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A fenomenologia do corpo e o sentido da linguagem

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Nos últimos anos de sua vida, Husserl percebia que o movimento fenomenológico vivia um grande risco, pois ele próprio se encontrava rodeado por dissidentes de sua filosofia entre os seus seguidores. Cada um à sua maneira levou Husserl a proclamar-se um “líder sem seguidores” (MORAN, p. 89).

A obra husserliana deixava um impressionante número de variações de sua empreitada. Cada uma dessas fundamentou seu filosofar no método fenomenológico84. Moran nos conta que:

para o bem ou para o mal, a fenomenologia na Alemanha nos anos de 1930 e 1940 veio a ser associada ao nome de Martin Heidegger, e depois da guerra, na França, com a fenomenologia existencial de Sartre e Merleau-Ponty85 (p. 90).

Embora não tenha sido um discípulo direto de Husserl, o filósofo francês Maurice Merleau-Ponty é reconhecido como um dos pós-husserlianos que se manteve mais fiel aos encaminhamentos da fenomenologia de Husserl (MORAN, 2002; ZAHAVI, 2002).

Em seu artigo ‘Merleau-Ponty on Husserl: a reappraisal’, Zahavi dedica seus esforços na direção de ponderar a posição de alguns merleau-ponyanos (como G. Marshall) que tentaram diminuir a importância da obra husserliana no desenvolvimento da filosofia de Merleau-Ponty e apresenta, por meio do pareamento entre os inéditos de Husserl e a obra de Merleau-Ponty, aproximações que mais indicam uma boa compreensão de Husserl por Merleau-Ponty, do que uma nova fenomenologia.

83“Husserl’s researches on the life-world interested many sociologists and anthropologists, indeed all

those interested in relating human culture to the natural world.”

84 Sobre essa questão podemos observar como as filosofias existencialistas e humanistas absorveram

o método à sua própria revelia para encontrar sustentação as suas edificações filosóficas.

85“For better or worse, phenomenology in Germany in the 1930s and 1940s came to be associated with

the name of Martin Heidegger, and after the war, in France, with the existential phenomenology of Sartre and Merleau-Ponty”.

Conforme Zahavi (2002), isso não significa que Merleau-Ponty resignou-se a repetir o fenomenólogo, inclusive porque o francês discorda em alguns pontos com Husserl e em algumas de suas obras até mesmo o ultrapasse86. Nessas análises de

Zahavi (2002), o autor constata que Merleau-Ponty fez uma leitura de Husserl incomum à sua época, não compreendendo o fenomenólogo como um “solipsista. Idealista subjetivista e essencialista”87 (p. 29).

A fenomenologia em Merleau-Ponty encontra-se voltada ao contato da corporeidade com o mundo pré-reflexivo, anterior às constituições do senso comum e da ciência a respeito do mundo e da vida – por isso a chamamos aqui de fenomenologia do corpo. Trata-se de uma fenomenologia fundada, principalmente, a partir da última fase de Husserl em que seus interesses se direcionam ao mundo da vida e aos estudos genéticos e generativos.

Merleau-Ponty oferece uma descrição sobre o que é fenomenologia logo no início de seu texto ‘Fenomenologia da Percepção’:

A fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela, resumem-se em definir essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo. Mas a fenomenologia é também uma filosofia que repõe as essências na existência, e não pensa que se possa compreender o homem e o mundo de outra maneira senão a partir de sua "facticidade". É uma filosofia transcendental que coloca em suspenso, para compreendê-las, as afirmações da atitude natural, mas é também uma filosofia para a qual o mundo já está sempre "ali", antes da reflexão, como uma presença inalienável, e cujo esforço todo consiste em reencontrar este contato ingênuo como mundo, para dar-lhe enfim um estatuto filosófico. (MERLEAU-PONTY, 2006a, p. 01).

Assim, essa fenomenologia retoma o caminho das origens e do próprio modo de se compreender o mundo a partir de nossa presença e engajamento no mundo. Moran (2002) nos diz que para o Merleau-Ponty, o si próprio e o mundo são

86 A obra destacada por Zahavi (2002, p. 29) é ‘O visível e o invisível’, na qual o autor diz que “Merleau-

Ponty provavelmente avançou mais do que Husserl jamais o fez (e alguns diriam que em exagero) nas suas tentativas de superar o dualismo entre o sujeito e o mundo – de modo geral, em ambos, Husserl e Merleau-Ponty, tiveram insights que não se encontram na obra do outro”. [“Merleau-Ponty probably went further than Husserl ever did (some would say too far) in his attempt to surpass the dualism between subject and world-and more generally, both Husserl and Merleau-Ponty had insights that cannot be found in the other.”]

indissociáveis. Isso porque a vida humana se trata de um profundo entrelaçamento da pessoa com o mundo.

Esse entrelaçamento se dá em todas as percepções corpóreas do sujeito no mundo; cada uma delas revela saberes em o ser que partem de uma intelecção imanente no mundo. A percepção humana é a própria maneira de situar-se no mundo, de perceber o exterior e também perceber-se, de dar significados por meio de suas dimensões sensíveis conforme vive com os objetos no mundo.

Perceber no sentido pleno da palavra (...) não é julgar, é apreender um sentido imanente ao sensível antes de qualquer juízo. O fenômeno da percepção verdadeira oferece por tanto uma significação inerente aos signos, e do qual o juízo é apenas a expressão facultativa (MERLEAU- PONTY, 2006, p. 63).

O ato de perceber é enriquecido pelas reflexões merleau-pontyanas a respeito da psicologia da Gestalt88. Merleau-Ponty foi particularmente interessado pelos

estudos da psicologia da Gestalt que abriam espaço a composição e compreensão de que a figura e o fundo sempre participavam mutuamente para a composição da percepção. Esse acordo com a teoria da Gestalt não surgiu sem críticas aos seus desenvolvimentos, no livro ‘Estrutura do comportamento’ Merleau-Ponty critica alguns gestaltistas por traírem a noção de forma por buscar encontrar “formas reais” (LANDES, p. 88).

A percepção sempre antevê quaisquer pensamentos a respeito do percebido, assim as construções da ciência acabam por ser hipócritas quando são expostas enquanto causas do real. Não é a ciência que sustenta a realidade, mas sim a existência. A ciência, para Merleau-Ponty, é uma reflexão secundária e que demanda de se enraizar no mundo da vida, na vida humana, para poder existir de qualquer forma, pois ela mesma é o subproduto da nossa vida no mundo.

88 A Psicologia da Gestalt é fundada a partir da teoria da Gestalt, a qual Merleau-Ponty também nutriu

um especial interesse. Landes (p. 87) apresenta-a como “uma abordagem de psicologia que explora a estrutura da percepção de acordo com o entendimento de “Gestalt” que significa “forma” ou “figura”; Desenvolvida no final do século dezenove e no início do século vinte por Wertheimer e Kofka (entre outros), A psicologia da Gestalt ofereceu respostas as tentativas de reconstruir a experiência perceptiva e mental por construída por mecanismos ou blocos de construção atomísticos”. [“An approach to psychology that explores the structure of perception according to the notion of “Gestalt,” which means “form” or “figure.” Developed in Germany in the late nineteenth and early twentieth centuries by Wertheimer,Köhler, and Koffka (among others), Gestalt psychology offered a response to theories that attempted to reconstruct perceptual or mental experience by building it up through mechanistic or atomistic building blocks.”]

Em sua fenomenologia, Merleau-Ponty manteve um profundo diálogo com as ciências de seu tempo, em especial a psicologia, a psicopatologia e a linguística, para o desenvolvimento de seu pensar. O filósofo retoma em seus cursos sobre as

‘Ciências humanas e a fenomenologia’89 a questão de que frequentemente as ciências produzem cientificismos que colocam essas disciplinas como fundantes do próprio sujeito e do mundo – assim se vê a psicologia produzindo psicologismos, a sociologia produzindo sociologismos e assim por diante - uma consequência dos modos que as ciências exatas e naturais também se produzem e cujas críticas já se encontravam em Husserl90.

A respeito de Husserl, Merleau-Ponty nos diz que:

Husserl luta por uma ciência integral sem sacrifícios da ciência nem da psicologia em particular; busca sobretudo a libertação da psicologia presa a dificuldades metodológicas. Há conflito entre as exigências de uma filosofia, ciência do exterior. O problema, portanto, é o seguinte: como descobrir um modo de conhecimento que, mesmo não se desvinculando da experiência, permaneça filosófico? A solução do problema é buscada na intuição das essências, modo de conhecimento que tem o caráter concreto do conhecimento psicológico e a dignidade do conhecimento filosófico. (2006b, p. 401).

Antes de realizar a ciência, o cientista sustenta sua própria vida no mundo que habita, com as pessoas com quem convive. O pensamento que edifica e produz é consequente a seu mundo vivido, pois “o mundo é inseparável do sujeito, mas de um sujeito que não é senão projeto do mundo, e o sujeito é inseparável do mundo, mas de um mundo que ele próprio projeta” (FILHO, p.39).

A produção científica é uma consequência tardia dos saberes existentes no mundo. Sua produção depende do movimento genético para que essas não percam o objeto estudado e se constituam alheias ao que é o ser do objeto refletido. É necessário tocar a essência do objeto para que as ciências possam encontrar sustentação transcendental às suas produções.

Para Merleau-Ponty, o encontro das essências “só é acessível a um método fenomenológico” (2006a, p. 02). Essas essências são provindas das descrições das

89 Essa discussão se encontra nos cursos ministrados na Sorbonne (1949 – 1952) a respeito da

‘Psicologia e Pedagogia da criança. Essa obra está identificada nas referências bibliográficas.

90 Essa crítica de Husserl nos é lembrada por C. Capalbo (2002, p. 14) consta no texto husserliano

‘Crise da humanidade europeia e da filosofia’ (2008, pp 60-2). Ambas as obras se encontram nas

vivências. Descrever implica em abstrair-se da razão causal ou explicativa das ciências para se reconstituir o modo como o vivido é descrito, tratando-se dessa maneira de um ato que visa compreender os elementos do vivido (LANDES, 2013).

As essências são aquilo que sustentam os elementos do vivido e seu encontro demanda os passos metódicos para se revelar o modo de ser das coisas. Depraz nos diz que essa ciência de Merleau-Ponty se encontra desde sua primeira obra ‘A

estrutura do comportamento’ em que “ele já dava a precisa definição da epoché como

uma necessária inversão da atitude natural”91 (p. 116).

A redução é lembrada por Merleau-Ponty como um dos pontos mais importantes na fenomenologia de Husserl e que isso se mostra por ela ocupar “nos inéditos um lugar importante” (MERLEAU-PONTY, 2006a, p. 06). E que “o maior ensinamento da redução é a impossibilidade de uma redução completa” (IBIDEM, p. 10). Isso se dá, conforme nos aponta Depraz (2002), pelo entendimento de Merleau- Ponty de que somos seres cujas reflexões se encontram dentro de um fluxo temporal, não havendo um “pensamento que abarque todo o nosso pensamento” (MERLEAU- PONTY, 2006a, p. 11). Somos seres temporais e de verdades temporais.

A redução eidética é explicitada por Merleau-Ponty como “a resolução de fazer o mundo aparecer tal como ele é antes de qualquer retorno sobre nós mesmos, é a ambição de igualar a reflexão à vida irrefletida” (IBIDEM, p. 13). Isso implica em atos de afrouxamento do nosso enlace com o mundo em vistas de se “explicitar nosso saber primordial do “real”, o de descrever a percepção do mundo como aquilo que funda para sempre a nossa ideia da “verdade”” (IBIDEM; p. 13). A redução é assim um ato de admiração diante do mundo (FINK apud MERLEAU-PONTY, 2006a).

No movimento da redução em Merleau-Ponty, o autor frequentemente retorna suas investigações às descrições presentes nas crenças empiristas-positivistas e nas idealistas-racionalistas. Esse afastamento é de primeira importância para se assegurar o devido afastamento do raciocínio causal-explicativo, visando a aproximação compreensiva do fenômeno (MACHADO; MARTINS, 1997).

Machado e Martins apresentam a compreensão de que em um segundo nível de redução, em Merleau-Ponty, se deve assumir uma “perspectiva gestáltica radical” (p. 27) a fim de se tematizar os elementos do vivido presentes nas descrições. Conforme os autores, em um terceiro momento as “as fontes pré-reflexivas do tema”

(IBIDEM, IBIDEM) se revelam, ou seja, aqui são revelados os modos de intencionar o objeto.

A intencionalidade92 presente entre os atos da consciência (noese) e do

elemento de mundo alçado por ela (noema) desvela o sentido do objeto em questão – tal como proposto em Husserl. Merleau-Ponty nos diz que as “essências de Husserl

devem trazer consigo todas as relações vivas da experiência, assim como a rede traz do fundo do mar os peixes e as algas palpitantes.” (2006a, p. 12).

As descrições de mundo efetuam-se por meio da língua falada, ou seja, o sentido é revelado dentro de uma perspectiva da linguagem. Matthews (2006) nos relembra que a linguagem na fenomenologia não pode ser entendida do mesmo modo que os positivistas lógicos, ou seja, uma seriação de termos em paralelo às representações de mundo. Para o autor:

A língua tira seu significado da nossa experiência de mundo, de nosso envolvimento no nosso mundo: precisamos ter contato com o mundo de uma maneira pré-reflexiva ou inconsciente antes de podermos começar a falar sobre ele explicitamente em linguagem (MATTHEWS, p. 30).

A linguagem é para a fenomenologia não apenas uma maneira de representação da consciência ou um paralelismo das coisas no mundo, mas uma maneira viva de se referenciar tanto os objetos, como a maneira própria de um povo de viver no mundo (MERLEAU-PONTY, 2006b).

Merleau-Ponty compreende que “É função da linguagem fazer as essências existirem em uma separação que, na verdade, é apenas aparente, já que através da linguagem as essências ainda repousam na vida antepredicativa93 da consciência.”

(2006a, p. 12). A língua falada por uma pessoa, aquela com a qual ela se comunica com os outros e que também reflete a respeito de seu mundo, é herdada das constituições linguísticas que edificaram essa comunidade linguística (MERLEAU- PONTY, 1984).

O empreendimento fenomenológico a partir de uma língua sempre é um recorte do sentido a partir dessa constituição linguístico-cultural, cujas relações com as demais línguas demandam exercícios de tradução que nem sempre tocam precisamente o sentido da mesma maneira que se realizou em outro idioma.

92 A compreensão de intencionalidade, corpo próprio e mundo serão ampliadas no capítulo a seguir. O

interesse nesse capítulo é a proposição da fenomenologia como método descritivo para se pesquisar em educação.

Assim, as analíticas existenciais que tocam a língua materna e a língua estrangeira partem de um horizonte linguístico específico e que recorta as experiências de sentido de uma maneira diferente do que se poderia realizar a partir do pensamento fundado em outras línguas. Isso não pode ser entendido como um ponto fraco à pesquisa, mas um de seus pontos de posicionamento e enriquecimento cultural.

Conforme nos aponta Josgrilberg (2002), o uso das analíticas fenomenológicas fora do contexto filosófico pode ser questionada, pois, essas analíticas carregam a dependência da experiência originária que as fundamenta. Contudo, “as analíticas, parecem possuir apenas uma dependência parcial, enquanto quadro teorético, da motivação originária, e uma relativa autonomia para descolamentos hermenêuticos em novos contextos” (JOSGRILBERG, 2002, p. 38 – 9). Assim, essas analíticas oferecem modos de se elucidar o objeto para à sua devida interpretação hermenêutica.

Para o fim de se trabalhar com as analíticas, Josgrilberg (2002) ressalva a necessidade de que essas devem ser pertinentes à pesquisa científica, pois a ideia mesma do pensamento fenomenológico sobrepor o científico trairia a empreitada fenomenológica do conhecimento.

O exercício hermenêutico se trata do diálogo com as outras aberturas do pensamento à reflexão a respeito do sentido do vivido (JOSGRILBERG, 2015). É poder analisar a sua estrutura do sentido a partir de diferentes bases descritivas (IBID, 2002). Não se trata de opor ou hierarquizar os diferentes horizontes que abarcam o sentido da existência, mas de buscar compreendê-lo em uma perspectiva fenomenológica.

Assim, o aprofundamento em autores de diferentes áreas (tais como Crystal ou Le Breton) visa ampliar a discussão a respeito do sentido de se falar uma língua estrangeira.

O entendimento da língua é o elemento mais importante para esse estudo. O idioma é a forma de apropriação da linguagem constituída na história vivida de um povo. Essa língua é uma maneira de relacionar-se com o mundo a partir dos sentidos percebidos no mesmo; os modos de estruturação das gramáticas são modalidades de expressão, modos de se direcionar aos outros no mundo, assim como os termos são recortes no sentido que implicam em significações linguísticas.

Compreende-se que a língua materna é a primeira língua aprendida desde o nascimento e que a inclusão e participação na comunidade linguística conduz a pessoa a absorver sua língua e cultura. A pessoa forma-se a partir dessa língua e cultura.

Por nosso interesse em compreender o processo de aquisição da língua estrangeira a partir dessa fenomenologia apresentada, faz-se necessário retornar as compreensões da natureza da fala da língua materna para se empreender o sentido da aquisição das demais línguas.

A razão de se pensar fenomenologicamente a aquisição da língua estrangeira é refletir a partir do mundo da vida sua apropriação, não como simples aquisição de significações linguísticas ou somente como funções expressivas. A compreensão dessa apropriação reconstitui, no mundo da vida, o sentido do que é perceber o mundo a partir da visão do outro, ampliando assim o sentido do mundo próprio a partir do mundo fenomenológico.

O mundo fenomenológico não é a explicitação de um ser prévio, mas a fundação do ser; a filosofia não é o reflexo de uma verdade prévia mas, assim como a arte, é a realização de uma verdade. Perguntar-se-á como essa realização é possível e se ela não reencontra nas coisas uma Razão preexistente. Mas o único Logos que preexiste é o próprio mundo, e a filosofia que o faz passar à existência manifesta não começa por ser possível: ela é atual ou real assim como o mundo, do qual ela faz parte, e nenhuma hipótese explicativa é mais clara do que o próprio ato pelo qual nós retomamos este mundo inacabado para tentar totalizá-lo e pensá-lo (MERLEAU-PONTY, 2006a, p. 19).

A compreensão da linguagem na corporeidade, da língua materna em seu papel constitutivo do si próprio e da compreensão do mundo vivido são o foco do próximo capítulo. O método fenomenológico fundado por Husserl e enriquecido pelas considerações merleau-pontyanas a respeito da corporeidade oferecem a seguridade para as nossas preocupações em se aprofundar nesse caminho e compreender o papel dessas em nossa existência. E também é a trilha a compreensão do mundo da língua estrangeira e de sua aprendizagem no último capítulo dessa dissertação.

CAPÍTULO 3

A LÍNGUA MATERNA E A CONSTITUIÇÃO DE SÍ PRÓPRIO

A língua materna marca a relação vivida entre o sujeito e o mundo. Ela é aprendida desde os primeiros anos da existência junto às pessoas que participam de sua inclusão nas formas de sociabilidade vividas e sua ampliação no curso da vida sempre revelam conhecimentos adquiridos. Seu entendimento requer mais que concebê-la apenas como um idioma possível, cuja aquisição seria a assunção de uma conjuntura de signos e a maneira de como usá-lo, do que a posse de certo estilo de ser. Caso fosse essa a situação, não se perceberia tantas diferenças nos modos de pensar o humano e as diferentes formas de sociabilidades. Essas diferenças, entretanto, são percebidas mesmo nos falantes de um mesmo idioma e propiciam equívocos de sentidos que turvam os olhares que pretendem defini-la.

Nascer em meio aos falantes de um idioma implica em assumir como sentido próprio as significações de mundo ali presentes. Ser incluído nessa forma de linguagem é pertencer à forma de pensamento nela presente, seus modos de relacionamentos, suas considerações sociais para com os outros etc. Ao mesmo tempo, possuir esse forro linguístico significa a possibilidade de expressar-se aos demais falantes e poder comunicar suas percepções acerca do mundo, uma vez que todos os envolvidos comungam o mesmo idioma. Com a língua é possível deslizar entre os sentidos presentes, destronando as palavras de seu sentido conhecido e deslocando em certa figuração94, pode-se tratar de acontecimentos ocorridos em

outros tempos, pode-se tratar de uma aula de História sobre a proclamação da República ou mesmo falar de eventos já vividos (ainda que por outrem). É possível retomar histórias pertencentes à cultura e recriar sobre elas ao tê-las como metáforas à sociabilidade vivida.

94 Pode-se demonstrar isso no exemplo prático do uso da palavra “casa”. Ela pode ser apresentada em

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