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A corporeidade e o sentido do mundo próprio

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As perspectivas tomadas a respeito da corporeidade ao longo da história da filosofia preteriram seu protagonismo na existência. Tais entendimentos têm os saberes oriundos de sua sensibilidade como duvidosos, o que desqualifica qualquer consideração que se tenha a partir de suas percepções. Relega-se ao corpo o papel de instrumento com o qual o pensamento pode atravessar e fazer emergir verdades das estruturas inerentes da matéria (NOBREGA, 2010).

A imprecisão dos saberes advindo do corpo levaram os pensadores clássicos a descreditar sua participação na constituição de saberes. Essa atitude os conduziu a erros que distanciaram a compreensão de como se conhece de qualquer relação com a nossa vivência de corpo. A realocação da corporeidade como tema da reflexão deve afastar-se dos entendimentos que nublaram sua compreensão. Essa trajetória segue as análises de Merleau-Ponty e de outros que interpretaram e continuaram seu empreendimento fenomenológico.

O princípio das dificuldades em relação à corporeidade no campo do pensar se deve as considerações filosóficas que embasam a possibilidade do conhecimento. O privilégio do pensamento sobre o corpo tem raízes na filosofia de Descartes, cuja

investida para se alcançar conhecimentos fidedignos consiste em pensar as coisas do mundo a partir de uma “dúvida hiperbólica” (MATTHEWS, 2010, p. 57) a qual coloca em cheque toda a existência a fim de se alcançar um fundo sólido para se presidir qualquer conhecimento a respeito do real. Ao se questionar a crença de todas as coisas, o filósofo encontra no próprio pensamento a base para filosofar, uma vez que não se poderia duvidar da própria possibilidade de se colocar as coisas em dúvida (MATTHEWS, 2010).

O corpo é coadjuvante na dicotomia cartesiana, pois também se encontra como objeto da inquirição, pertencendo à mesma esfera de todas as materialidades. Já o pensamento é fruto de uma consciência pensante, pertencendo à esfera do espírito, sua ação penetrante na matéria se dá por seu poder dedutivo. O olhar desse sujeito pensante não ocupa lugar no mundo, está além dele, não se relacionando com ele em nenhum momento, exceto no próprio ato racional de tomá-lo como evidência de algo (ANTISERI; REALI, 2006; MATTHEWS, 2010). A observação pura dessa consciência não possui laços volitivos em relação ao tocado, os objetos do mundo somente possuem finalidade a partir do julgo de sua praticidade e nada ultrapassa essa relação racional. Não existe conectividade entre o ser e seus processos dedutivos, o conhecer é “desenraizado do ser” (ESPÓSITO, 1997, p. 128).

Esse conhecimento racional é alcançado na filosofia cartesiana a partir de uma dúvida de todo o real que alcança somente na razão um ponto de partida, contudo, o alicerce compreendido por Descarte para essa consciência constituinte do real seria a graça da divindade. O dualismo presente entre o espírito e a matéria tornava a base para o conhecimento duvidosa, portanto, muitos pensadores não se satisfizeram com as conclusões desse intelectualismo.

Embora a solução para o conhecimento oferecida por Descartes não bastasse aos empiristas, o problema levantado por ele em sua filosofia continuava em vigor: Como conhecemos? O movimento empirista não aceita as implicações do dualismo ao pensamento e, portanto, decide por resolver o problema ao destituir a subjetividade dos conhecimentos possíveis do mundo, com isso os saberes obtidos a partir desse caminho seriam verdadeiramente objetivos (MARSHALL, 2008). O real é tomado somente a partir de sua materialidade, não sendo aceitas considerações particulares de relação com os objetos, esses são coisas que se influenciam mutuamente (MATTHEWS, 2010). Dentre essas coisas, na ordem do biológico, existe o ser

humano, cuja possibilidade de estabelecer associações entre as sensações do mundo o conduz a representar as coisas em seu entorno para o seu pensamento.

O corpo para o empirista é entendido e fechado em sua matriz biológica, uma série de tecidos enredados rumo a uma organização que energiza um de seus órgãos de informações suficientes para representar o exterior. O contato com o mundo realizado por essa estrutura corpórea que media o contato do pensamento é passivo, pois esse este corpo encontra-se sempre sob uma condição de causalidade com o exterior (ESPÓSITO, 1997). Apesar dessa passividade do corpo diante do entorno, os empiristas interessavam-se na condição passiva de percepção (entendida como representação associativa que resulta dos muitos aspectos dos objetos) que descarta qualquer influência subjetiva do sujeito sobre aquilo que ele percebe e por isso encontrava-se mais uma vez um solo objetivo e seguro para se empreender conhecimentos acerca do mundo (MATTHEWS, 2010). É por meio da experimentação realizada pelo corpo-instrumento que se conhece no mundo, os saberes são obtidos por indução. As possibilidades de conhecer originárias do corpo são preteridas frente às qualidades empíricas presentes nos objetos, ou seja, são seus caracteres métricos e úteis que interessam ao empirista (MARSHALL, 2008).

No entanto, a resposta dos empiristas ao afastar a evidência fundante do conhecimento do dualismo cartesiano acaba por encontrar embaraços igualmente problemáticos. A saber, das sensações do mundo representadas pelo cérebro, suas informações englobam o mundo de modo passivo, ou seja, o todo é assumido em diferentes impressões, cada aspecto até onde os sentidos corpóreos possuem alcance são obtidos de modo igual e constante. Todos os sons, objetos no campo de visão, odores, gostos e pressões táteis por toda a extensão do corpo são computados ao mesmo tempo e sem prevalência de um sentido em relação ao outro, não existem destaques possíveis uma vez que isso implicaria em deslocar a percepção de um polo a outro, o que revela certa atitude positiva no ato de perceber (MATTHEWS, 2010; MERLEAU-PONTY, 2006a).

A subjetividade dessas ações ainda poderia ser aceita pelo empirista, como nos explica Matthews (2010), enquanto consequência de processos cerebrais que associam a materialidade objetiva aos objetos subjetivos. Essa subjetividade é aceita a partir da noção de que não necessite de um sujeito do conhecimento para além de sua estrutura biológica. Contudo os saberes de mundo e mesmo a ação de se perceber encontram-se influenciados pelo que se constitui em coparticipação com o

culturalmente constituído; não se trata apenas de certos termos ou objetos de mundo apresentados no ambiente a alguém, pois os objetos demandam um contexto mais profundo que a simples presença ou explicitação racional e coerente de como se aplicam certos conceitos. Se fosse o caso de serem dispensáveis as prévias constituições vividas pelos sujeitos no mundo, não haveria de existir fracassos de aprendizagem fruto de meios que não possuem forte vínculo com o repertório cultural da escola. Todas as dificuldades nessa compreensão encontram-se centradas na herança biológica, o que esconde tanto as adversidades vividas por populações inteiras, como trajetórias de esforço e encanto de pessoas que superam obstáculos para alcançar um repertório escolar rebuscado.

As posturas assumidas pelos idealistas e pelos empiristas derrocam em enganos, cuja consequência afeta o como se compreende o que são as pessoas e também seu modo de relacionar no mundo. Nesse objetivismo conhecer é um processo racional e estéril, os objetos de mundo não possuem nenhuma relação com quem os conhece, trata-se do armazenamento de informações em um órgão lógico para serem recuperadas em função das necessidades vividas (MATTHEWS, 2010).

Essa mesma consideração é problemática ao se considerar que essas necessidades somente surgem diante de um contexto e as relações perceptivas existentes para se retomar determinadas ações demandam menos da reflexão que da espontaneidade. A utilização de um termo por uma criança-puer95 não se dá pela

simples fixação de um signo a um objeto que representa, pois é a vivência com o mesmo que a exige sua evocação. Há um contato anterior a reflexão para se vivenciar a experiência com um objeto. Essa nunca é estéril, mas rica em contexto, toda a exploração dos objetos a partir desse viver espontâneo é conjugação de ter o objeto como extensão, personagem, elemento que enriquece as relações com o mundo. As palavras que imantam o objeto são menos cognitivas do que indicações afetivas, elas evocam a presença do objeto no tempo, ainda que por abstração, elas são a ligação com o seu sentido e expressam sua significação. Conhecer algo é possuir uma

95 O termo criança-puer aqui apresentado refere-se a nomenclatura apresentada por Josgrilberg (2015)

utilizada pelos antigos para se referir as idades da vida. Em que pese as relações sobre a criança, a primeira fase chamada de infans inicia-se na gestação de corpo no ventre materno e segue ao longo de sua vida não falante. A segunda fase trata-se do puer, principia-se na vivência falante e segue até o período da adolescência, nomeada de fase adulecens, momento de reconhecimento de si e de vivência de muitos papéis possíveis.

significação a implicação de um sentido de mundo e este saber torna insuficiente às posições anteriores em relação ao corpo e ao conhecimento.

Compreender as insuficiências das posições antecessoras não significa entender que elas devam ser abandonadas por completo, uma vez que tem certo poder de alcance para se tratar do conhecer em alguns dos seus aspectos. Cabe entender seus limites para que se evite cair nas mesmas contradições (MERLEAU- PONTY, 2006a). Ambas as posições encontram a mesma problemática de tirar do mundo o sujeito pensante, para o intelectualista a intuição do mundo é ação de um pensar-constituinte que deduz aquilo existente na matéria96. Esse pensar encontra-se

além do mundo que significa e só tem sentido por sua ação. Já ao empirista, as sensações compõem um todo associado do objeto, também organizado em uma subjetividade que só existe mediante às contingências de seu sistema, seu conhecer é, contudo, igualmente distante do real, uma vez que não é nada além de uma representação. Seu pensar se dá na indução da utilidade e não se vincula ao ser do sujeito que pensa. Em si, esse problema se encontra presente nas duas posições, o ser encontra-se desconectado da realidade que conhece e isso atende mais às necessidades dos cientistas em seu modo de perceber o mundo que ao modo próprio de como o mundo é sentido.

Tanto o idealismo como o empirismo seguem “impondo” (p. 49) as significações sobre o mundo (MATTHEWS, 2010). Alcança-se como que um decreto uma visão objetiva e que atende adequadamente os interesses da ciência. Não existem dificuldades a essas visões de se conhecer, uma vez que as perspectivas pessoais não tocam a percepção do cientista. Contudo, esse conhecer isento de lugar não se alinhava com o modo como se percebe o mundo. Só é possível entender essa visão objetiva na existência de um contexto anterior onde se ancora esse entendimento (IBIDEM). Só é possível pensar em um não lugar a partir de um lugar, ou melhor, de uma situação que é perspectiva tempo-espacial. A palavra que é apreendida em situação pela criança-puer se realiza da mesma forma que o cientista

96 CF: Nicola Abbagnano. O termo matéria, ou hyle, possui uma extensa significação no campo da

filosofia. Fundamentalmente hyle é “um dos princípios naturais constituem a realidade natural” (p.646) e se dá como elemento tangível de todas as formas. No curso da história da filosofia ela foi tomada como substancia das coisas para Aristóteles, uma participação estrutural no ser de todas as coisas, ou como extensão (Descartes), ou a matéria é assumida como energia, “uma força motriz, particular” (KANT apud ABBAGNANO, p.648). Na ciência contemporânea a noção de matéria é por vezes posta em cheque em função da noção de densidade de campo, após a identificação da equivalência entre massa e energia.

assume a atitude de estar além do mundo a fim de encontrar o saber objetivo. Nos dois casos não bastaria a informação intelectual do conceito, mas a assunção desse na organização de mundo vivida.

A criança e o cientista vivem no mundo, mas o vivenciam e percebem de maneira distinta. É necessário que tenham um mundo próprio para que percebam as sutis distinções que demandam suas atitudes (LE BRETON, 2016). A modalidade de ser pensante é atitude segunda que somente se sustenta na fundação antepredicativa do ser no mundo (MERLEAU-PONTY, 2006a). A relação primeira da pessoa com o mundo é espontânea, não demanda nenhum aprofundamento intelectivo, mas da sua presença no mundo, pois apenas por meio da experiência é que os objetos têm um sentido para alguém. Isso implica uma condição complexa que considere que a pessoa está no mundo, vivendo toda a pluralidade das experiências possíveis encontradas no cotidiano. Trata-se de um corpo objetivo formado por uma estrutura orgânica sensível, capaz de mover-se em direção à manutenção de sua existência. O envolvimento com os elementos de mundo existentes revela a subjetividade na corporeidade imanente desse corpo, esse ordena os objetos de mundo conforme convive com eles, os experimenta como possibilidade e guarda os sentidos vividos com tais objetos no curso de seu existir (MATTHEWS, 2010).

Compreender o corpo em sua ambígua condição objetivo-subjetiva, natureza- cultura, conduz o pensamento de Merleau-Ponty a direção de analisar a existência do corpo vivo, ou seja, suas análises visam tocar a corporeidade tal como a vivemos (CARMO, 2000). As considerações sobre essa experiência de corpo são empreendidas em Merleau-Ponty a partir da denominação de corpo próprio. As reflexões merleau-pontyanas se prestam a estar além das fragmentações científicas das posições anteriores “por partir da experiência do mundo vivido e da corporeidade” (NÓBREGA, 2010, p. 51).

Ao se pensar a experiência do mundo vivido retorna-se à noção de vivência (Erlebnis) ou experiência de vida. Esse conceito husserliano, para Cohen e Moran, trata da “experiência pessoal de se ter passado por algo, algo que se viveu. Husserl fala da evidência como a experiência de ser como se é, da experiência perceptiva e da ‘experiência de mundo’”97 (p. 115). A análise existência deve, dessa maneira,

privilegiar as experiências vividas, as vivências, como fonte de saberes a respeito do

97 “the personally undergone experience, something lived through. Husserl speaks of evidence as an

ser (NOBREGA, 2010). Assim a vivência do corpo próprio parte precisamente das vivências espontâneas, da vida irrefletida, mas não se restringindo a ela. O corpo próprio é a maneira como habitamos o mundo antes das considerações da ciência, é por ele que identificamos os demais entes do mundo; é com ele que “engajo-me (...) entre as coisas, elas coexistem comigo enquanto sujeito encarnado” (MERLEAU- PONTY, 2006a, p. 252).

O entendimento do corpo próprio demanda percebê-lo em relação ao mundo, pois se o corpo próprio se estende e se identifica com todo o corpo do mundo (MERLEAU-PONTY, 2006a).

O corpo próprio demanda um mundo, toda e qualquer vivência só é possível dada a existência dessa fértil estrutura do entorno. Husserl chama de mundo da vida98

(Lebenswelt) a vivência fenomenológica de mundo, no qual surgem todos os fenômenos (ZILLES, 2008). O mundo da vida possui aspectos objetivos e subjetivos, uma vez que é o solo para todo desenvolvimento do espírito humano (COHEN; MORAN, 2012). O modo humano de habitar o mundo é encravando-se a ele, seu caminhar só é possível ao pisoteá-lo e tê-lo como amparo de seu equilíbrio (IBIDEM). Os movimentos no mundo sempre buscam seus elementos, o corpo próprio é para o mundo como o “coração no organismo” (MERLEAU-PONTY, 2006a, p. 273), seu pulsar é percebido por todas as extremidades, o ser demanda do ar e dos demais frutos do mundo, contudo sua existência também o transforma (LANDES, 2013; MERLEAU-PONTY, 2006a). Para Merleau-Ponty o corpo tem um mundo, esse “ter” um mundo implica em apropriar-se dele e dos objetos presentes no entorno como sentido vivido, não apenas como relações físicas de referência (MATTHEWS, 2010). Esse movimento quebra a lógica causal dos fenômenos ao se compreender que esses estão enraizados tanto na fisiologia como na psicologia do corpo (NÓBREGA, 2010). Como nos explica Matthews (2010) a respeito da compreensão de corpo em Merleau-Ponty, a objetividade da estrutura biológica não fere o pensamento do autor e na maior parte dos pontos o filósofo estaria de acordo com eles. É exatamente por

98 CF: Cohen e Moran (2012, pp. 189-93) O termo ‘mundo da vida’ (Lebenswelt) não é um termo

originalmente husserliano, mas emprestado das obras de do poeta Hugo von Hoffmannsthai e de filósofos como Georg Simmel e Rudolf Eucken. Os autores explicam que o termo também era empregado na obra de biólogos paleontologistas para implicar “a esfera do vivo” (IBIDEM, p. 189) [“the

sphere of living beings”]. Contudo, Husserl indicara que a maior influência para o desenvolvimento

desse conceito em sua fenomenologia foram R. Avenarios e E. Mach em suas indicações à necessidade de se voltar ao mundo “pré-científico e a experiência imediata” (IBIDEM, IBIDEM) [“prescientific world of immediate experience.”]

sermos possuidores de uma estrutura biológica sensível com um cérebro complexo que podemos nos situar no mundo do modo como fazemos, contudo, a compreensão da matriz genética não é o único modo de conhecer o humano e nem mesmo a mais fundamental (IBIDEM; NÓBREGA, 2010). A herança genética sustenta, mas não é o suficiente para apreender o simbolismo que propicia, sua base sensível possibilita as instâncias subjetivas de sua natureza a simbolizar aquilo apreendido na materialidade dos sentidos corpóreos e fixá-la como sentido na sua organização mundo. (MATTHEWS, 2010; MERLEAU-PONTY, 2006a; NÓBREGA, 2010).

Merleau-Ponty nos entrega um novo significado para a palavra sentido, entendido o como o “nó entre a essência e a existência” (2006a, p.204). Essa potência significativa da percepção e do movimento humano está além do que se entende por meio do corpo objetivo, mas não o prescinde. Essa verdade se encontra em sua trama subjetiva, remontada pelo todo de sua história, seu modo de sociabilidade, relações afetivas, considerações sobre a vida etc. (NÓBREGA, 2010).

A imanência do mundo, ou seja, sua materialidade, é tocada pelos sentidos corpóreos; esses são nosso modo de sentir os contornos do mundo e também o caminho para se tocar os sentidos do mundo de uma forma mais ampla. O sentido do corpo enlaça tanto por meio de suas dimensões (tato, olfato, paladar, audição e visão), quanto por nossa possibilidade recursiva de sentir-se por esses sentidos e experimentar nossas emoções e sentimentos que brotam dessas vivências. O sentido vivido da experiência se enlaça com essa experiência fenomenológica do objeto e assim pode-se dizer que esse elemento de mundo passa a existir no corpo próprio enquanto uma possibilidade na existência. É dessa maneira que se compreende esse

nó entre a existência e a essência, o sentido é o encontro ou a busca de uma

essencialidade que existe no mundo vivido.

O corpo fenomenal é o corpo que vivemos, que sentimos e que movemos, somos esse corpo (MERLEAU-PONTY, 2006a). É a partir de nossa condição subjetiva que experimentamos, assim “a visão subjetiva do corpo deve ser primordial” (MATTHEWS, p.71). O saborear o mundo a partir do contato dos sentidos corpóreos é a fonte para todas as constituições possíveis de mundo, assim como todo o saber sobre si (LE BRETON, 2016).

A consciência perceptiva não tem o corpo como certo instrumento tal como presumia o intelectualismo, assim como as estruturas biológicas não formam passivamente representações a um centro organizador, o corpo tem sua potência

simbólica encarnada em cada milímetro de seu ser e assim como essa se estende por todo o percebido (NÓBREGA, 2010). Essa consciência se encontra encarnada no corpo próprio, essa se encontra em toda a sua extensão, assim como em suas percepções. O corpo é um sistema aberto de significações presentes que reverberam seu modo de sentir o mundo por todas àquelas já percebidas ou conjecturadas linguisticamente (MERLEAU-PONTY, 2006a). Sua relação com o mundo se dá por sua condição motrícia, um acesso direto às verdades vividas (acessadas por meio da linguagem) que não demandam uma relação diretamente intelectiva, mas afetiva (MERLEAU-PONTY, 2006a).

Todos os gestos (incluindo os da fala) dependem dessa consonância entre os processos orgânicos que tornam a vivência humana possível e da externalidade presente rumo aos interesses eleitos (subjetivamente) pelo sujeito (MATTHEWS, 2010). Só é possível o desejo de se tomar uma xícara de café porque se vive esse sentido de mundo. “Café” se destaca, enquanto sentido próprio, como figura em meio a um fundo conhecido e todo o engajamento corpóreo leva, então, ao ato de se tomar café. Bebê-lo é uma ação que envolve toda a corporeidade. Demanda que essa bebida esteja incluída no mundo próprio.

Tal ação requer a presença do sujeito no mundo, uma vez que esse ato não se dá como oferta de energia suficiente a um corpo, tal como é a gasolina ao automóvel. Degustar o café demanda vivê-lo com os sentidos corpóreos disponíveis, em primeiro lugar destaca-se na organização a presença da xícara de café,

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