• Nenhum resultado encontrado

5.2 INTERLOCUTORES

5.2.3 Relação professores participantes & pesquisadora

Conforme já problematizado no capítulo referente aos aspectos metodológicos, ao optar pela pesquisa qualitativa de cunho interpretativista a pesquisadora procurou interagir no grupo como mais uma interlocutora real nos processos de reestruturação curricular, sem escamotear o objetivo de pesquisa, mas também sem colocá-lo como um divisor de águas entre ela e o grupo, sem objetificar – “coisificar” – os sujeitos participantes da pesquisa. O fato de a pesquisadora ser professora de LP na educação básica constitui uma identidade, na medida em que caracteriza uma “certa compenetração da cultura do outro” (BAKHTIN, 2003, p. 365), embora a finalidade da presença naquele espaço e o lugar de pesquisadora configurassem uma singularidade. Não obstante, no decorrer dos processos, sua presença – e a situação de pesquisa – foi “sentida” de diferentes formas, dependendo da situação em questão, como podemos constatar nos recortes a seguir:

RD 21/08/06

Anita – Ai, desliga isso, todos os meus comentários vão aparecer na tua fita. Nara – Na edição, a gente corta tudo.

Carlos – Aí faz uma edição só de comentários.

168 A problemática relativa a esse aspecto do currículo persistiu e a necessidade de mudanças no sistema de avaliação/recuperação de estudos voltou a ser pautada em 2009, na continuidade das discussões da reestruturação curricular. Nesse segundo momento – num contexto mais propício – foram encaminhadas mudanças mais significativas as quais podem ser analisadas em pesquisas futuras, uma vez que não se incluem no escopo da presente pesquisa.

Ana Beatriz – Tudo nota de rodapé. [risos]

Anita – Mas, por favor, não vão colocar os autores das frases. Nara – Não, é tudo código169, daí, P1, P2, P3...

Nas falas acima, fica claro que o grupo não ignora o fato de a conversa estar sendo gravada, mas sente-se à vontade para brincar com a situação, marcando, entretanto, a preocupação em não se identificar. Essas referências à situação de pesquisa ocorreram em algumas reuniões, principalmente em momentos de descontração em que eram feitos comentários mais informais, como piadas e brincadeiras sobre temas diversos. Então, alguém lembrava que estavam sendo gravadas as falas e fazia referência à situação, invocando discrição da pesquisadora para não comprometer ninguém. Como diz Moita Lopes (1996), o respeito aos interesses do pesquisado e a preservação de sua identidade são aspectos de natureza ética que devem ser considerados na atuação do pesquisador.

A situação de pesquisa também foi assinalada no documento que os professores de LP elaboraram (Cf. apresentado na seção 5.1.1) e encaminharam à equipe pedagógica, dando o Retorno das discussões do 1º Fórum Pedagógico, em junho de 2006. Após a informação inicial de que os professores já vinham realizando o trabalho de revisão curricular há alguns meses, são apresentadas as seguintes motivações:

/.../

Ademais, o movimento tornou-se mais intenso por ser objeto de pesquisa de doutorado da Professora Nara Caetano Rodrigues e devido ao grande trânsito de professores substitutos que trabalham na área, o que torna imprescindível que tenhamos objetivos claros e definidos para cada série do ensino fundamental e ensino médio. Os professores citaram a situação de pesquisa como mais uma voz para esclarecer que as discussões na disciplina se adiantaram às demandas do processo de reestruturação curricular desencadeado institucionalmente pela Direção, mostrando que não só estavam cientes da pesquisa como a haviam assimilado – e valorado – como processo em desenvolvimento na disciplina.

Nas situações em que não houve convergência de posicionamentos, a pesquisadora procurou negociar com os professores, respeitando os interesses do grupo (MOITA LOPES, 1996; CAVALCANTI, 1998)) e revendo o encaminhamento das discussões, como se observa no recorte a seguir.

169 Quando do envio da tese para os professores validarem a pesquisa antes da redação da versão final, eles foram consultados quanto à utilização de nomes fictícios, uma vez que a codificação desumanizou os sujeitos. Então quase todos apresentaram as sugestões dos nomes pelos quais gostariam de ter suas falas indicadas na tese.

RD 19/03/07

Ana Beatriz170 – A gente define hoje o tema da nossa próxima reunião do projeto, /.../ daí ficamos terça, quarta e quinta só planejamento.

Nara – Eu teria que ver o que que vocês acham de quando for mexer nos planos de ensino, de pegar os conteúdos do PCN [Ana Beatriz – Ummm], porque tem mais pra frente aqui toda uma listagem de conteúdos Carla – Mas a gente vai mexer de novo no plano de ensino?

Nara – pro próximo ano. [Silêncio] Eu não sei daí como é que vai ser, se todos vão mexer, como é que é? Porque eu acho que... a gente sempre faz aquela avaliação no final do ano, né, o que que deu certo, o que que não deu, o que que precisa entrar na série, sair [Ana Beatriz – Huhum]

Ana Beatriz – Eu acho que nesse ano, acho que não muda, né. Carla – A gente mudou bastante o ano passado.

Nara – ... eu precisaria de uma avaliação dessa mudança, pra ver o que deu certo o que que não deu, né [Ana Beatriz – Huhum]

Ana Beatriz – Eu acho que até pra gente fazer uma avaliação, nós precisamos de mais um tempo ainda... Carlos – [a gente não fez o planejamento] anterior pra comparar, né.

Nara – Quem já tava que pode comparar com o anterior, pra vocês [Carla e Carlos] é só avaliação do que encaixou do que não...

Carla – E daí também aquela conversa entre os professores, ... eu vou ter que conversar com o Carlos o que foi dado na 5ª porque ele vai trabalhar com a 6ª, se faltou alguma coisa, se eu fui além, se não, pra ele planejar, porque daí 5ª e 6ª a gente vai planejar individual?

Ana Beatriz – Eu tava pensando de deixar quinta e sexta pro individual, pra todo mundo se concentrar, planejar, ir na livraria, ...eu já quero tá me organizando assim.

Na reunião de disciplina de 19/03/07, a pesquisadora tentou encaminhar a discussão de um tema, mas não teve a adesão da coordenadora do projeto, nem dos demais professores. O tema proposto (avaliação dos planejamentos) não era uma prioridade do grupo naquele momento. Considerando que na semana seguinte começariam as aulas, a preocupação era a discussão com o professor da série anterior para reorganizar os conteúdos com os quais cada um ia trabalhar no ano letivo que estava prestes a iniciar. Essa avaliação das atividades desenvolvidas, a partir das alterações realizadas nos planos de ensino no 1º semestre de 2006, só foi realizada ao final do ano civil de 2007, quando os professores de 5ª a 8ª série expuseram o trabalho desenvolvido ao longo do ano. Nessas reuniões de disciplina (03 e 11/12/07171), o objetivo não era só a situação de pesquisa, mas a necessidade de repassar o que foi trabalhado para os professores novos que assumiriam as turmas no ano seguinte, uma vez que os contratos dos dois professores substitutos que estavam atuando na 5ª, na 6ª e na 7ª série não seriam renovados no ano seguinte. Foi preciso respeitar as prioridades dos professores e fazer os ajustes necessários no processo de geração dos dados, aproveitando a situação como um aprendizado sobre o fazer pesquisa aplicada (CAVALCANTI, 1998), ouvindo os sujeitos e redimensionando o percurso da pesquisa.

Outra situação que ilustra a relação entre os envolvidos no processo de geração dos dados pode ser constatada na reunião de disciplina após a escolha do livro didático, na qual a

170 Coordenadora do Projeto de pesquisa da disciplina. 171 Conforme será exposto na seção 6.2.3.

pesquisadora solicita uma avaliação do livro didático que estava sendo usado pelos professores.

RD 02/07/07

Nara – Eu só queria antes, Ana Beatriz, retomar um pouquinho, se todo mundo concordar, só pra ter uma avaliação do livro que a gente tá usando, que eu acho que, na reunião passada foi feita a escolha do LD e, aí, eu queria só saber como é que tá sendo esse livro que tá sendo usado agora. Porque eu não sei se- ele não chegou a ser avaliado, analisado, né? Como possibilidade de continuar ou não, ninguém cogitou.

Roberta – Não, foi descartado de imediato, eu lembro de algumas falas a respeito.

Ana Beatriz – Quem é a autora mesmo desse livro? [Heloisa Takasaki] Ah, é a mesma do ensino médio.

Nara – O que eu queria era ver, assim, quem tá em sala de aula com o livro, porque eu não cheguei a trabalhar em sala com esse livro [Roberta – Vou dar o meu depoimento] Não vi quais são os problemas... enfim, como é que tá sendo trabalhar com o livro. [Pedro – Huhum] Podemos começar, Pedro, a questão?

Pedro – Eu creio que sim, aqui encerrou essa parte da pauta.

Como está propondo a tematização de um assunto que é de seu interesse conhecer a reação-resposta dos professores, a pesquisadora busca a adesão deles se todo mundo

concordar, Podemos começar e, por meio da expressão a gente tá usando, tenta se colocar e

ser vista como um do grupo em um primeiro momento, mas, na fala seguinte, a posição exotópica se explicita: quem tá em sala de aula com o livro. Por mais que a pesquisadora tente estabelecer uma relação de simetria, os professores é que estão em sala de aula trabalhando com o livro, só eles podem dizer por que escolheram outro livro e não o que era adotado pela escola. Como diz Bakhtin (2003, p. 366), o sentido se produz na lacuna que há entre o conhecido (o dado) e as respostas que só o outro pode fornecer para as nossas perguntas.

Diferentemente do que ocorreu na reunião de disciplina de 19/03/07, dessa vez a pesquisadora teve a adesão do grupo para discutir o assunto que estava propondo, o que mostra que, no decorrer do processo de geração dos dados, a tematização dos assuntos específicos do interesse de pesquisa foi negociada, valorada pelos professores, como sujeitos de discurso reais, com direito a voz, a fazer escolhas.

O objetivo da pesquisadora era estabelecer uma relação de simetria, embora o próprio fato de estar no grupo como pesquisadora e não como professora já seja um elemento de distanciamento, pois os propósitos discursivos são diferentes numa posição e noutra. Além disso, participar de uma situação de interação, vivenciando aquele acontecimento como pesquisadora, implica colocar os “óculos” da perspectiva teórica para buscar a interpretação dos enunciados, o que provoca um olhar atravessado pela voz da teoria, refratado por essa voz, que produz o estranhamento necessário (AMORIM, 2004a). Não obstante, estar no campo dialogando com os sujeitos caracteriza a opção por um trabalho de pesquisa na

perspectiva da personificação e não da coisificação dos participantes do processo (BAKHTIN, 2003).