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5.2 O lugar da formação na assessoria

5.2.2 Formação paralela: subsídio para atuações futuras

A formação acadêmica nunca fica restrita ao conteúdo e grade curricular definido oficialmente. A maioria dos estudantes vivencia esse período em um momento de suas vidas em que estão buscando constituir e definir suas identidades e valores. Nesse sentido, estão abertos a novidades e possibilidades que podem ser encontradas tanto nos espaços formais como naqueles constituídos pelas relações

169 sociais e movimentos existentes no espaço acadêmico, principalmente nas universidades públicas, que possibilitam maior tempo dedicado na universidade.

De acordo com Pimentel (2007), a universidade, com todas as dificuldades e limitações, ainda tem permitido com os alojamentos, restaurantes universitários, congressos, seminários, encontros estudantis, entre outros, espaços de convívio, que facilitam o encontro entre os estudantes que não somente nas salas de aulas. Espaço este que se tornam um ambiente de formação extracurricular.

A experiência do curso de agronomia é muito ilustrativa nesse sentido. Pimentel (2007) vai citar uma série de movimentos e movimentações extracurriculares existentes na UFRRJ. Alguns estão mais vinculados as discussões políticas e organizativas dos estudantes, como o Centro Acadêmico; outros mais preocupados com a idéia de uma contraposição ao método convencional da agricultura, através de Grupos Ecológicos para discutir e realizar práticas relacionadas com a agroecologia, os estágios de vivência em assentamentos e comunidades rurais, fazendo com que seus participantes tenham um contato, ainda na academia, o que possibilita redirecionar suas formações.

Essas ações também se estendem para o âmbito cultural, como os Centros de Tradição (Gaúcho, Mineira, Nordestina), os grupos musicais e de teatro. Enfim, uma miríade de ações que, de forma intencional e articulada ou espontânea e fragmentada terminam por se constituir como um caldo de contracultura, com forte influência no futuro profissional desses estudantes.

De acordo com as entrevistas com profissionais de assessoria da ATES, formados na Universidade Federal Rural do (UFERSA), tanto no curso de Agronomia como no de Veterinária, é muito presente esse sentimento da importância dos espaços paralelos de formação como determinantes para subsidiarem sua atuação nos assentamentos rurais, numa perspectiva apontada pelo Manual de ter como foco a agroecologia, metodologias participativas, dando relevância às questões de gênero e geração, como nessa afirmação abaixo.

Tem pessoas (assessores) que não têm muita dificuldade porque participou do Grupo Verde, do Centro Acadêmico, vivenciou isso que está no Manual para além dos muros da universidade. São coisas que a gente via que foram fundamentais na nossa formação e que não estavam na grade curricular, mas nos espaços alternativos. Agora quem não vivenciou essas experiências extracurriculares tem uma dificuldade enorme de trabalhar na ATES,

e isso a gente percebe nas nossas entidades (Assessor da Coopervida – Pesquisa de campo, 2009).

O início do movimento da agricultura alternativa, na década de 1980, que colocava em questão o conteúdo e o formato da prática da produção de alimentos baseado nos pressupostos da revolução verde, referência quase absoluta na grade curricular, foi motivo de grande preconceito, e até mesmo perseguição de professores e estudantes, que estavam construindo o Grupo Verde de Agricultura Alternativa (GVAA), criado em agosto de 1985. Esse processo se deu através da participação de estudantes da então Escola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM), na dinâmica nacional do movimento estudantil da Agronomia, que em seus fóruns, como o Congresso Nacional dos Estudantes de Agronomia (CONEA), Congresso Brasileiro de Iniciação Científica em Ciências Agrárias (CBICCA) e Encontro Brasileiro de Agricultura Alternativa (EBAA), este em parceria com outros movimentos e entidades da sociedade civil, incentivam a contraposição à formação profissional, baseado nos pressupostos da modernização da agricultura.

Uma das iniciativas para isso era a constituição de Grupos de Agricultura Alternativa que, ao mesmo tempo em que faziam o debate, criavam áreas nas universidades para fazerem experimentos agrícolas, que mostrassem a viabilidade produtiva de uma agricultura sem fertilizantes químicos e agrotóxicos (CUNHA, 2005). Naquele momento, ainda não se falava em agroecologia como uma alternativa mais global de caráter produtivo, social e político ao processo da revolução verde. O centro das preocupações era mostrar, por um lado, os riscos ambientais e alimentares do modelo da agricultura convencional; por outro lado, demonstrar a viabilidade técnica de se produzir sem artificializar o processo, a partir de uma compreensão dos ciclos dos recursos naturais.

Alguns que vivenciaram esse período acreditam que essa experiência não compreendida pela maioria do corpo discente e docente da universidade, naquele momento, contribuiu, no formato de sementes da transição, para que atualmente tenha mais espaço e sensibilidade para se pensar a agricultura de forma mais sustentável. Ainda que predomine a hegemonia do pensamento que, uma atividade agrícola viável, é apenas aquela desenvolvida em grande escala, voltada para exportação e com os aparatos tecnológicos mais modernos.

171 Produção orgânica era o top de linha. Ainda não se falava em agroecologia. Mas para os participantes do Grupo Verde que iniciaram esse movimento, foi muito difícil. Eram excluídos e marginalizados. Era uma formação extracurricular. Acho que hoje melhorou, tem disciplinas que discute a sustentabilidade, convivência com o Semi-Árido, mesmo sabendo que o agronegócio tem uma força violenta (Assessora da TECHNE – Pesquisa de campo, 2009).

Aqui também, quando se discute a importância da vivência acadêmica para além da grade curricular oficial, percebe-se que esses espaços foram determinantes para os profissionais da área social, como bem atesta esta declaração:

O que contribuiu para eu trabalhar na assessoria aos assentamentos da reforma agrária foi minha participação no movimento estudantil, que me propiciou uma formação extracurricular, porque aí você lida com outras coisas que a formação na sala de aula não te dá: aprende a fazer reunião, lidar com grupo, também fica mais aberto ao mundo político, compreender e fazer análise da conjuntura, etc (Assessora da TECHNE – Pesquisa de campo, 2009)