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A crescente da Esperança

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3. CAPÍTULO CORRELAÇÃO DE FÉ E Mundo: COMO VIVER OS DESAFIOS DA

3.1 O que é Esperança?

3.1.1 A crescente da Esperança

Assim como o indivíduo que é um ser em movimento, a esperança também, como fenômeno subjetivo intrinsecamente ligado ao indivíduo, tem ou teve seu processo evolutivo. Vejamos a seguir:

O sociólogo e teólogo Henri Desroche (1914 – 1994), apresenta em sua obra “Sociologia da Esperança” (1985)40 a crescente evolutiva da esperança.

Assim como as demais coisas da vida que cada ser humano deve aprender desde o seu tenro nascimento, com a esperança não foi diferente, obviamente logo surge a pergunta: essa informação não contrapõe o parágrafo anterior? Num primeiro momento sim, mas logo entendermos.

O autor faz distinção entre duas vertentes da esperança, muito embora nos pareça que ambas se fundem mais adiante, mas neste momento cabe apresentar e compreender apenas o sentido evolutivo da esperança. Segundo Desroche (1985) a esperança é perceptiva inicialmente em duas vertentes. A primeira ocorre nos “paradoxos da esperança vivenciada num (nos) micromovimento(s) comunitário(s)” (p. 12), que rami fica-se em esperança “selvagem” e esperança “batizada” (p. 13), ambas enquadram-se em tudo aquilo que já apresentamos anteriormente neste capítulo.

A segunda vertente são as “esperanças com teologias que as estruturam e dinamizam” (p. 14) que, por conseguinte, também seguirá por dois caminhos, sendo o primeiro o resultado das “experiências religiosas” que não são relatadas como algo ou feitos de grandes expressões como os tratados teológicos

40 DESROCHE, Henri. Sociologia da esperança. Tradução de Jean Briant. Editora Paulinas. São

(exemplo: Antônio Conselheiro41 no sertão da Bahia); o segundo ramo de

esperança desta raiz é a “esperança que desesperançou dos deuses e o teria eliminado de uma esperança do homem no homem e isso sem recorrer mais a alianças com qualquer “além” do homem.. (DESROCHE, 1985, p. 14). É nesse preâmbulo que vamos seguir.

Expressava-se através das antigas teologias (crença difundida até os dias de hoje) que a esperança seria o resultado de estudos dos fatos psicológicos registrados em sociedades como “estratégia psicossociologia de uma alienação: a do homem com seu Deus”, o que em partes pode ser considerado verdade, todavia, nem sempre foi assim para algumas religiões. Têm-se registros de algumas (mas poucas se considerar quantas religiões e seitas há no mundo) religiões específicas que tinham em seus cultos a esperança como prática fechada em si mesmo, ou melhor, na figura do líder-mor, atribuindo-se os nomes de “esperança obstruída”; e a de “esperança evaporada”.

As religiões que tinham em seus cultos a “esperança obstruída” eram as chamadas “Church and State” (Religiões das cidades), nas quais as “sociedades tornam-se templos onde os deuses constituem como que o fecho de abóbada, para o qual a cidade oferecia o sustento de suas colunas”. Afirma Desroche na seguinte citação extraída da obra “A cidade Antiga” (1864), do historiador francês “Numa Denis Fustel de Coulanges” (1830 – 1889):

Durante toda uma época as religiões chamadas precisamente de religiões da cidade, testemunharam esta cimentação recíproca. A religião cidade – no vértice de sua pirâmide de famílias e de gentes – erigira seus deuses e cleros, no caso os de sua classe patrícia. Supõe- se que os plebeus não têm família religiosa – gentem nom habent – e por isso “uma palavra os caracteriza, eles estão sem culto”. Portanto sem esperança até que posteriormente esta plebe por meio do aparecimento dos cultos de mistérios – entre os quais o cristianismo - tenha direito ao culto e à oração: “A plebe, antigamente multidão sem culto (...) pôde orar; era muito numa sociedade na qual a religião fazia a dignidade do homem” (DESROCHE, 1985, p. 15).

41Figura carismática, adquiriu uma dimensão messiânica ao liderar o arraial de Canudos, um

pequeno vilarejo no sertão da Bahia, que atraiu milhares de sertanejos, entre camponeses, índios e escravos recém-libertos, e que foi destruído pelo Exército da República na chamada Guerra de Canudos em 1896. Fonte: Uol educação. https://educacao.uol.com.br/biografias/antonio- conselheiro.htm

Distintamente nessas religiões, encontra-se também a “esperança obstruída” nas práticas cúlticas do antigo Egito. No período dos faraós.

... por volta do segundo milênio a. C. Só o Faraó monopolizava a esperança que lhe estava aberta por seu direito à imortalidade. Esperança vedada a qualquer outro homem. Esperança permitida à própria plebe a partir desta revolução dos ritos funerários [...] “o fato de que todo defunto egípcio, a partir do Médio Império esteja identificado com o rei e os deuses demonstram uma transformação social, talvez a maior que a história do Egito nos tenha revelado”. Uma religião vedada expande-se. De religião fechada passa a ser uma religião aberta. (DESROCHE, 1985, p. 15, 16).

Esses dois últimos recortes retratam minimamente como o conceito de “esperança obstruída” era exercido pelas religiões que limitava quem, por que e como cada indivíduo poderia ou não ser participante da esperança. Era família, à origem, a posição sociocultural que definia, levando em consideração que a maior parte da população constituía-se da plebe, esperança era emoção subjetiva apenas de burguês (sem nenhuma intenção marxista).

Já a “esperança evaporada”, que igualmente é monopolizada por práticas ideológicas religiosas, segundo o autor, surge posteriormente há uma grande lacuna temporal, num salto entre o mundo antigo e mundo moderno. Essa concepção surge e é exemplificada a partir de uma religião moderna, precisamente no século 19, no advento de “tempos modernos” ou período da revolução industrial no qual surgiam as novas classes sociais (mesmo que ainda formação) dos proletariados. Nesse tempo a “esperança de uma redistribuição das classes sociais e de novos regimes de propriedade como consequência do domínio do homem sobre a natureza” (p. 16) era o que o povo esperava, pois “tal esperança social convive parcialmente com esperanças religiosas nas mensagens das utopias42 socializantes logo naufragadas”.

As recentes descobertas “torna-se então uma esperança que desespera os deuses e consagra suas forças à ciência e à práxis de um socialismo chamado “científico”. Desse ponto em diante a ciência vai ganhando espaço com a perspectiva que seja “ela” a solução para os problemas, e ao mesmo tempo, a pedra fundamental que proporcionaria um “novo começo” igualitariamente justo para todos. Ou seja, por intermédio das novas ferramentas de trabalho

(industrialização), a esperança era até então, vida justa para todos, como resultado, já não precisava esperançar-se tão somente na religião. O que, infelizmente, não aconteceu!

Por consequência, como resultado deste casamento não consumado, a “esperança religiosa” é supostamente o “antídoto indicado, pois é ela que destina ao mal rico “os suplícios eternos” e ao bom pobre “as recompensas da eterna felicidade”. Estaria aí a oportunidade da religião reconquistar o espaço que há muito já vinha ocupando, muito embora não foi o que aconteceu em sua totalidade. Buscou-se retomar a esperança perdida nas duas partes, nem a religião, nem tampouco a industrialização.

Os estados de riqueza e pobreza são, portanto igualmente conforme à vontade de Deus, mas “o estado de pobreza é espiritualmente mais seguro e nobre que o estado de riqueza”. Esperança evaporava como evaporava-se na Inglaterra a esperança do metodismo quando, segundo a palavra do historiador inglês, os pastores ensinavam a paciência enquanto os sindicatos inculcavam a impaciência. (DESROCHE, 1985, p. 17).

Essas definições expressivas que aqui seguem como conceito de esperança torna-se um achado, do ponto de vista da construção evolutiva que ocorreu em volta de tal semântica que, consequentemente alterava-se significativamente, dentro de determinadas culturas (para mais ou para menos) os valores estabelecidos socialmente. Desta maneira, abrem-se margens para compreensão de que o indivíduo era tratado na sua cultura local de acordo com aquilo que a religião postulava a seu respeito. Pode-se dizer que (utilizando uma terminologia de algumas religiões indiana), o sujeito seria tratado de acordo com o valor atribuído a sua casta.

O mesmo autor ainda segue apresentando oito distintas ramificações da esperança, sendo, quatro delas talvez aquilo que podemos denominar de esperanças dinamizadas, são vertentes positivas da esperança. As definições positivas da esperança são

1) A esperança como “sonho em vigília” (p. 18). Essa definição foi colocada na boca de Aristóteles quando perguntado “o que vem a ser a esperança?” e sua resposta, por conseguinte foi: “O sonho de um homem em vigília” (p. 18), muito embora para ele seja questionável tal definição por conta do sonho ser uma “categoria mental tão suspeita de ser vazia que, talvez, não

seja inútil acrescentar a tal garantia uma outra” (p. 19), visto que ambas as definições, esperança e sonho, são fundamentalmente abstratas que não se definem por si só na realidade, mas que, por outro lado a esperança ocupa o caráter metafórico do sonho, mesmo estando acordado, o que deixa de ser um categoria mental enquanto em estágio de sono e passa ser uma categoria da realidade vivencial na perspectiva do futuro.

2) A “esperança como ideação coletiva” (p. 22). Nesta segunda definição a esperança é diluída em três níveis (os quais não vamos apresentar aqui), que em síntese, se constitui através das relações religiosas e que, está na força da religião como instituição. Segundo o autor, “quando o homem vive da vida religiosa, ele acredita participar de uma força que o domina, mas ao mesmo tempo, o sustenta e eleva acima de si mesmo” (p.23), essa força é mantida e constantemente puncionada por meio das liturgias, os cantos, as orações, as partilhas de experiências ultras subjetivas nos espaços cúlticos, etc., fazem com que cada indivíduo se fortaleça na esperança presente de esperar um “algo” maior e transcendente. A ideação coletiva contribui com a dinâmica de vida diária, “abastece, portanto também junto da fé que é antes de tudo impulso para agir” (p. 24).

3) A “esperança como espera efervescente”. Tomada de súbito e de maneira enérgica, a esperança efervescente é capaz de fazer com que o indivíduo execute atitudes exaltadas com ações precipitadas por força de anseios motivados pela espera, isto, aparentemente expressa características negativas, mas que podem ser corrigidas posteriormente. O fator preponderante nesses casos são os possíveis prejuízos que incorrem nos riscos advindos de atitudes tempestuosas, e seus resultados catastróficos e irreversíveis, pois há casos em que:

...a espera é exaltante, mobilizadora, motivante, criadora de “coalescências”, unificadora, desagregadora, fomentadora de energias, de novos impulsos, de resistências, êxodos e hégiras, revoltas e cruzadas, influente no despertar, determinante no caminhar de etnias, grupos sociais, nações ou Igrejas, corporações ou seitas que ela ergue acima de si mesmos numa criatividade cultural inédita. (DESROCHE, 1985, p. 28).

Por fim, a quarta definição de esperança é: 4) A “esperança como utopia generalizada” (p. 29). Muito embora para o autor a palavra “utopia” esteja já

esgarçada do seu real sentido, e mesmo que não estivesse, o conceito de utopia não serve ou não cabe, no seu ponto de vista, para religião. Utopia e esperança são distintas (assim como esperança e fé), encontra-se “em utopia, a esperança de outra sociedade. Em outra esperança, utopia de outro mundo” (p. 30). Desta forma, a “sociedade utópica tem seus transes religiosos; o mundo da esperança, suas implicações terrestres” (p. 30), isto é, a esperança não aliena da realidade, não é uma fuga da luta para a passividade, ou porque não dizer, para omissão. A esperança resiste por se deparar com a realidade dada a cada indivíduo, em cada sociedade, em cada época, subsistir na esperança é se abrir para o mundo mesmo que tudo se mostre contrário.

Por outro lado, há também a concepção de uma esperança desfragmentada negativa, que seria propriamente, como denomina o autor, “os vazios da esperança”. Esses são caracterizados por quatro vieses, os quais apresentaremos apenas por seus títulos, são eles: “o vazio de suas condições ou a esperança frustrada” (p. 33), “o vazio de seus trampolins ou a esperança esvaziada” (p. 37), “o vazio de suas fases ou a esperança burlada” (p. 40), e o “o vazio de sua essência ou a esperança inesperada” (p. 46).

Essas definições sobre o vazio da esperança, embora não abordadas aqui de maneira plena, joga luz sobre os riscos e prejuízos existentes em uma esperança má direcionada. O vazio em um ser, e o ser em um mundo vazio, pode fazer com que aquilo que poderia ser antídoto, torne-se veneno; quando a esperança é uma promessa que não será cumprida, ou um objetivo que jamais será alcançado, o que deve se esperar do mundo?

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