano legislativo, pois, dado ao novo quadro implantado, se fez necessária o realinhamento no estudo do Direito, redundando na reforma dos Estatutos da Universidade de Coimbra. Assim, consoante anota Walter Vieira do Nascimento, “novas disciplinas foram introduzidas no currículo da Faculdade das Leis, como as do Direito natural, de História do Direito e de Direito Pátrio. Ao mesmo tempo, o estudo do direito romano passava a ser orientado no sentido do usus modernus pandectarum” (Lições de história do direito. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 195).

200 Nos baseamos aqui, na dicção autorizada de José Guilherme Braga Teixeira: “Tornadas

odiosas por terem escravizado o homem à terra, em razão dos absurdamente altos preços dos censos que os superficiários e enfiteutas (e, principalmente, os inúmeros e incontáveis subsuperficiários e subenfiteutas) estavam obrigados a pagar a título de foros, laudêmios, etc., superfície e enfiteuse foram banidas pela Revolução Francesa, cujos efeitos se estenderam além das fronteiras gaulesas, promovendo a restauração da unidade na pessoa do senhor do solo. Em Portugal, porém, nem a enfiteuse nem a superfície apresentaram características que as tornassem odiosas, uma vez que haviam sido restringidos pelo Marquês de Pombal os excessos dos senhorios diretos, desafogando, em conseqüência, os superficiários e enfiteutas das influências feudais e costumeiras que complicavam e sobrecarregavam esses institutos jurídicos de inúmeras e variadas obrigações, de exigências muito onerosas, de prestação de serviços pessoais e outros abusos. Efetivamente, ocorreu que o citado Marquês, procurando abater a aristocracia, quer secular, quer eclesiástica, passou a regular os mesmo institutos pela Lei (pombaliana, obviamente) de 9 julho de 1773, cujos §§ 11, 17 e 26 respeitavam as construções,

Assim, tal legislação detém significância para o direito de superfície, não

apenas por mantê-lo no sistema legal lusitano (embora, repita-se, ainda

sem a específica denominação e desprovido de contornos exatos ao

instituto atual), mas também para que pudesse ser desenvolvida relação

mais equilibrada entre o proprietário do solo e o superficiário.

Por derradeiro, ainda sobre a Lei de 9 de julho de 1773, mister

consignar que, não obstante a declaração de independência, por força de

Lei imperial de 20 de outubro de 1.823, a referida norma continuou sendo

empregada no Brasil, uma vez que não houve o rompimento abrupto da

aplicação do direito português.

4.1.3 A Consolidação das Leis Civis e a Lei n. 1.237, de 24 de