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5.3 Qual a concepção ou para que mesmo assessoria?

5.3.4 O que pensa o INCRA e a Unidade de Articulação

Em estudo analisando as razões para o encerramento do Projeto Lumiar, Duque & Quirino Pereira (2001) avalia que um dos principais motivos para o final abrupto desse programa foi a própria relação que o INCRA, encarregado de sua gestão, tinha com as outras instituições que integravam o Lumiar. A atuação de jovens profissionais envolvidos com os movimentos sociais e a temática da reforma agrária entravam em rota de colisão com boa parte do corpo de funcionário dessa instituição, criada no período do Regime Militar. Para esses setores, o Projeto Lumiar era “um INCRA dentro do INCRA”, como recorrentemente era ouvido pelos seus funcionários. Como comprovação do pouco apreço ao Projeto Lumiar, os

autores citados enfatizam que o INCRA não mostrou nenhuma reação contrária à extinção desse programa pelo MDA em 2000.

É importante resgatar essa experiência de assessoria aos assentamentos, para justificar que existe uma enorme resistência corporativa em setores chave dentro do INCRA às iniciativas que propõem compartilhar a execução de políticas públicas nos assentamentos. De forma, consciente ou não, predominam nesses setores uma noção de que as áreas de reforma agrária são territórios exclusivos do INCRA. Agora com a ATES, de acordo com as análises das entrevistas e as observações durante esta pesquisa, pode-se dizer que esses problemas estão se repetindo.

Mesmo reconhecendo a sensibilidade de um segmento dessa instituição mais identificado com o processo da reforma agrária e a necessidade de parceria com Organizações da sociedade civil que atuam no meio rural, os setores contrários continuam com muita influência e, conseqüentemente, com poder de dificultar a virtuosidade dessa relação. Um dos métodos usados para emperrar a dinâmica da ATES é apoiar-se no discurso das exigências legais.

Segundo o atual superintendente, ele tem muita clareza de que a assessoria é fundamental para os assentamentos, mesmo com todos os problemas e a necessidade de avançar e enfrentar os obstáculos que impedem que essa atividade alcance o que está proposto no Manual de ATES. Acha que seria necessário, por parte da assessoria, um maior esforço, na tentativa de articular sua ação com uma variedade de políticas públicas nos âmbitos federal, estadual e municipal, para que elas pudessem chegar aos assentamentos.

Argumenta que, não raras vezes, a assessoria fica muito presa e limitada às demandas surgidas no assentamento, sem iniciativa de construir uma agenda mais propositiva, que lhe permita ir além das urgências existentes. Porém, pondera que uma parte significativa dessa prática limitada deve ser creditada à própria incapacidade do programa de ATES funcionar com regularidade e estabilidade temporal, permitindo um planejamento de longo prazo, e não apenas “apagando fogo”. Mas fica a crença de que poderia ser diferente.

Já para uma funcionária do INCRA, envolvida com a ATES no período de investigação desta pesquisa, a assessoria é fundamental para contribuir na organização e avanço do assentamento, inclusive na parte da produção. Enfatiza que é incorreto se conformar com argumentos que avaliam como suficientes a

193 melhora em alguns aspectos subjetivos das famílias contempladas. É necessário perseguir o sentido mais nobre da reforma agrária, que é influenciar em uma perspectiva de desenvolvimento diferente.

Os estudos apontam questões genéricas de avanço tais como que as famílias estão em melhores condições hoje, quando comparado com sua vida antes do assentamento, melhorou a auto-estima, etc. Acho que devemos ser mais ousados; não pensar a reforma agrária como política social meramente. Tem que dar uma contribuição efetiva para o desenvolvimento do País. Acho que tem condições de ser diferente, e a ATES pode contribuir por aí, contribuindo para um melhor acesso a mais políticas públicas, na discussão ambiental, etc (Chefe da Divisão de Desenvolvimento do INCRA/RN – Pesquisa de campo, 2009).

Para a equipe da Unidade de Articulação, o arranjo da ATES, mesmo sendo interessante, tem muita dificuldade de tornar-se realidade. Como não tem uma proposta consolidada em termos de princípios e funcionamento, termina o INCRA dando a tônica, em detrimento dos espaços formalmente criados, como a Coordenação Regional da ATES. Em última instância, o palco de negociação se dá nos bastidores e mobilizações dos movimentos sociais, de maneira fragmentada, em que geralmente a pauta discutida com cada movimento tem um caráter corporativo, não confluindo para os interesses anunciados no Manual de ATES.

A composição da própria Coordenação da ATES, que, entre outras funções, tem um caráter de avaliação da execução do programa, já se apresenta de forma problemática. Cada movimento que tem assento nessa instância e também tem suas instituições que executam o serviço de ATES. Esse duplo papel constitui-se como empecilho para avaliações e decisões isentas de interesses particulares, contribuindo para formar um “pacto de mediocridade”. É o que atesta esse depoimento de uma representação da Unidade de Articulação que tinha a função de animar esse processo.

A equipe de articulação tentou fazer avaliação, monitoramento, mas você vai para uma Coordenação Regional, que era o espaço privilegiado para isso e parece que os movimentos não queriam que elas funcionassem. Porque, se ela funcionasse, teria que cobrar, de certa forma, das instituições, inclusive a deles (Integrante da Equipe da Unidade de Articulação da AACC – Pesquisa de campo, 2009).

Como fechamento desta parte, é possível concluir que o Manual de ATES e os planos de reforma agrária têm muita coisa de tudo o que a sociedade civil quer para a agricultura familiar de base camponesa, como a agroecologia, a mudança na matriz tecnológica, uma relação diferenciada com os agricultores que rompa com a lógica tecnicista, que traz a técnica pronta para ser implantada. Mas as intenções batem de frente com a prática no processo de execução. As estruturas do Estado não estão montadas para deslanchar essas concepções, pois são burocráticas no sentido de emperrar o trabalho e as pessoas, nas instituições não estão motivadas para incorporar essas novas abordagens. Uma boa ilustração é a ATES, que seu Manual aponta para a agroecologia e a economia solidária, porém a maioria dos funcionários do governo está, na prática, apostando na produção e no mercado convencional, de exportação, mesmo afirmando que são simpáticos ao conteúdo do programa.