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5.2 O lugar da formação na assessoria

5.2.3 Oportunidades de formação na vida profissional

Caso seja correto o discorrido acima sobre uma formação acadêmica em descompasso com aquela que a atividade de assessoria aos assentamentos exige, seria razoável prever um intenso processo de ações formativas para os profissionais envolvidos com a política de ATES, no sentido de suprir tais lacunas e na busca de uma aproximação com o foco da agroecologia, em termos de concepção e metodologia. No entanto, de acordo com o colhido na pesquisa, não é isso o que acontece, mesmo estando anunciado na proposta, como bem atesta o representante do INCRA, quando comenta a experiência no Estado.

Não temos um processo de capacitação sistemático nem para a assessoria nem para os agricultores. Esse sentimento já vem desde o Lumiar e permanece agora na ATES. No convênio com o Sebrae, este ficou responsável para garantir a capacitação como contrapartida, mas era dentro do pacote que eles já tinham. E houve muito choque com eles por isso (Superintendente do INCRA/RN – Pesquisa de campo, 2009).

Por parte da assessoria e suas entidades, o descrédito e a crítica são ainda mais contundentes, quando enfatizam a dificuldade de órgãos públicos viabilizar pelo Estado as capacitações. As experiências existentes foram muito desencontradas em termos de concepção, demonstrando um arranjo que, se por um lado conseguiu colocar essa política pública em movimentos, por outro, não significou uma unidade programática nos seus objetivos. Oscilava entre a concepção da ATES, em uma perspectiva agroecologia e os princípios do Sebrae de empreendedorismos, competitividade, qualidade total, etc.

Nesses anos de ATES, analisados nesta pesquisa, do convênio INCRA/Sebrae (2005 – 2007) e no do INCRA, através de licitação (2008), foram os esforços das instituições e redes através de financiadores internacionais e brasileiros, que buscaram desenvolver um processo de capacitação de forma sistemática que subsidiasse as assessorias e os próprios assentados nas temáticas apontadas no Manual de ATES.

Como indica essa intervenção, os espaços oficiais não tinham muita credibilidade. Na realidade, eram aqueles forjados pelas entidades e redes, que estavam mais em sintonia com as demandas do programa.

Era tudo fachada, oficialmente não tinha disposição para perseguir os objetivos da ATES como a agroecologia. Os espaços reais de discussão se deviam pelas conquistas das instituições. A formação das redes, a Rede Pardal, a ASA, etc. Aí é um espaço importante, aí você discute, coloca suas angústias, pensa em como dar um outro rumo ao que estamos fazendo no campo (Assessora da TECHNE – Pesquisa de campo, 2009).

Na ausência oficial de um processo constante e sistemático de formação, que viesse a atender às demandas do proposto pelo Manual de ATES e do cotidiano nos assentamentos, a assessoria tinha que suprir essa debilidade na própria dinâmica do trabalho, porque os desafios profissionais que se apresentavam no campo os obrigavam a se capacitarem no percurso da ação. São forçados a pensar, a buscar soluções na prática, mas o programa em si não dá suporte para esse processo.

Logicamente, esse esforço das instituições e dos próprios profissionais, alcançariam resultados bem superiores, caso houvesse uma formação robusta e permanente que se constituísse como ferramenta para o exercício cotidiano da assessoria. Ela iria contribuir como espaço de reflexão do que estava sendo feito no campo, oportunidade para preencher as lacunas deixadas pela formação

173 acadêmica, em contraponto a uma tendência de pragmatismo na ação da ATES, de apenas “apagar fogo”, centrado naquelas demandas imediatas, sem capacidade de ter uma postura propositiva e de visão estratégica, de longo alcance, que pudesse indicar para uma mudança estrutural e de concepção de fazer agricultura e de se relacionar com os recursos naturais.

Em termos de política oficial, durante esse período analisado nesta pesquisa, a ação principal de formação desenvolvida para profissionais que trabalham com assessoria, incorporando reivindicação e elaboração dos movimentos sociais, foi Curso de Especialização através de convênios entre o MDA e Universidades públicas. Essa experiência ofereceu aos profissionais e estudantes recém-formados uma formação contextualizada com o debate teórico, em torno da questão agrária, do campesinato e da agricultura familiar. Porém, também não deixou de apresentar uma série de problemas operacionais, como atrasos nos salários dos professores contratados e nas bolsas dos estudantes, além de constante suspensão do curso pelo fato de os recursos não terem sido repassados às universidades.

Mesmo com esses contratempos que terminam influenciando negativamente no desempenho da formação, essa experiência propiciou aos participantes uma contextualização teórica da questão agrária brasileira, servindo de base para a atuação futura em áreas de assentamento da reforma agrária. Segundo informações de uma participante, no Rio Grande do Norte, oito profissionais tiveram essa possibilidade, fazendo esse curso na Universidade Federal do Ceará (UFC), que envolveu profissionais de vários estados do Nordeste.

Além dos problemas citados em relação ao funcionamento da especialização e a descontinuidade recorrentes da ATES nos Estados, após o término do curso e na volta para seus Estados, encontraram o programa parado e muitos tiveram que buscar outras alternativas de trabalho. Uma das assessoras é muito categórica quando fala sobre a importância dessa especialização, relacionando com a concepção do seu curso de veterinária. Afirma que o sentido mesmo da especialização, não foi de aprofundamento do apreendido na graduação, mas na realidade, de uma verdadeira formação contextualizada para trabalhar com o público da reforma agrária.

Já na especialização foi diferente e foi uma coisa do Estado para formar profissionais para trabalhar com agricultura familiar camponesa, no sentido de suprir uma demanda para os

profissionais que estavam saindo da universidade e não se encaixavam nas diretrizes definidas pelo MDA. No geral, era para reformar aqueles profissionais, não era para aprofundar (assessora da Terra Viva – Pesquisa de campo, 2009).

De tudo o que foi dito nessa parte sobre as oportunidades de formação na vida profissional da assessoria, parece claro que não será apenas por iniciativa do Estado que acontecerão as mudanças apontadas no Manual, como a transição de paradigma em relação ao rural e à agricultura para uma perspectiva agroecológica. Nesse sentido, seus avanços dependem, inexoravelmente, das ações desenvolvidas pelos setores da sociedade mais identificados com essas mudanças, buscando construir processos que dê visibilidade a essas idéias, dando-lhes mais legitimidade social e possibilitando maior pressão nas diversas esferas públicas, com vistas a desenvolverem políticas consistentes nessa direção.