• Nenhum resultado encontrado

3.4 Da crítica à ação: as experiências recentes

3.4.3 Redes Sociais: tecendo e amplificando a agroecologia

A busca por uma nova agricultura no Brasil vem desde o início da década de 1970 (CARVALHO, 2008) e tem contado com uma gama de atores, principalmente ONGs e movimentos sociais, como a Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB) que estimularam a criação nas escolas de agronomia de grupos de agricultura alternativa. Muito de seus participantes, mais tarde na vida profissional, serviram de germes para fomentar, em instituições, a preponderância da construção de uma proposta de agricultura em que as dimensões ambiental, política e social fossem um todo indivisível. É dentro dessa concepção que a agroecologia vai se constituindo como uma alternativa global ao modelo produtivista.

Nesse processo, as Redes Sociais de assessoria técnica, que norteiam a sua atuação pela agroecologia, vão se constituir como atores importantes junto aos agricultores e agricultoras. Não apenas no que concerne à produção, mas como ela vai estar vinculada a metodologias que coloquem em primeiro plano, ao lado do conhecimento científico, a experiência e capacidade de resistência e inovação, que caracteriza a agricultura familiar camponesa.

Essas redes são inúmeras e se entrecruzam nas suas atuações e articulações, principalmente agora com o instrumento da internet. Neste trabalho, destacam-se duas que têm tido uma forte influência na dinâmica das instituições e dos profissionais aqui pesquisados, que centram sua atuação na agroecologia. Uma delas é a Articulação do Semi-árido Brasileiro (ASA Brasil), com atuação em todo o Semi-árido, compreendendo os Estados do Nordeste e uma parte do Espírito Santo e Minas Gerais; a outra é a Rede Pardal, uma articulação de entidades de assessoria, com atuação no Rio Grande do Norte, que busca propagar a agroecologia e a economia solidária como alternativa para a agricultura de base familiar e camponesa.

ASA Brasil

A ASA, criada em julho de 1999, é um fórum de organizações da sociedade civil, que vem lutando pelo desenvolvimento social, econômico, político e cultural do brasileiro. Tem a participação de 700 entidades dos mais diversos segmentos, como igrejas católicas e evangélicas, ONGs de desenvolvimento e ambientalistas, associações de trabalhadores rurais e urbanos, associações comunitárias, sindicatos e federações de trabalhadores rurais. De acordo com sua Carta de Princípios, a ASA tem o compromisso com as necessidades, potencialidades e

123 interesses das populações locais, em especial os agricultores e agricultoras familiares, baseado na conservação, uso sustentável e recomposição ambiental dos recursos naturais do semi-árido; na quebra do monopólio de acesso à terra, água e outros meios de produção - de forma que esses elementos, juntos, promovam o desenvolvimento humano sustentável do Semi-árido.

A ASA busca sensibilizar a sociedade civil, os formadores de opinião e órgãos governamentais para a implementação de ações integradas para o semi-árido, fortalecendo inserções de natureza política, técnica e organizacional, demandadas das entidades que atuam nos níveis locais. Também apóia, sistematiza e dar visibilidade a métodos, técnicas e procedimentos que contribuam para a convivência com o semi-árido.

Como exemplo de proposta de alternativas de convivência com o Semi-árido, compatíveis com as características da agricultura familiar camponesa, a ASA tem dois projetos pilares: o Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC) que visa suprir a necessidade básica de milhares de famílias rurais, que não tinham acesso à água para consumo, a partir da construção de cisternas, capaz de acumular 17.000 litros de água captadas da chuva. Atualmente, já são mais de 200 mil famílias contempladas com essa tecnologia, fazendo uma profunda diferença no seu cotidiano. Muitas delas precisavam andar quilômetros para a aquisição da água, muitas vezes captadas em barreiros, açudes e poços de qualidade muito comprometedora para a saúde.

A outra iniciativa importante e mais recente é o Projeto 1 Terra e 2 Águas (P1 mais 2). Tem o objetivo de dar um passo à frente em relação ao P1MC. Busca recolocar a importância da democratização da terra, através do seu acesso a milhares de famílias camponesas que precisam da terra como condição para sua reprodução social. Assim, a importância de viabilizar, além da água para consumo humano, também a água para a produção, dentro de uma perspectiva de soberania alimentar e agroecologia.

Esse processo é apoiado em tecnologias, tais como a Cisterna calçadão (construção de um depósito de 52.000 litros de água, captado a partir de um terraço cimentado em declive em que a água da chuva escorre até o depósito); Tanque de pedra (paredes levantadas para barrar a água que escorre da chuva), Bomba popular (tecnologia de fácil instalação e manutenção, capta água de poços com até

80 metros de profundidade a uma vazão de 12.000l/h) e Barragens subterrâneas (armazenamento da água no subsolo, além de manter o solo úmido).

A viabilização dessas tecnologias, geralmente construídas pelos próprios agricultores, é acompanhada de mobilização, intercâmbio, capacitação e formação das pessoas que vivem nas comunidades contempladas, em que o central é a temática das opções políticas necessárias para o desenvolvimento do Semi-árido, dentro de uma lógica de convivência e valorização da cultura sertaneja.

Como afirma Silva (2006), essa região, ao longo do tempo, é tensionada por três paradigmas para se pensar seu desenvolvimento. O mais tradicional é o Combate à seca e aos seus efeitos que serviram sempre para fortalecer as oligarquias regionais, atualmente muito fragilizadas em termos de defesa política; posteriormente, surgiu um novo discurso de Modernização da base econômica regional, que tem na exploração econômica o elemento definidor do uso e ocupação do espaço no semi-árido, através de grandes obras em que o processo de irrigação assume uma de mito redentor; a terceira alternativa é a Convivência com o Semi- árido, tendo como protagonista principal as organizações sociais que se articulam na ASA, constituindo-se em uma força política emergente, por conseguir dar visibilidade a uma nova abordagem sobre o potencial da região, assim como “impondo” uma nova agenda para se pensar o desenvolvimento, em que a sustentabilidade social e ambiental assume preocupação central.

A experiência da Rede Pardal

Desde 1999, constituiu- se no Rio Grande do Norte uma articulação de entidades de assessoria, denominada Rede Pardal (Programa de Assessoria Rural para o Desenvolvimento e a Autonomia do Local). Ela surge da necessidade de uma ação mais integrada e articulada entre parceiros com afinidades política e institucional.

Tem como objetivo geral, prestar assessoria técnica e pedagógica às ações populares de desenvolvimento local sustentável em curso no Rio Grande do Norte, visando à expansão e ao fortalecimento da Agricultura Familiar, por meio de processos educativos que assegurem a construção do pleno exercício da cidadania e a melhoria da qualidade de vida de seus atores sociais45.

125 A Rede Pardal é composta por nove entidades:

Associação de Apoio à Comunidades do Campo (AACC), com sede em Natal;

Cooperativa de Trabalho Multidisciplinar Potiguar (TECHNE), com sede em Natal

Centro Terra Viva, com sede em Mossoró e Apodi;

Cooperativa de Assessoria e Serviços Múltiplos ao Desenvolvimento Rural (COOPERVIDA), com sede em Mossoró;

Centro Padre Pedro, com sede em Janduís;

Centro de Assessoria a Processos de Desenvolvimento Local da Chapada do Apodi (PROELO), com sede em Baraúna;

Centro de Assessoria às Comunidades Rurais e Urbanas (CEACRU), com sede em Governador Dix-Sept Rosado;

Núcleo de Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura Familiar no Nordeste (SERTÃO VERDE), com sede em Campo Grande;

Comissão Pastoral da Terra (CPT), com sede em Mossoró.

A Rede Pardal tem um funcionamento sistemático, com atividades periódicas para elaborações, discussões e encaminhamentos das suas demandas. Em sua carta de princípio afirma sua opção pela agroecologia:

A Rede Pardal se soma as outras articulações e movimentos populares que se apóiam nos princípios da agroecologia e da economia solidária como norteadores das suas atividades, por acreditar que elas propiciam um convívio sustentável com os recursos naturais e constroem novas relações sociais e econômicas, onde a lógica seja a sustentabilidade, o bem-estar e a justiça entre aqueles e aquelas que produzem e aqueles e aquelas que consomem (REDE PARDAL, 2007).

Entre as várias ações com políticas públicas, as entidades da Rede Pardal têm uma longa tradição em assessoria aos assentamentos, desde o Projeto Lumiar, mais recentemente com a ATES. Também desenvolve atividades financiadas por cooperação internacional, entre elas, um Projeto denominado Semeando Agroecologia, em parceria com a AVSF, que atua em vários países.

A área geográfica desse Projeto são as regiões do Mato Grande e Oeste do Rio Grande do Norte, incluindo 35 grupos produtivos em comunidades e assentamentos rurais. Tem duração de três anos e é financiado pela União Européia. O seu foco é buscar uma maior capacitação das famílias rurais nas áreas de produção, numa perspectiva agroecológica, além de incentivar processos de agroindústria familiar e economia solidária, como as feiras e cestas agroecolóicas.

As entidades que participam da ASA e da Rede Pardal buscam refletir sobre metodologias de como a questão técnica deve ser trabalhada no universo histórico- cultural das comunidades e assentamentos rurais. As concepções citadas abaixo, mesmo que em diferentes abordagens, sintetizam o conteúdo e a prática de como vem sendo desenvolvida a assessoria na perspectiva da agroecologia pelos integrante dessas duas redes.

a) Construção do conhecimento vivenciando a realidade: a ênfase nessa abordagem é que, com a penetração do capitalismo no campo e a expansão da revolução verde, a produção do conhecimento e dos sistemas técnicos agrícolas deixaram de ser vinculados aos sistemas socioeconômicos, culturais e ambientais locais, passando para uma esfera externa às localidades e chegando até elas através da “transferência do conhecimento”. Como contraposição, propõe-se o método que privilegia um processo de construção das inovações (novidades) técnicas através da união entre teoria e prática, combinando formação e experimentação em uma dinâmica única. b) Estímulo a criação de novidades adaptadas: parte da concepção de que o enfrentamento correto e sustentável para os problemas técnicos locais não podem vir de pacotes exógenos e unificados, prontos para serem aplicados. Para um problema específico vivenciado em um determinado agroecossitema, sua resolução deve ser buscada com base no estímulo ao espírito inovador do agricultor, em encontrar soluções, a partir da compreensão das causas observadas no manejo do solo, da biodiversidade e da agrofloresta.

As inovações acontecem quando, individualmente, os agricultores, a partir de um problema, saem das normas de rotina de manejar os sistemas produtivos e põem novos métodos em prática na produção. São esses os agricultores- experimentadores.

127 c) Estimular a troca de conhecimento: para a consolidação das experiências individuais em tendências coletivas, é necessário que elas possam ser conhecidas, debatidas e re-experimentadas por outros agricultores, inclusive em outras comunidades. Daí a importância dos intercâmbios como espaço de formação e troca de conhecimentos entre agricultores. Essas atividades propiciam um círculo virtuoso em que os conhecimentos individuais e coletivos retroalimentam-se continuamente. Nesse processo, a contribuição do conhecimento acadêmico se dá através do papel ativo do técnico em trazer reflexões e análise nesse campo para o processo que os agricultores estão vivenciando.

Como conclusão desse capítulo, pode-se afirmar que, salvo poucas exceções, as concepções que permeiam a história da assessoria técnica, principalmente após o advento da modernização da agricultura, foram determinantes para colocarem os conhecimentos tradicionais e o jeito de fazer agricultura das comunidades camponesas na marginalidade. Processo esse que contou com apoio decisivo das políticas públicas para o rural e o agrícola. Porém, a amplitude da crise ambiental, em que a agricultura tem seu papel de destaque, contribui para que abordagens e práticas como a agroecologia, até então com pouca visibilidade, ganhem significativos espaços entre os produtores, no aparelho de Estado e na sociedade.

Logicamente que essa evolução da agroecologia não é um processo natural. Ela é fruto das iniciativas dos segmentos que, ao longo dos últimos anos fizeram a contraposição à agricultura convencional, baseado nos pacotes da revolução verde, e foram construindo análises e sistematização de experiências de produção sustentável e de convivência com a cultura e ambiente local. As redes sociais da sociedade civil, a exemplo da ASA Brasil e da Rede Pardal, estão sendo fundamentais para impulsionar a elaboração de uma assessoria inspirada nos princípios da agroecologia.

CAPÍTULO 4

O MATO GRANDE, OS ASSENTAMENTOS E OS GRUPOS AGROECOLÓGICOS

Este capítulo busca explicitar algumas características e análises do Território do Mato Grande, assim como das cidades onde estão inseridos os assentamentos e grupos produtivos que integram o campo empírico desta pesquisa. O objetivo é que ele possa ser um suporte na compreensão do capítulo posterior, que analisa a atuação da assessoria nos assentamentos da reforma agrária e os desafios para a construção dos processos agroecológicos.