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1.4.2 – RELAÇÃO METAFÍSICA E IDÉIA DO INFINITO

Diante de uma relação do Mesmo com o Outro em que não há absorção, preservação da alteridade significa dizer uma relação em que o Eu sai de sua interioridade em direção à exterioridade manifesta pelo Outro, num movimento transcendente e, pois, metafísico.

O Mesmo, na visão de Lévinas, não se reduz à mera tautologia “Eu sou Eu”, mas principalmente se refere à relação de posse estabelecida entre o Eu e o mundo em que está, ou seja, ao domínio egoísta do Eu sobre o mundo. “A possibilidade de possuir, isto é, de suspender a própria alteridade daquilo que só é outro à primeira vista e outro em relação a mim é a maneira do mesmo.” (Lévinas 1980 25).

Considerando, então, que nessa relação o Outro não é compreendido – do latim comprehendere, significa conter em si; constar de; abranger – pelo Eu e não faz parte do Mesmo, fica evidente que o movimento do Eu desejante do Outro invisível, ao romper a totalidade enseja uma relação de natureza transcendente, isto é, metafísica.

Para além da fome que se satisfaz, da sede que se mata e dos sentidos que se apaziguam, a metafísica deseja Outro para além das satisfações... Desejo sem satisfação que, precisamente, entende o afastamento, a alteridade e a exterioridade do Outro. Para o Desejo, a alteridade, inadequada à idéia, tem um sentido... Morrer pelo invisível – eis a metafísica. (Lévinas 1980 22-23).

Mas não é só. Essa relação não é unicamente um ato mental. A fala, o diálogo deve ser estabelecido entre o Eu e o Outro como único meio de contato em tal afastamento e sustentação dessa relação.

A ruptura da totalidade não é uma operação de pensamento, obtida por simples distinção entre termos que se atraem ou, pelo menos, se alinham. O vazio que a rompe só pode manter-se contra um pensamento,

33 fatalmente totalizante e sinótico, se o pensamento se encontrar em face de um Outro, refratário à categoria. Em vez de constituir com ele, como com um objeto, um total, o pensamento consiste em falar. (Lévinas 1980 27-28).

O diálogo é o fio tênue que mantém essa relação sem que haja união total entre o Mesmo e o Outro e, ao mesmo tempo, sem deixar que ela se desfaça. É a manutenção da ligação entre o finito e o infinito.

A relação do Mesmo com o Outro, sem que a transcendência da relação corte os laços que uma relação implica, mas sem que esses laços unam num Todo o Mesmo e o Outro, está de fato fixada na situação descrita por Descartes em que o ‘eu penso’ mantém com o Infinito, que ele não pode de modo nenhum conter e de que está separado, uma relação chamada ‘idéia do infinito’... (Lévinas 1980 35-36).

Lévinas credita a Descartes essa forma de compreender a idéia de infinito, cujo esquema encontramos em seu pensamento, tal como nas Meditações:

Não devo imaginar que não concebo o infinito por uma verdadeira idéia, mas somente pela negação do que é finito, do mesmo modo que compreendo o repouso e as trevas pela negação do movimento e da luz: pois, ao contrário, vejo manifestamente que há mais realidade na substância infinita do que na substância finita e, portanto, que, de alguma maneira, tenho em mim a noção do infinito anteriormente à do finito, isto é, de Deus antes que de mim mesmo. Pois, como seria possível que pudesse conhecer que duvido e que desejo, isto é, que me falta algo e que não sou inteiramente perfeito, se não tivesse em mim nenhuma idéia de um ser mais perfeito que o meu, em comparação ao qual eu conheceria as carências de minha natureza?... E isto não deixa de ser verdadeiro, ainda que eu não compreenda o infinito... pois é da natureza do infinito que minha natureza, que é finita e limitada, não possa compreendê-lo. (Descartes 1973).

Tanto Descartes como Lévinas pensam o infinito a partir de uma relação do Eu com algo que não pode ser contido na razão humana.

34 Mas, Lévinas estabelece um outro entendimento para a origem da

idéia do infinito, diferentemente de Descartes, atribuindo-a à própria relação

metafísica do Mesmo com o absolutamente Outro, exterior ao mundo do Eu, irredutível à representação e do qual só se pode ter a idéia de Infinito, posto que o conteúdo do infinito transborda os limites de toda compreensão.

Mas a idéia do infinito tem de excepcional o fato de o seu ideatum ultrapassar a sua idéia...O infinito é característica própria de um ser transcendente, o infinito é o absolutamente outro. O transcendente é o único ideatum do qual apenas pode haver uma idéia em nós: está infinitamente afastado da sua idéia – quer dizer, exterior – porque é infinito. (Lévinas 1980 36).

Discordando, pois, de Descartes quanto à origem da idéia de Infinito, qual seja, Deus, vez que estaria fadado a admitir uma totalidade fundada em Deus e, por conseqüência, uma superioridade mística ou mesmo a morte como via de acesso à verdade absoluta, também não aceita a intencionalidade husserliana para relação com o Outro, tendo em vista que isso levaria à exclusão da alteridade, ensejando a absorção do Outro pelo Eu, o que consistiria também numa Totalidade. Desse modo, Lévinas pretende uma filosofia que respeite a alteridade e, sobretudo, estabeleça uma relação ética e justa entre os homens. Qualquer outra via que não privilegie essa relação levará à injustiça.

Entre uma filosofia da transcendência que situa alhures a verdadeira vida à qal o homem teria acesso, evadindo-se daqui, nos momentos privilegiados da elevação litúrgica, mística, ou ao morrer – e uma filosofia da imanência em que captaríamos verdadeiramente o ser quando inteiramente ‘outro’ (causa de guerra), englobado pelo mesmo, se desvaneceria no termo da história, propomo-nos descrever, no desenrolar da existência terrestre, da existência econômica como a denominamos, uma relação com o Outro, que não desemboca numa totalidade divina ou humana, uma relação que não é uma totalização da história, mas a idéia do infinito. (Lévinas 1980 39).

A situação estabelece o face-a-face, numa relação em que o Outro é irredutível ao Mesmo, mantendo-se absolutamente separado, embora na

35 experiência do face-a-face, que é a própria experiência da transcendência e da separação, impedindo dessa forma a formação de uma Totalidade (absorção do Outro pelo Mesmo). É o Infinito que sustenta a alteridade, pois entre o Eu e o Outro haverá sempre uma distância insuperável.

As nossas análises são dirigidas por uma estrutura formal: a idéia do Infinito em nós. Para ter a idéia do Infinito, é preciso existir como separado. Esta separação não pode produzir-se como fazendo apenas eco à transcendência do Infinito. Senão, a separação manter-se-ia numa correlação que restauraria a totalidade e tornaria ilusória a transcendência. Ora, a idéia do Infinito é a própria transcendência, o transbordamento de uma idéia adequada. Se a totalidade não pode constituir-se é porque o Infinito não se deixa integrar. Não é a insuficiência do Eu que impede a totalização, mas o Infinito de Outrem. (Lévinas 1980 66).

Lévinas defende, portanto, que idéia de infinito está no homem como uma estrutura formal, posto que o homem existe sempre separado do Outro. Mas tal separação não pode ser meramente espacial ou temporal. A separação de que fala Lévinas é transcendental, é o transbordamento constante do Outro, que não é adequado jamais ao meu pensamento. Se não fosse a capacidade de o Outro transbordar toda e qualquer representação que se faça dele, a alteridade estaria fadada se exaurir, pois o Eu se completaria do Outro.

1.4.3 – O MANDAMENTO ÉTICO COMO FONTE DA