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2.2 Agroecologia: contraponto e alternativa

2.2.1 A crítica ao produtivismo

Segundo Ploeg (2008), em estudos longitudinais (estudo das tendências de longo prazo no qual a natureza, a dinâmica e o impacto de diferentes formas de ordenamento podem ser compreendidos) sobre a Comunidade camponesa de Catacaos (Peru), as Unidades leiteiras Parmegiano - Reggiano ou Queijo Parmesão (Itália) e na Produção leiteira nas florestas da Frísia (Holanda), além de análise em outros países, incluindo Brasil, afirma que a ascensão do que define como Impérios

Alimentares23, que coordena a produção, o processamento, a distribuição e o

consumo de alimentos está contribuindo para uma crise agrária inevitável.

Em todo o mundo, centro e periferia, os camponeses enfrentam a dependência, privações e os perigos implícitos de uma maior marginalização. Em todas as partes, enfrentam as ameaças relacionadas com o squeeze na agricultura, através da estagnação dos preços dos seus produtos e o aumento dos custos de produção. Essa situação tem suas raízes na governança e ordenamento por parte desses Impérios dos Sistemas Agroalimentares, iniciando na produção e se estendendo até distribuição e consumo, provocando o que Ploeg (2008) define com mercado disfarçado.

É possível afirmar que os “mercados competitivos e não-distorcidos” não existem nem em países do Terceiro mundo, nem na Europa (nem na Austrália, nos Estados Unidos, no Canadá, na África do Sul e no Brasil). No “ocidente”, os mercados agrícolas e alimentares não são governados por uma “mão invisível” que surge do encontro entre forças anônimas entre oferta e demanda. Eles são sim (se não especialmente), governados por intervenções e regulamentações políticas, bem como por operações estratégicas de grupos de agronegócio (PLOEG, 2008, p. 57).

O campesinato tem realizado uma luta por autonomia assentada em experiências locais, mas buscando uma articulação global em favor de processos de integração, que permitam às comunidades decidir sobre sua própria atividade produtiva sem as pressões destrutivas do mercado mundial. Tais características se identificam com o propósito da agroecologia em responder à hegemonia do paradigma produtivista que tem marcado a atividade agrícola com profundas implicações no espaço rural desde o pós-guerra. Mesmo com diferenciações temporais e de intensidade, essa lógica de produção abrangeu os países periféricos e os considerados desenvolvidos.

O desafio da agroecologia é, a partir da prática das comunidades locais, construir um discurso com capacidade sensibilizadora para amplas parcelas sociais, inclusive as urbanas, do que realmente está em jogo. Portanto, busca construir uma saída ao atual modelo, demarcando sua crítica, não apenas na dependência ao uso

23 Esse termo é usado por Ploeg (2008) para definir a emergência político-econômica centrado nas

grandes corporações que canalizam a riqueza em direção ao centro do sistema. Estruturam-se de forma hierárquica, em que a sobrevivência dos agricultores torna-se cada vez mais difícil fora dessas cadeias agroalimentares. Esse domínio é “auxiliado pela tecnologia da informação que permite uma ligação entre uma miríade de lugares e um centro controlador” (PLOEG, 2008, p. 262).

77 intensivo de insumos químicos e mecânicos em um processo de artificialização sem precedentes das atividades agrícolas, mas estende para além do ambiental, ganhando uma forte conotação de contraponto, social e econômico, ao capitalismo tardio, em que a natureza e o inconsciente humano estão habitados pela lógica do capital através do consumo (JAMESON, 1996).

Para o movimento da agroecologia, o modelo produtivista, por ter como eixo estruturante a sua dependência de insumos e tecnologias exógenas ao local, contribui para excluir uma parcela significativa de pequenos e médios estabelecimentos rurais, que não conseguem absorver o pacote tecnológico. Mesmo aqueles setores dos agricultores familiares que estão inseridos no mercado também são muito vulneráveis à dinâmica do mercado competitivo global. As constantes e cada vez mais rápidas inovações tecnológicas, que devem ser incorporadas nos seus processos produtivos para permanecerem competitivos, somados com a intensificação dos controles globais pelo Sistema Agroalimentar, estão cotidianamente os colocando em maior risco de sobrevivência e de possibilidade de sua reprodução social.

Outra crítica levantada pelo movimento agroecológico é em relação ao balanço à experiência do modelo produtivista, afirmando que a sua predominância, através de sua lógica mercantil e expansiva, contribuiu para colocar a agricultura mundial em crise. Mesmo que as terras agricultáveis continuem a produzir, pelo menos a mesma quantidade, há sinais de que as bases de sua produtividade estão em perigo.

O século XX assistiu a um enorme crescimento da produção, satisfazendo a demanda de alimentos. Esse impulso deveu-se a avanços científicos e inovações tecnológicas, incluindo o desenvolvimento de novas variedades de plantas, o uso de fertilizantes e agrotóxicos e a irrigação. Porém, as mesmas bases (técnicas, inovações, práticas e políticas) que foram suporte desse aumento de produtividade também minaram a sua perspectiva futura. Em resumo: a agricultura moderna, baseada na dependência exógena de insumos, é insustentável, principalmente para o modo de produção familiar camponesa, como é o caso dos assentamentos de reforma agrária.

Segundo Altieri (2006), mais de 500 milhões de kg de pesticidas são aplicados anualmente nas monoculturas do mundo (91% dos 1,5 bilhões de terras aráveis estão sob monoculturas) para suprimir pragas, doenças e ervas invasoras,

convencionalmente chamadas de daninhas. Esse modelo de produção agrícola tem gerado impactos ambientais de dimensões dramáticas para a vida silvestre, polinizadores, inimigos naturais e toda a biodiversidade. Mas os impactos se estendem também ao âmbito social, com o envenenamento de seres humanos, causando enormes gastos públicos para mitigar esse problema. Essa realidade está presente nos países desenvolvidos, e mais fortemente em países como o Brasil, onde os pesticidas ainda são usados de forma mais ampla, sem uma legislação que, na prática, coíba o uso desses insumos24.

A ideologia da modernização da agricultura, baseada nos pacotes tecnológicos da revolução verde,25 sempre quis fazer crer que o abastecimento alimentar da população mundial não seria possível sem a adoção massiva de seus insumos químicos, fertilizantes, venenos, máquinas, sementes melhoradas e agora transgênicas. Esse pensamento é hegemônico nas últimas cinco décadas, orientando as políticas públicas de pesquisa, ensino, extensão e crédito, ganhando tamanha força que o potencial da matriz tecnológica alternativa, baseada em modelos sustentáveis, tem ficado marginalizado.

As argumentações da ausência de alternativas são basicamente três. A primeira é que, mesmo reconhecendo os prejuízos do momento atual, pelos crescentes problemas socioambientais, tais como a degradação dos solos, contaminação das águas e um processo de redução drástica da biodiversidade, argumenta-se que não existe outro método agrícola em condições de atender a demanda alimentar. Essa leitura leva a humanidade a um impasse, restando-lhe duas catástrofes: permanecer aprofundando o modelo da revolução verde, mesmo tendo ciência da sua insustentabilidade, porém, a curto prazo, garantindo a produção da matéria prima para alimentar a população mundial, ou optar por outro modelo centrado na sustentabilidade, sem, no entanto, garantir uma produção e produtividade condizente com a demanda mundial de alimentos26.

24 O jornal Folha de São Paulo publicou matéria recente, sobre uso de agrotóxicos no Brasil, proibidos

nos países em que são fabricados. A ANVISA, vinculada ao Ministério da Saúde, tentou proibi-los, porém enfrentou fortes reações de setores no congresso e revendedores desses produtos.

25 Para Gonçalves (2004), a própria denominação revolução verde, para o conjunto de

transformações nas relações de poder por meio da tecnologia, indica um forte caráter político e ideológico nessa proposta. Essa “revolução” se desenvolveu buscando deslocar o sentido social e político das lutas contra a fome e a miséria, muito presentes no Pós-Segunda Guerra. O verde dessa revolução objetivava despolitizar o debate para a saída da crise, dando-lhe uma conotação meramente técnica.

26 Esse aparente dilema, verbalizado pelos principais porta-vozes do agronegócio brasileiro, é uma

79 Outra tese para a permanência do modelo é que uma proposta fora dos pacotes tecnológicos agroquímicos teria como resultado uma queda da produtividade e, como conseqüência, a necessidade de avançar sobre novas áreas, através do desmatamento de florestas e mata nativa, para se conseguir a mesma produção atual de alimentos. Nessa linha de raciocínio, essa opção terminaria por anular os benefícios provocados por uma produção sem uso de insumos químicos.

A terceira argumentação se sustenta na crença na ciência, com seus avanços tecnológicos, como instrumento infalível para solucionar os problemas enfrentados pela humanidade. Na realidade, é uma linha de continuidade, que norteou o pensamento em torno do desenvolvimento e do progresso, centrado na economia e numa lógica linear, que as inovações tecnológicas trariam bem-estar para todos, não precisando assim fazer rompimentos e mudanças de caráter social e estrutural. Na sua versão atual, no âmbito da agricultura, essa concepção se manifesta, por exemplo, através do avanço da genética com a biotecnologia e transgenia para garantir a produção de alimentos.

A agricultura produtivista está baseada em dois objetivos fundamentais, que se relacionam: a maximização da produção e do lucro, o que demonstra que a razão da insustentabilidade está na sua própria natureza. Apoiando-se em Gliessman (2000), pode-se afirmar que, para atingir tais objetivos, esse modelo tem as seguintes características e práticas:

a) Cultivo intensivo do solo: afofar a estrutura do solo para arejamento, que permita uma melhor drenagem, o crescimento mais rápido das raízes, a areação e a semeadura mais rápida. A matéria orgânica é reduzida como resultado da falta de cobertura, e o solo compactado pelo trânsito repetitivo das máquinas. O cultivo intensivo também aumenta acentuadamente as taxas de erosão do solo por água e vento.

b) Monocultura: permite mais eficiência da maquinaria no preparo do solo, semeadura, controle de ervas adventícias e colheitas. Os insumos em mão- de-obra são minimizados e aqueles baseados em tecnologias são maximizados, com vistas a aumentar a eficiência produtiva. A relação com os

em torno do Código Florestal. O setor do agronegócio tem feito uma ofensiva para modificá-lo, afirmando que, caso as exigência ambientais sejam mantidas, o Brasil deixará de ser exportador para se tornar importador de alimentos, gerando crise na economia e no abastecimento alimentar.

agrotóxicos é forte, já que vastas extensões de cultivo de uma mesma planta são mais susceptíveis a ataques devastadores de pragas

c) Aplicação de fertilizantes sintéticos: por satisfazerem as necessidades de nutrientes das plantas em curto prazo, os fertilizantes permitem que os agricultores ignorem a fertilidade do solo a longo prazo, bem como os processos pelos quais ela é mantida. Seus componentes são facilmente lixiviados do solo, principalmente em sistemas de irrigação, que podem chegar aos córregos, lagos e rios, causando eutrofização27. É um modo de produção muito dependente de insumos externos.

d) Irrigação: embora somente 16% da terra cultivável seja irrigada, ela produz 40% do alimento em nível mundial, porém esse sistema provoca sérios impactos na hidrografia regional, pois a água subterrânea está sendo bombeada mais rápida do que a renovada das chuvas. Ela contribui para a lixiviação de fertilizantes das lavouras para lençol freático, córregos e rios. e) Controle químico de pragas e ervas adventícias: após a segunda guerra, os agrotóxicos tornaram-se arma contra pragas e patógenos de plantas. Eles podem baixar a quantidade de pragas a curto prazo, mas, como também matam seus predadores naturais, essas populações podem se recuperar e alcançar números ainda maiores do que antes. É um ciclo vicioso em que as vendas dos agrotóxicos são ascendentes, paralelo ao aumento da perda de lavoura pelos ataques de pragas em plantações cada vez mais susceptíveis. f) Manipulação de genomas de plantas: a manipulação natural de plantas silvestres foi uma das bases do início da agricultura. Agora, o avanço tecnológico causou uma revolução na manipulação dos genes das plantas: cruzamentos, produzindo as sementes híbridas, combinando características de duas ou mais linhagens de plantas, tornando-as mais produtivas. Porém, exigem condições ótimas de nutrientes disponíveis, sendo atingidas apenas

27 A entrofização é provocada pelo excesso de nutrientes químicos ricos em fósforo e nitrogênio,

levando a proliferação excessiva de algas que, ao entrarem em decomposição, levam a deterioração da qualidade da água, tornando pobre em oxigênio e com cheiro desagradável.

81 com o uso de fertilizantes inorgânicos. Também as plantas híbridas não podem produzir sementes com o mesmo genoma que seus pais, provocando dependência de grandes empresas.

A crítica da agroecologia a essas práticas é que elas tendem a comprometer a produtividade futura, corroendo a atividade agrícola. Enquanto a produtividade tende a se manter constante ou mesmo decair, perspectiva mais provável, o aumento com gastos de uma produção muito dependente de insumos externos e monopolizados tende a crescer vertiginosamente. Também, referenciado em Gliessman (2001), são arrolados a seguir, os impactos causados pelo modelo produtivista:

a) Degradação do solo: segundo dados das Nações Unidas, 38% dos solos já foram danificados por práticas agrícolas, através da salinização, alagamento, compactação, contaminação por agrotóxicos, declínio na qualidade da sua estrutura, perda de fertilidade e erosão.

b) Desperdício e uso exagerado de água: a água doce está se tornando cada vez mais escassa em muitas partes do mundo. A agricultura provoca uma transferência maciça de água dos continentes para os oceanos.

c) Poluição do ambiente: a agricultura polui a água mais do que qualquer outra fonte individual. Os fertilizantes lixiviados de áreas agrícolas têm toxicidade menor que os agrotóxicos, mas têm efeitos em ecossistemas aquáticos e marinhos, com crescimento excessivo das algas (eutrofização) e a morte de muitos tipos de organismos. Sais e sedimentos são também formas de poluição, degradando riachos e seus peixes.

d) Dependência de insumos externos: à medida que o trabalho intensivo e o monocultivo degradam o solo, a fertilidade depende mais e mais do aporte de fertilizantes nitrogenados e outros nutrientes.

e) Perda de diversidade genética: ela está se dando principalmente por causa da ênfase em ganhos de produtividade a curto prazo. A homogeneização genética entre as plantas cultivadas é compatível com a maximização da

eficiência produtiva, porque permite a padronização de práticas de manejo. Mas essa uniformidade deixa a cultura como um todo mais vulnerável ao ataque de pragas e patógenos.

f) Perda do controle local sobre a produção agrícola: o aumento das monoculturas tem contribuído para o declínio de unidades produtivas e de produtores, provocando grandes êxodos populacionais. O cultivo em larga escala, voltado para a produção de commodities, tende a tomar das comunidades o controle da produção de alimentos.

g) Desigualdade global: a despeito dos aumentos na produtividade e produção, a fome persiste em todo o globo. As nações dependentes produzem principalmente para a exportação para os países desenvolvidos, comprando insumo destes. Os prejuízos ambientais e sociais ficam com os primeiros. Enquanto a agricultura tropical estiver baseada em tecnologias de primeiro mundo, irá perpetuar a desigualdade e as possibilidades da sustentabilidade.