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4.4.2 – A CRÍTICA AOS SISTEMAS POLÍTICOS TOTALITÁRIOS

Enrique Dussel, em face da flagrante situação de injustiça, de dominação e vitimação a que a América Latina foi e está exposta, procura encontrar a origem do desvio que levou as sociedades a esse fechamento excludente. Por isso, vai até a Grécia Antiga, em busca das primeiras teorias políticas ocidentais que mais influenciaram a formação do mundo contemporâneo, nosso segundo e mais radical ponto de partida.

Em Aristóteles, o autor vislumbra o ápice da formação política grega, ou seja, de sua política totalitária.

Para Dussel, a política da Grécia Antiga é um projeto de auto-realização, posto que, segundo o pensamento aristotélico, “a pólis é por natureza anterior à família e a cada um de nos. O todo (tò hólon) é anterior à parte”. (ELL IV 62)

Não bastasse a primazia do Estado sobre o cidadão, ressalta Enrique Dussel, a tese defendida por Aristóteles de que enquanto uns homens nascem para ser livres, outros nascem para ser escravos, chegando o estagirita mesmo a concluir que não são homens (ser pensante) os nascidos fora da Grécia, o que corrobora a dominação do homem pelo homem. Vale citar:

O ser humano, a Totalidade da humanidade, o horizonte antropológico chega até os muros da cidade; nem os bárbaros nem os orientais são homens. A helenidade é o fundamento ontológico do mundo humano. (ELL IV 62).

Diante desse quadro já se pode antever a dominação do interior da pólis. No tocante ao regime de governo, Aristóteles defende a democracia, não porque seja o melhor, mas porque é o menos sujeito à revolução:

Aristóteles, como conservador da ordem vigente, quer encontrar o regima mais duradouro, e por isso propõe ‘a democracia (porque) é mais segura (asfalestéra) e menos exposta à revolução (astasíastos)’ Não há

122 exterioridade nem possível práxis libertadora. A Totalidade política é natural, divina, eterna, helênica. (ELL IV 63).

Dussel aponta, ainda, a pseudo-democracia grega, ressaltando que, mesmo defendendo a democracia, Aristóteles considerava apenas os “varões livres helenos” com direito à cidadania, o que corresponde no contexto grego, a cerca de 10% da população.

Naquele sistema, portanto, a alteridade está anulada e o projeto pessoal de cada um não tem guarida, cabendo a todos buscarem o bem comum, qual seja, o bem da pólis, o que, evidentemente, não pode ser considerado justo.

O segundo momento de crítica à política totalitária diz respeito ao pensamento moderno.

O Estado Moderno, segundo Dussel, encontrou sua maior expressão teórica em Hegel. Todavia, é importante ressaltar que aquele filósofo, conforme entende Dussel, inspirou-se em muito na teoria hobbesiana. Por isso, a crítica ao pensamento hegeliano envolve, preliminarmente a crítica ao Hobbes, a qual tem como questão central a expressa individualidade absoluta do homem em estado natural, fundamento da teoria hobbesiana. O segundo problema é o Estado, que, para Hobbes, é a única solução para os conflito permanente do

estado natural e deve ser absoluto, consoante expressa em suas obras.

O Estado hobbesiano, por esse caminho, funda uma totalidade voltada para si mesma, com o fim de evitar a guerra interna entre os indivíduos, mas no tocante ao exterior, ao “outro”, esse Estado preocupa-se em vencer a guerra com o inimigo. Aqui, o Estado hobbesiano volta, conclui Dussel, ao estado de natureza, pois não há nenhum limite para suas ações, desde que seja para defender a consecução de seus fins. Assim explica Dussel:

O pro-jeto ontológico de tal Estado funda o sistema político vigente que tem os que pacturaram por centro e fim, mas ao mesmo tempo, não nenhum limite fora de si e se comporta, com relação aos outros Estados, como na ‘condição natural’, isto é, podendo ‘usar seu próprio poder [imperial] como quiser’. Em sua essência, a racionalidade da política hobbesiana pode ser definida como o pacto para não fazer a guerra entre si a fim de qe na paz do Estado se possa ganhar a guerra contra o inimigo exterior. (ELL IV 64-65).

123 O Estado Moderno, pois, formou-se totalitário e imperialista, com a influência marcante de Hobbes e tantos outros contratualistas. Ficam, assim, demonstradas duas vertentes de dominação desse Estado: a primeira, de caráter interior; e a segunda, exterior. Basta atentarmos para o sistema político grego e concluiremos que essas são as mesmas características da Totalidade política na Grécia antiga, com uma roupagem moderna. Essa totalidade encontrou seu grau máximo na teoria de Hegel, posto que até então, o Outro era objetivado e servia ao Mesmo, mas ainda era considerado Outro. Com Hegel, essa alteridade foi extinta definitivamente, como desdobramento do seu princípio de que “o real é o racional e o racional é o real”, pois diante dessa concepção, que pode ser expressa também como a identidade entre pensamento e objeto, o Outro deixou de ser Outro (homem objeto-útil latino- americano) para ser parte do Mesmo (ser pensante europeu).

O primeiro princípio da teoria hegeliana é a liberdade absoluta do espírito, que se identifica com a “vontade livre” do ego europeu.

A ‘vontade livre’, horizonte ontológico originário e fundante da totalidade da política é o ego europeu, subjetividade conquistadora, dominaodra e imperial desde o século XV – se não recuarmos até o século XI com as Cruzadas. (ELL IV 68).

Essa vontade livre, todavia, é abstrata e sua realização exige uma manifestação concreta, a qual ocorre mediante a posse do que lhe é exterior:

Para o ego sem limites, ontológico, do europeu moderno, para a subjetividade constituinte originária, a relação primeira que pode encher- se de conteúdo é a relação econômica homem-natureza. (ELL IV 69).

Retornando ao contexto sócio-econômico daquela época, verifica-se que a relação econômica estava expressa no “ideal de riqueza” do homem moderno e, sobretudo, no “terceiro homem” que vieram para a América Latina. Os europeus superaram, então o contrato político-guerreiro de Hobbes para fundar o contrato econômico-burguês. Em sua crítica, afirma Dussel:

É a determinação primeira do homem burguês europeu, dominador do índio, africano e asiático por seu afã de riquezas [...] A posse da coisa (e seu universal abstrato como valor de troca: o dinheiro) é a primeira determinação do homem burguês. (ELL IV 69-70).

124 O referido sistema é contraditório em si mesmo, pois como o próprio Hegel previu, a acumulação de riquezas por uns implica na ampliação da miséria e dependência dos demais, condição necessária para a realização de um Estado absoluto.

Para controlar essa contradição, Hegel propôs duas medidas que em última análise afirmam a exclusão: primeiro, a manutenção da ordem com o policiamento e proteção do universal contra o particular; segundo, a exportação da mão-de-obra e dos produtos europeus para as colônias. Mas, para concretizar esse plano, sobretudo no segundo aspecto, seria preciso que as colônias fossem livres. Por isso Hegel vê com “bons olhos” a libertação das colônias, vez que a “libertação das colônias se manifesta como o maior benefício para a metrópole assim como a libertação dos escravos é o melhor benefício para o senhor”. (HEGEL, in ELL IV 75).

Essa “libertação”, consoante se depreende do exposto, justifica-se, no pensamento hegeliano, apenas e tão somente para o benefício maior da metrópole. E para evitar o risco de o Estado absoluto vir a se realizar na América Latina, Hegel defende, então, a criação de Estados liberais nas novas nações, ao contrário do que pensa em relação à Europa, conforme explica Dussel:

Ou seja, na Europa se passa ao Estado absoluto graças às contradições da sociedade burguesa, ao passo que nos Estados neocoloniais não podem produzir-se a tal ponto tais contradições, e por isso, na melhor das hipóteses, chegarão ao Estado exterior da sociedade civil, mas não ao “Estado orgânico”. (ELL IV 75).

Dessa forma, Hegel reconhece o Estado absoluto somente na Europa, com a clara divisão das classes, produzindo a contradição necessária. Já nos Estados neocoloniais essa contradição não se cristalizaria, segundo Hegel, em razão, também, da existência de muito espaço para ser explorado, o que impediria um choque de classes.

E assim chega-se à situação política atual, seguindo sempre o modelo europeu imperial, dominador, de exclusão da alteridade e, pois, de profunda injustiça.

125 A proposta de Enrique Dussel trata dessa questão, a práxis da dominação que se estabeleceu pela exploração econômica e pela política voltada para essa exploração:

A práxis de dominação do imperialismo se realiza em dois níveis: no econômico, pela extração de uma plusvalia mundial neocolonial de segundo tipo; e ao qual se endereça o poder político respaldado pelo controle militar. (FL 78).

4.4.3 – PROPOSTA PARA UMA POLÍTICA DE