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4.4.1 – A POLÍTICA NA LEITURA DUSSELIANA

A exposição da leitura crítica de Enrique Dussel acerca das condições políticas vigentes no mundo, sobretudo na América Latina segue sempre tendo

118 em mente a necessidade se fazer uma filosofia autenticamente latino- americana e mais, uma Filosofia da Libertação.

Enrique Dussel retroage inicialmente às origens das formações políticas da América Latina, primeiro ponto de partida da reflexão. Importa relevar que, para ele, deve-se distinguir a política de dominação da política antiimperialista, ou política da libertação, vez que a primeira, defende adotando as palavras de Lévinas, “é a arte de prever e de ganhar por todos os meios a guerra” (ELL IV 56), entendendo, ainda, que, na América Latina, o Estado Moderno foi constituído pelo ego europeu, conforme explica:

A tese fundamental da ontologia política latino-americana formula- se da seguinte maneira: a totalidade do ‘sistema’ político de nossas dispersas nações latino-americanas, assim como da América Latina como Totalidade, foram constituídas pelo ‘eu’ europeu (e por seu prolongamento geopolítico do ‘centro’). (ELL IV 58).

Aliás, como em outras civilizações, na América Latina “o relato da origem do sistema político é uma expressão mítica do fundamento ontológico do próprio sistema” (ELL IV 34).

Também como as demais culturas, na América Latina pré-colombiana, o centro do mundo era a “Totalidade Política, o sistema organizativo humano” (ELL IV 34). Mas nem toda a América Latina, como bem o sabemos, tinha essa organização, sendo encontrados facilmente exemplos de sociedades ainda não organizadas politicamente em torno de centros, como por exemplo, os tupi- guaranis, os nômades do Sul, entre outros.

A constituição em torno de um centro e, portanto, identificada com as

altas culturas, só foi verificada nas sociedades Azteca e Inca. “Na Índia

ocidental só foram descobertos dois reinos ou impérios fundados, que é o dos aztecas na Nova Espanha e o dos Incas no Peru” (J. de Acosta, in ELL IV 35).

Dussel atenta, ainda, para o fato de que nessas sociedades organizadas politicamente já havia a relação de dominadores e dominados, conforme escreve:

Nestas totalidades políticas havia, como é de supor, dominadores e dominados. A dialética do senhor e do servo se apresenta sempre ‘Quem és tu? Não é meu irmão nem meu parente. Quem és? Agora mesmo te matarei. Imediatamente encheu-se de espano (Tolgom) [...] Nós te

119 castigaremos, beberemos o teu sangue, disse a Tolgom. Em seguida se rendeu, capturaram-no, foram prendê-lo e chegaram com ele’ (Memorial de Solalá, I, 35, p. 76. in ELL IV 36).

O europeu, inflado pelo “ego conquiro”, chegou à América e se deparou, entre outras, com essa organização. Recebidos como deuses, os espanhóis facilmente dominaram a todos e concretizaram sua façanha. Para os ameríndios, contudo, o processo foi tido com um rito representativo de um desastre cosmológico:

É por isso que “viver a história como um rito é nossa maneira de assumi- la; se para os espanhóis a conquista foi uma façanha, para os índios foi um rito, a representação humana de uma catástrofe cósmica. Entre estes dois extremos, a façanha e o rito, sempre oscilaram a sensibilidade e a imaginação dos mexicanos”. (Octávio Paz, Posdata, in ELL IV 40).

Para Dussel, o face-a-face originário entre o europeu e o índio fez-se, por um instante, mais do que com respeito, com a própria admiração. Todavia, essa relação extinguiu-se rapidamente diante das ações de conquista e exploração.

Para Dussel, o “Eu” europeu formador dos Estados na América Latina, fora constituído, contudo, de uma categoria alijada do centro, isto é, vieram aqueles que não podiam contar nem com os privilégios do cristianismo nem da honra, restando-lhes apenas o ideal de riqueza:

Juntamente com o cruzado partiu também o homem do burgo – afastado da Igreja e do âmbito feudal -, um ‘terceiro homem’, que, não podendo ter seu pro-jeto nem na santidade nem na honra, teve que contetar-se com um ‘estar-na-riqueza’. (ELL I 142).

Assim formou-se a sociedade latino-americana e, mesmo depois das declarações de independência, o que se viu foi a sedimentação da dependência em função da Europa.

Foi com essa consciência mítica real do nativo americano que ocorreu o verdadeiro cataclismo. Assim se estabeleceu a formação política do povo latino-americano, vencido desde o início, oprimido e explorado:

A visão dos vencidos é da mais alta significação simbólica. Virá a constituir a compreensão histórica, primeiro dos índios oprimidos, depois dos mestiços, empobrecidos e imigrantes, camponeses e operários, povo

120 latino-americano por fim. É a visão da história sofrida desde baixo, visão de um povo que no fim sempre esteve em guerra, mas para lutar por outro. (ELL IV 40).

A política latino-americana começou, pois, subjugada aos interesses europeus, estabelecendo-se uma “ordem de dependência e dominação imperial – a cristandade das Índias” (ELL IV 43).

Diante desse processo, formaram-se, paulatinamente, três ciclos de resistência, representados por Enrique Dussel dessa forma:

Primeiro, o ciclo do campo, em que a luta foi constituída entre camponês e oligarquia latifundiária.

Segundo, o ciclo da cidade, onde os operários urbanos lutam contra a oligarquia nacional.

Terceiro, o ciclo revolucionário, em que os movimentos populares lutam contra o imperialismo, perpassando os dois anteriores.

É nesse terceiro ciclo que Dussel identifica o movimento propriamente de libertação. “O terceiro ciclo simbólico atravessa os outros dois, que são de dominação. É o ciclo simbólico da guerra, ou melhor, da revolução, melhor ainda, da libertação” (ELL IV 52).

Refletindo sobre os dois primeiros ciclos, pode-se perceber que são limitados por sua própria natureza e expressam mais a dominação e exploração de uns sobre os outros do que propriamente um movimento libertador, o qual, por sua vez, Dussel entende dar-se mais efetivamente na

revolução. Nesse âmbito, ocorre a disputa entre o todo e a parte, entre o

homem e o Estado totalitário. No entanto, é nesse cenário de derrotas e decepções, de agonia incessante, de vitimação constante do pobre que começa a surgir o caminho da libertação, e a Filosofia da Libertação tem o escopo de ajudar a conduzir o povo nesse novo caminho.

Na avaliação dusseliana quanto à política vigente no séc XX, fica muito evidente que ele vê o mundo organizado pelo sistema centro-periferia, em que os EUA são o centro principal, unidos à Europa, ao Japão e ao Canadá. O restante forma uma imensa periferia a serviço do centro.

Na fronteira internacional, e graças à teoria da dependência e do desenvolvimento desigual, podemos descobrir que há um sistema mundial cujo centro são os Estados Unidos, e com a interdependência relativa a

121 Europa, o Japão e o Canadá. O resto é a periferia (incluindo também a África do Sul e Austrália por enquanto) oprimida; o povo do mundo atual (FL 76).

4.4.2 – A CRÍTICA AOS SISTEMAS POLÍTICOS