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O histórico da disciplina de LP é fundamental para a compreensão da “crise” por que passa o ensino de língua no Brasil atualmente. A seguir, serão retomados alguns aspectos do trabalho nessa disciplina, levantados por pesquisadores que se embrenharam na tarefa de compreender as mudanças propostas hoje, pelo enfoque da historicidade, ampliando o horizonte da pequena temporalidade da situação imediata da última reforma do ensino, ocorrida nos anos 1980-1990.

Soares (2001, p. 212-213), traçando um panorama mais abrangente da constituição da disciplina no Brasil, discute o fato de, até meados do século XIX, o ensino do português ser contemplado no estudo de três disciplinas: Retórica, Poética e Gramática (que seguia a tradição do ensino do latim). A autora atribui a persistência dessa tradição a fatores externos e internos às próprias disciplinas. Como fatores externos, cita o fato de que, por todo esse tempo, a escola servia aos mesmos e únicos grupos que tinham acesso a ela: os social e economicamente privilegiados, que chegavam às salas de aula dominando razoavelmente a "norma padrão culta" e as práticas de leitura utilizadas em seu meio social.

Como fatores internos à disciplina para explicar a permanência da tradição dos estudos de Gramática, Retórica88 e Poética, Soaresressalta que "o conhecimento que então se tinha da língua era aquele transferido do conhecimento da gramática do latim, da retórica e da poética apreendidas de e em autores latinos e gregos. Que outra coisa se poderia ensinar?" (SOARES, 2001, p. 213).

88 Franchi (1987, p. 27) faz uma importante observação com relação à presença da retórica nos estudos da tradição linguística, quando diz que “embora distinguindo metodologicamente a gramática, a retórica e a dialética, a sabedoria dos antigos foi a pouco e pouco incluindo, no ensino da ‘gramática’, largas partes da retórica e mesmo a poética, abrangendo em sua prática escolar língua e discurso”. Não obstante, segundo o autor, a escola matou essa tradição, transformando a retórica “em um compêndio para memorização e exercícios classificatórios” – escolarizada, ela perdeu sua função vital e desapareceu como prática escolar.

Essa dúvida ganhou mais força na segunda metade do século XX, com a mudança nas características do público a ter acesso à escola. Segundo Brito (1997, p. 99), "a questão da transformação das práticas, métodos e conteúdos escolares está em pauta desde que a escola deixou de ser, no plano do embate político, ainda que não de fato, um privilégio de um segmento social para se tornar um direito de todos.". A democratização do acesso à escola, entretanto, não garantiu nem a inserção efetiva dos alunos provenientes de classes populares, nem a permanência das elites na escola pública, pois, segundo o autor, não houve uma democratização da escola.

Ao buscar a história do "português" como disciplina curricular, Soares (2002, p. 166- 167) destaca que

É a partir dos anos 1950 que começa a ocorrer uma real modificação no conteúdo da disciplina português. E isso se dá porque uma progressiva transformação das condições sociais e culturais e, sobretudo, das possibilidades de acesso à escola vai exigindo a reformulação das funções e dos objetivos dessa instituição, o que acarreta, entre outras alterações, mudanças nas disciplinas curriculares. Em primeiro lugar, é a partir desse momento que começa a modificar-se profundamente o alunado: como conseqüência da crescente reivindicação, pelas camadas populares, do direito à escolarização, democratiza-se a escola, e já não são apenas os “filhos-família”, os filhos da burguesia, que povoam as salas de aula, são também os filhos dos trabalhadores [...] É então que gramática e texto, estudo sobre a língua e estudo da língua começam a constituir realmente uma disciplina com um conteúdo articulado: ora é na gramática que se vão buscar elementos para a compreensão e a interpretação do texto, ora é no texto que se vão buscar as estruturas lingüísticas para a aprendizagem da gramática.

A autora ressalta, entretanto, que não houve realmente uma fusão entre gramática e texto, mas uma predominância da gramática sobre o texto, como ainda ocorre nas aulas de LP em muitas escolas brasileiras. Se, de acordo com Fávero e Molina (2006, p. 56), por volta de 1930 o ensino de LP já se fazia com aulas de leitura, redação e gramática, há que se perguntar de onde vem esse “poder” do eixo da gramática sobre os demais. Segundo Soares (2002, p. 168),

Esta persistente primazia da gramática talvez se explique pela força da tradição que, como se disse, vem dos tempos do sistema jesuítico, e persistiu do século XVI até as primeiras décadas do século XX; talvez se explique também pelo vazio que o abandono da retórica e da poética deixou, vazio que só recentemente começa a ser preenchido pelas modernas teorias de leitura e de produção de textos.

Durante o governo militar, instaurado em 1964, foi sancionada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 5692/71), que provocou uma mudança radical na disciplina de LP, cuja própria denominação foi alterada para "Comunicação e Expressão" nas Séries Iniciais, "Comunicação em Língua Portuguesa" nas séries finais do 1º Grau e “Língua portuguesa e literatura brasileira” no 2º Grau.

Essa mudança, diferentemente da ocorrida na década de 1950, não se dá em decorrência de transformações sociais e culturais, mas político-ideológicas. De acordo com a historiação feita por Soares (2002, p. 169, grifos da autora)

A concepção de língua como sistema, prevalente até então no ensino da gramática, e a concepção de língua como expressão estética, prevalente inicialmente no ensino da retórica e da poética e, posteriormente, no estudo de textos, são substituídas pela concepção de língua como comunicação. Os objetivos passam a ser pragmáticos e utilitários [...].

Brito (1997) destaca que o início de uma proposta cuja concepção de linguagem e de ensino configura-se como uma alternativa à tradicional89 coincidiu com o processo de

redemocratização do país (década de 1970).

Entretanto, as propostas que surgem inicialmente, para se opor ao ensino considerado descontextualizado e autoritário, "procuram dar mais conta do modo de ensinar do que propriamente dos conteúdos ensinados, valorizando, na esteira do pensamento escolanovista, a criatividade do aluno." (BRITO, 1997, p. 101).

Ainda segundo Brito (1997, p. 127), nas décadas de 1970 e 1980, dentre os críticos do ensino tradicional de língua, surgiu uma corrente que defendia o estudo renovado da gramática na escola regular, propondo gramáticas alternativas que superariam as limitações e os equívocos da gramática tradicional. Assim, surgiram obras como: Estrutura da língua

portuguesa, de Joaquim Mattoso Câmara Jr. – proposta de uma gramática descritiva do

português culto falado do Rio de Janeiro; Estrutura morfossintática do português, de José Rebouças Macambira – que consistia em uma nova forma de exposição da gramática tradicional, mais crítica e mais articulada (BRITO, 1997, p. 132); Análise sintática (teoria

geral e descrição do português), de Miriam Lemle – propunha uma aproximação entre a

linguística teórica e o ensino escolar da gramática "através da aplicação da teoria da gramática

89 Geraldi constrói sua alternativa de ação a partir de uma distinção entre ensino de língua e ensino da metalinguagem, sendo este último o principal eixo sobre o qual se desenvolve o ensino tradicional: “A maior parte do tempo e do esforço gastos por professores e alunos durante o processo escolar serve para aprender a metalinguagem de análise da língua, com alguns exercícios, e eu me arriscaria a dizer ‘exercícios esporádicos’, de língua propriamente ditos.” (GERALDI, 1984b, p. 47).

gerativa chomskyana à descrição lingüística do português em nível pedagógico" (BRITO, 1997, p. 135); Para uma nova gramática do português, de Mário Perini. Brito (1997, p. 144) informa que o autor desta gramática "se propõe ao mapeamento das funções sintáticas do período [...] e uma classificação das palavras em função de seu possível comportamento sintático".

Ao refletir sobre essas novas propostas para o ensino de gramática, Brito (1997, p. 150-152) destaca algumas regularidades como "o reconhecimento de que a gramática tradicional é inadequada e não oferece uma descrição coerente do português". Entretanto ressalta que "os autores são unânimes na defesa da legitimidade do ensino regular e sistemático de gramática" e que "há consenso quanto à modalidade lingüística a ser estudada: o português culto, falado e escrito, em seu registro formal".

Por outro lado, Brito (1997, p. 153) aponta como uma "perspectiva totalmente diferente de entender o ensino de língua, a um só tempo operacional e reflexivo" a assumida por Franchi e Geraldi, "que partem da reflexão sobre o modo como o sujeito constrói conhecimento sobre a língua". Sobre essa corrente, o autor assim se manifesta:

A força do pensamento de Franchi e Geraldi está no fato de eles não se limitarem a propor um novo método ou novos procedimentos. Ao contrário, elaboraram suas propostas para o ensino de português a partir do estabelecimento de uma concepção de linguagem e de construção de conhecimento bastante diferente da tradicional, centradas na historicidade do sujeito da linguagem. (BRITO, 1997, p. 154).

Nesse momento, consideramos oportuno trazer o pensamento de Geraldi e Franchi, a fim de melhor explicitar os princípios sobre os quais se constrói a proposta do ensino operacional e reflexivo de língua, citada por Brito.

No texto "Subsídios metodológicos para o ensino de língua portuguesa"90, tido como marco para as reflexões sobre o ensino de LP desenvolvidas, principalmente nas últimas duas décadas, no Brasil, Geraldi se propõe a construir uma alternativa de ação, diante de alguns

90 O texto "Subsídios metodológicos para o ensino de língua portuguesa" (Cadernos da Fidene, 18, 1981) foi retomado por Geraldi em dois textos publicados, em 1984, no livro “O texto na sala de aula”, uma coletânea, organizada por ele, que discute questões ligadas ao ensino de língua e literatura na educação básica. Este livro teve e tem até hoje grande aceitação por parte dos professores, o que levou o autor a ceder ao convite de reeditá- lo em 2006. Não obstante, na apresentação desta 4ª edição, Geraldi faz a seguinte ressalva: “As idéias, os objetivos e as características dos textos que compõem esta coletânea são frutos de seu tempo, colhidos por seus autores nos mundos da academia e da política educacional e seu valor maior está precisamente na articulação entre os dizeres de um mundo e os horizontes de possibilidade do outro, articulação que se fez – e ainda se faz – guiada por uma memória de futuro que matiza todas as linhas aqui escritas.” (GERALDI, 2006a, p. 4).

indícios que levam à constatação do fracasso da escola, denominado na época como “crise do sistema educacional brasileiro” (GERALDI, 1984a, p. 41).

O ponto de partida para a construção de sua proposta é a concepção de linguagem, pois, segundo o autor, “toda e qualquer metodologia de ensino articula uma opção política – que envolve uma teoria de compreensão e interpretação da realidade – com os mecanismos utilizados em sala de aula” (GERALDI, 1984a, p. 42). Assim, a definição de uma concepção de linguagem e a tomada de posição relativamente às questões da educação precedem a definição da finalidade do ensino e do que ensinar na disciplina (conteúdos), pois uma concepção diferente de linguagem “constrói não só uma nova metodologia, mas principalmente um ‘novo conteúdo’ de ensino.” (GERALDI, 1984a, p. 46, grifo do autor).

O autor contrapõe-se a duas tendências no ensino de língua: de um lado, os estudos tradicionais que concebiam a linguagem como expressão do pensamento e se pautavam pela normatização, trabalhando basicamente com a metalinguagem e, de outro, respaldada na LDB em vigor na época (Lei 5692/71), a teoria da comunicação, que vê a língua como código e consiste numa vulgarização de teorias produzidas no âmbito da linguística com outras finalidades que não o ensino de língua na Educação Básica.

Assumindo a concepção de linguagem como forma de interação (BAKHTIN (VOLOCHINOV), 1992), Geraldi (1984a, p. 43) mostra que, já no início da década de 80, defendia uma proposta de ensino na qual a linguagem é lugar de constituição de sujeitos nas situações concretas de interação, o que não se coaduna com um trabalho centrado na proposição de exercícios de classificação de termos e reconhecimento de tipos de sentenças.

No texto intitulado "Unidades básicas do ensino de Português" (também publicado inicialmente em 1981), Geraldi apresenta alguns subsídios que demonstram como articular a concepção interacionista da linguagem e as atividades de sala de aula, propondo, como conteúdos de ensino de LP, as práticas de leitura, de produção textual e de análise linguística. Considerando a predominância das atividades de descrição e análise da língua por meio de exercícios de metalinguagem, o autor considera importante esclarecer o que estava propondo em análise linguística:

O uso da expressão “prática de análise lingüística” não se deve ao mero gosto por novas terminologias. A análise lingüística inclui tanto o trabalho sobre questões tradicionais da gramática quanto questões amplas a propósito do texto, entre as quais vale a pena citar: coesão e coerência internas do texto; adequação do texto aos objetivos pretendidos; análise dos recursos expressivos utilizados (metáforas, metonímias, paráfrases, citações, discursos direto e indireto, etc.); organização e inclusão de informações; etc.

essencialmente, a prática de análise lingüística não poderá limitar-se à higienização do texto do aluno em seus aspectos gramaticais e ortográficos, limitando-se a “correções”. Trata-se de trabalhar com o aluno o seu texto para que ele atinja seus objetivos junto aos leitores a que se destina. (GERALDI, 2006b, p. 74, grifos do autor).

Para evitar que se mantivesse a mesma prática com uma nova denominação, o autor enfatiza que há uma diferença de finalidade no que está propondo:

O objetivo essencial da análise lingüística é a reescrita do texto do aluno. Isso não exclui, obviamente, a possibilidade de nessas aulas o professor organizar atividades sobre o tema escolhido, mostrando com essas atividades os aspectos sistemáticos da língua portuguesa.

Chamo atenção aqui para os aspectos sistemáticos da língua e não para a terminologia gramatical com que a denominamos. O objetivo não é o aluno dominar a terminologia (embora possa usá-la), mas compreender o fenômeno lingüístico em estudo. (GERALDI, 2006b, p. 74).

Estava cunhada a expressão que constituiria um dos eixos do ensino de língua de vanguarda no Brasil, cuja dimensão fundadora seria confirmada nas duas décadas que se seguiram à publicação do texto, o qual passou a ser leitura obrigatória nos cursos de formação inicial e continuada de professores.

Desse modo, percebe-se que, na proposta do ensino operacional e reflexivo da língua, há uma mudança nos objetivos e no objeto de ensino, o que fica evidente na proposta de Geraldi, o qual sugere atividades também nos eixos da leitura e da produção textual.

A proposta formulada em 1981 e retomada em 1984 é aprofundada e desenvolvida na obra Portos de passagem (GERALDI, 1997b), cuja primeira edição é de 1991, na qual o autor reafirma a importância de um trabalho com as práticas de linguagem, na escola, que contemple a produção de textos, a leitura e a análise linguística.

Em um texto dirigido aos professores, denominado “Criatividade e gramática”, divulgado no final da década de 198091, Carlos Franchi apresenta sua proposta de um ensino gramatical renovado. Sem desconsiderar a importância dos outros aspectos das atividades de linguagem na escola, o autor focaliza “dentre as estratégias possíveis para o desenvolvimento da linguagem dos alunos, algumas que incidem sobre as estruturas gramaticais”. (FRANCHI, 1987, p. 7).

91 O texto foi republicado recentemente (POSSENTI (Org.), 2006), tendo por fonte uma versão publicada em São Paulo, pela Secretaria da Educação/Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – CENP (1988).

Inicialmente, o autor estabelece um diálogo com duas tendências que se faziam presentes no ensino de língua na época: de um lado o “espontaneismo radical” e de outro o “futurismo” ou “modismo intelectual”. Na primeira tendência, pautada, segundo o autor, numa “duvidosa pedagogia, que apregoa a anulação do papel do professor”, havia um descrédito em todo método e toda interferência do professor. Assim, as atividades de linguagem, presentes nos manuais improvisados, reduzem-se

ao preenchimento de espaços em branco, a reprodução mecânica de “modelos”, a interpretação de passagens de texto pela escolha entre alternativas triviais, informações gramaticais fisgadas aqui e ali, tudo está bem “sincronizado” para a satisfação dos editores e dos professores que já não precisam pensar, nem ensinar a pensar. Quanto à gramática, uma tal de gramática assistemática: há certamente uma contradição nos termos. (FRANCHI, 1987, p. 6, grifos do autor).

A outra tendência é caracterizada pelo autor como “um terrorismo contra o passado”, uma vez que se apoia em noções e conceitos da linguística contemporânea que nem chegam a constituir-se e já são distribuídos para “consumo”. Citando noções como a de “dupla articulação” de Martinet, as funções da linguagem de Jakobson, as “figuras e funções” de Hjelmslev, por exemplo, Franchi (1987, p. 6-7) questiona em que medida essa linguística de retalhos pode estabelecer uma mediação entre a teoria linguística e a prática pedagógica, algo que o autor considera bastante difícil, considerando que são atividades cujos propósitos são radicalmente distintos.

O que Franchi propõe é que se repense o conceito de criatividade na linguagem, pois entende que “[é] no uso e na prática da linguagem ela mesma, e não falando dela, que se poderá reencontrar o espaço aberto da liberdade criadora.” (FRANCHI, 1987, p. 5), destacando a importância de deslocar a noção de criatividade da originalidade do produto para as condições do processo e criação. A partir de uma concepção de linguagem como “um trabalho pelo qual, histórica, social e culturalmente, o homem organiza e dá forma a suas experiências” (FRANCHI, 1987, p. 12), o autor defende que, “[n]o limite, a criatividade se manifesta quando o falante ultrapassa os limites do ‘codificado’ e manipula o próprio material da linguagem, investindo-o de significação própria.”, pois a atividade criativa não está presente somente nos aspectos figurados, na ficção ou na poesia. Há processos criativos “mesmo quando a linguagem se sujeita a suas próprias regras a há criatividade na construção de expressões mais simples e diretas em cada um de nossos atos comunicativos”, até mesmo no silêncio da reflexão que precede a experiência (FRANCHI, 1987, p. 13).

A proposta de ensino renovado de gramática vem se contrapor às limitações e equívocos da prática escolar, fundada numa tradição que consiste na repetição inconsciente de fórmulas que se escolarizaram, “na falta de reflexão sobre o que realmente se está fazendo, quando fazemos gramática do modo que fazemos.” (FRANCHI, 1987, p. 14), ignorando o problema da significação que, para o autor, está no centro da gramática.

O autor critica os exercícios escolares puramente classificatórios que misturam critérios e as análises descritivas simplificadas demais, mas não vê como solução o abandono da gramática. Ele defende que, para compatibilizar a natureza gramatical de algumas atividades com a criatividade na linguagem, o estudo gramatical precisa recuperar a dimensão do uso da linguagem e das estratégias utilizadas no ensino da gramática.

A aproximação à teoria gramatical proposta por Franchi implica a distinção entre atividades linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas92. Na atividade linguística, o autor inclui as atividades de uso da linguagem nas mais diversas interações sociais, nas quais há interlocutores concretos, finalidades discursivas específicas e não mera simulação de situações de interação. As atividades epilinguísticas são aquelas cuja prática “opera sobre a própria linguagem, compara as expressões, transforma-as, experimenta novos modos de construção canônicos ou não, brinca com a linguagem, investe as formas lingüísticas de novas significações.” (FRANCHI, 1987, p. 41). As atividades metalinguísticas, que envolvem a aquisição de um sistema de noções e uma nomenclatura para falar sobre a linguagem, se antecipadas por atividades epilinguísticas, podem se constituir em um trabalho inteligente de sistematização gramatical. (FRANCHI, 1987, p. 42).

Em síntese, o ensino reflexivo que o autor propõe consiste em explorar as potencialidades do discurso, adequando-o às intenções e ao estilo que se pretende imprimir aos enunciados produzidos.

Brito enfatiza que, nos anos oitenta e noventa, o pensamento de Geraldi e Franchi sobre o ensino de LP serviu de referência para a construção de várias propostas curriculares de secretarias estaduais de educação, bem como para a proposta dos PCN para o ensino fundamental. O autor atribui essa influência à

assunção radical de que toda prática pedagógica parte da palavra do aluno e da contrapalavra do professor. Se o sujeito está no centro da linguagem e a significação só se constitui no discurso, não se pode pensar o ensino da língua a partir de atividades mecânicas de repetição e reconhecimento de estruturas. (BRITO, 1997, p. 158-159).

Nas décadas de 80 e 90, os documentos oficiais de ensino começaram a se voltar mais especificamente para as questões do ensino de língua na perspectiva do uso e da reflexão sobre o uso, provocando questionamentos acerca do objeto de ensino da disciplina e