• Nenhum resultado encontrado

O Mundo da Fé

No documento Download/Open (páginas 75-82)

2. CAPÍTULO CORRELAÇÃO, MUNDO E FÉ

2.4 Mundo, Correlação, Ser Humano e Fé

2.4.3 O Mundo da Fé

O que é a fé? E, porque a fé é a correlação entre as ideias de mundo filosófico e o mundo religioso judaico/cristã? Começaremos buscando responder o que é fé?

Parece-nos que, o sentido da palavra fé ganha novos desdobramentos à medida que as civilizações “evoluem”, portanto, deve-se levar em consideração que a pós-modernidade é uma época acompanhada por fenômenos sociais que se alteram constantemente, e entre esses fenômenos, encontra-se também a fé. Contudo, importa aqui fazer uma breve compreensão entre fé e crença. Vejamos! Retrata-se que durante a idade média, não havia ou não se fazia muita distinção entre fé e crença. O resultado produzido por essa forma de pensar criou muita confusão. Mora (2001) afirma que “por “crer” entendia-se “ter fé” (e, às vezes, “ter a fé”), debateu-se amiúde o problema da relação entre crença e

ciência, crença e saber, crença e razão. Também se pode falar, o que é feito com muita frequência, de “fé e razão”23. (Dicionário MORA, 2001, p. 139).

Esse resultado ocorre porque aparentemente há certa aproximação entre os conceitos, e isso pode implicar em certo relativismo, todavia na perspectiva do racionalismo filosófico distingue-se crença por “evidência de princípios inatos” e para o empirismo “crença é adesão à vivacidade das impressões sensíveis”, ainda Mora citando o filósofo David Hume (1711 – 1776), que irá afirma que o “máximo que podemos fazer em filosofia é afirmar que a crença é algo sentido pelo espírito, que discrimina entre as ideias dos juízos e as ficções da imaginação (p. 140).

Baseado nessas breves informações percebe-se que há uma grande distinção entre os conceitos de crença e fé, sobretudo, parece-nos que as implicações contidas no conceito de fé são mais ricas de detalhes e anuências. Isso iremos confirmar ou não posteriormente, mas é importante que se estabeleça aqui o entendimento de que crença e fé é algo distinto. Fé, segundo o dicionário Oxford de filosofia, define-se como...

A convicção, resultante de um ato voluntário da vontade, na verdade de uma doutrina. Segundo os *fideístas, que, aliás, são crentes, esse ato pode ser louvável (e a recusa em realizá-lo pode ser um erro ou até um *pecado); segundo outros, pode ser igualmente pecaminoso ignorar o que a razão (que é em si mesma dádiva divina) nos oferece, quando esta nos ordena a suspensão do juízo24. (BLACKBURN, 1997,

p. 144, 145).

Esta definição de fé como uma doutrina não faz juízo à relevância deste conceito, como também evidencia claramente que o fato de não possuí-la, o indivíduo, pode estar pecando, mas contra quem? (Não vamos discutir o conceito de pecado aqui, mas esta definição não estaria mais próxima da ideia crença?). Outrossim, mostra-se aqui a fé que pode ser alcançada pela razão, mas que ao mesmo tempo também encontra-se atrelada a ideia de pecado para os que não a tem. Talvez essa definição esteja mais próxima do conceito jurídico de “crime e castigo”, pois encontra-se cunhado na linguagem jurídica, o significado de fé como credibilidade que se manifesta por intermédio de “fato ou documento que

23 Grifos do autor

se funda”. Isto significa que fé, no vocabulário jurídico pode ser definida da seguinte maneira:

... o vocábulo fé possui amplo conceito: indicando o crédito, que deve ser atribuído a tudo a que se refere, demonstra a própria validade e autenticidade do fato ou do ato em referência. [...] Fé. Nas expressões boa-fé ou má-fé, possui precisamente o sentido de crença ou segurança da verdade a respeito de certos fatos. Quando essa crença ou convicção interior, é que a verdade é, tal qual, a que se apresenta, diz-se de boa-fé, porque por ela se age. Importa em lealdade, lisura, no modo de agir. (Vocabulário PLÁCIDO e SILVA, 2006, p. 605).

Veja que esse conceito jurídico de fé está próximo da definição antecedente. Entender a fé como um sistema fechado, conforme exposto acima, como algo autêntico, como crença ou segurança da verdade, igualmente não corresponde a totalidade da fé. Temos como hipótese que a fé é algo mais fecundo, ao passo que ela pode ser apercebida com características firme, porém não estática. É possível que através da fé seja praticável transpor as barreiras ou as dificuldades do existencialismo humano, quer seja subjetivo ou real, mas para isso devemos seguir a diante. Busquemos agora algumas definições de fé nos dicionários de religião.

Segundo o dicionário Jesus de Nazaré25 (2006, p. 436) “a fé está na

origem da vida religiosa, e é uma das espinhas dorsais do evangelho”26 (p.436).

Embora essa definição ressuma-se ao entendimento judaico/cristã, o ato de ter fé não é diferente para o budista, hinduísta, confucionista ou para o cristão, o que difere de uma para outra é apenas o caminho proposto a seguir, o que não é tão simples assim. Parafraseando o escritor aos Hebreus27, “sem fé é

impossível agradar os deuses”

Percorrendo um pouco mais, encontramos no Dicionário Brasileiro de Teologia (2008), outra definição baseada no conceito judaico/cristã para a palavra fé, que se dá de duas maneiras. Primeiro, como uma relação muito bem fundamentada entre sujeito e objeto por meio da semântica aman, com a definição de “ser firme, estável, confiável” (p. 442). Nesta relação a estabilidade é encontrada na divindade como o objeto da fé, pois a mesma é imutável, e o sujeito, por sua vez, é o indivíduo que mesmo com suas variações necessita de

25Título original: DICCIONARIO DE JESÚS DE NAZARET.

26La fe está en el origen de la vida religiosa y es una de la líneas vertebradoras del evangelio. 27 Texto bíblico que diz: “Ora, sem fé é impossível agradar a Deus...” Hebreus 11:6.

algo invariável para garantir seu futuro incerto. Isto pode ser visto na junção do Antigo com o Novo Testamento. A fé aparece nos discursos da vida pública de Jesus com uma nova roupagem, como descrito em Marcos (1: 15), “o reino de Deus está chegando”, nesse novo desabrochar, a fé ganha centralidade, não apenas em Deus, mas no seu reino expresso na figura do crucificado por intermédio da sua morte e ressurreição28, o que significa que para os cristãos, fé

só em Jesus. Contudo, Jesus tornou-se ou tomou o lugar de objeto da fé, e sua definição mais acunhada é a de Hebreus (11: 1), “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não veem”, ou seja, Jesus e suas promessas. Mas o que isso representa? Seguindo ainda a definição do mesmo dicionário, “a fé já é o início da hipostatilização da esperança no tempo e no espaço”, isso torna evidente que a fé só pode ser exercida, segundo o costume judaico/cristã nesse tempo presente, compreendendo assim, a fé, é, em última instância a mola propulsora para se alcançar o eterno, a infinitude, visto que a própria eternidade é uma esperança para o futuro além do tempo, nessa tradição e crença a eternidade é livre das correntes do tempo e do espaço. Todavia, como já apontamos anteriormente, a fé não é “algo ou prática” inerente apenas aos cristãos ou religiosos (muçulmanos, budistas, hare krishna, etc.), a mesma, também circunda de maneira sobre posta nas culturas de religiões popular de matrizes Afro ou até mesmo em rezas inventadas sobre determinadas circunstâncias. Vejamos o que diz o dicionário da Religiosidade Popular, organizado por Frei Chico.

Fé Popular ou Fé do Povo, e a “fé como foi passada ao povo por seus antepassados, pessoas boas que celebravam seus rituais e criavam seus costumes no cotidiano da vida familiar e grupal [...] esta fé é popular nos campos: social (os materialmente pobres), cultural (os chamados “incultos”, com menos acesso a cultura acadêmica) e eclesial (marcados por uma certa independência da instituição e sua teologia. A fé do pobre está diretamente ligada à sua experiência religiosa atual. (FREI CHICO, 2013 p. 407).

Em uma análise mais especifica na cultura da América Latina, a teóloga argentina Adela Helguera, afirma que:

24 Não é nossa intenção entrar em discussões teológicas a cerca deste tema, mas apenas mostrar uma das formas de compreensão de fé no Novo Testamento.28

Os ritos, festas, costumes dos nossos povos refletem sua consciência dos mistérios da vida, seu desejo de participação nesse mistério e também os caminhos pelos quais, como sujeitos de sua história, tencionam redimir a dor, transformar a morte em vida. (HELGUERA, 1984, p. 49).

Isto é, a capacidade inerente ao ser humano de pensar e refletir a respeito das imprevisibilidades da vida que faz com que o indivíduo nutra em si mesmo uma fé natural que seja capaz de motivá-lo a viver esperançosamente dia a pós dia.

A ação da fé não está condicionada a dogmas e paradigmas religiosos, portanto é naturalmente compreensível que pessoas ou povos desenvolvam artifícios29 capazes de produzir fé entre si.

Mas no lapso do tempo parece que a fé vai se perdendo. Nos dias atuais (pós-moderno), por intermédio das grandes invenções e inovações que eclodem sempre visando e direcionando toda sua criação para o futuro, não só a fé, mas muitas coisas vão se perdendo e entre elas, perde-se similarmente a ideia de mundo. Rosa (2013) afirma que “enquanto a pré-modernidade se construiu, basicamente, no saber do passado, e a modernidade nas propostas do futuro, a pós-modernidade está focada no presente, descartando as tradições com as utopias”, e isso ocorre exatamente neste período considerado como pós- modernidade.

Uni-se aqui dois problemas, o primeiro é uma preocupação que Hartmut Rosa (2013) formula na introdução do seu livro Alienação e Aceleração que há uma “aceleração tecnológica, aceleração da mudança social e aceleração do ritmo da vida” (p. 13–22), em outras palavras, que há um impacto muito direto entre o nosso cotidiano e o fenômeno chamado aceleração do tempo. Esta percepção também se aplica para o cotidiano religioso, isto é, que a aceleração

29 Por exemplo: no estado de Minas Gerais: Contava as pessoas mais antigas e posteriormente

também foi registrada no Dicionário da Religiosidade Popular (2013 p. 408), que um viajante ao chegar a uma casa para pedir dormida, o dono diz que não há dormida, ao ouvir a resposta o viajante vira as costa e sai, neste momento o dono da casa diz: minha mulher está para dár à luz, o senhor sabe alguma reza que possa ajudá-la? Responde o viajante: sei! Traga um papel e lápis que vou escrever. Ao escrever ele diz ao dono da casa que não leia a reza, mas que coloque em uma bolsinha e coloque a mesma no pescoço de sua senhora na hora do parto, assim fez o dono da casa. Essa prática deu tão certo que a oração naquele papel escondido dentro daquela pequena bolsinha percorreu muitas casas nas horas de parto, ajudando a muitas mulheres, até o dia que alguém resolveu abrir e ler o que estava escrito. E assim dizia a oração: “eu achando arrancho para mim e pasto para o meu cavalo alazão, eu que me importo se a mulher vai parir ou não”, consequentemente a fé naquela oração findou-se ali.

do tempo está impactando de uma forma profunda nas práticas da vida religiosa, e que isso causa um efeito bastante desestabilizador provocando incertezas, porém, de uma forma quase trágica o fenômeno não é relacionado com a aceleração do tempo.

O que caracteriza esse fenômeno para Rosa (2010, p.16) são os “sistemas imperativos” caracterizados através das sociedades “capitalistas modernas”, que estabelecem nas sociedades de forma geral, desde nível micro ao macro, normas temporais como prazos e regulamentos que faz com que o convívio sócio-estrutural e sócio-cultural seja ritmado não apenas pelo ritmo natural da vida, que também já foi alterado pelo ritmo cronológico, o ritmo do relógio, mas por meio de um regime temporal, assim o tempo parece pertencer apenas à esfera da natureza e não da cultura.

Por outro lado, o fenômeno de tempos transitórios como épocas de mais instabilidades e incertezas não são desconhecidos nas religiões, e o que nós temos são inúmeras tentativas de responder a eles. Segundo a nossa percepção isso se faz com certa frequência e especialmente a partir da reformulação do que significa a fé cristã.

Partindo da perspectiva da aceleração do tempo dentro da reflexão de Rosa (2010, p.21), acredita-se que a aceleração da pós-modernidade, provoca e acarreta no ser humano a incerteza (porque a cada dia perdem-se as delimitações de fronteiras, tudo é relativo), a insegurança (na insegurança se perde as utopias, meu avô exercia tal ofício, meu pai também, e eu, faço o que com a minha vida profissional?), resultando no medo (medo do amanhã, medo do futuro, medo da vida...), tudo se apresenta como perigo e armadilhas oportunas da aceleração da temporalidade. Deste modo, teria como única finalidade a vida para a morte e a morte como desalento da vida?

Fatores preponderantes como esses, que em sua maior parte é “invisível, despolitizado, indiscutido, sub-teorizado e desarticulado” estão e influenciam na vida social e cristã dos indivíduos que convivem em comunidades religiosas, ou seja, são ações funcionais tendenciosamente mascaradas que consome ou rouba o tempo da vida do indivíduo dentro do seu próprio tempo cronológico, e isso por sua vez altera também a qualidade do tempo biológico.

Algumas perguntas norteadoras surgem aqui. O que classifica a atual época como pós-moderna? O que alterou nas relações sociais? O que esperar

do futuro? Para o ser humano, ao lançar-se sobre o desconhecido futuro não lhe precisaria como último obstáculo enfrentar a angustiante finitude da sua existência, mas sim esperançar-se sobre a fé de que haverá uma continuidade como um novo começo sem um regime fechado, conforme o pastor luterano Dietrich Bonhoeffer30 ao caminhar para a morte falou sua última “mensagem para

seu amigo inglês, o Bispo Bell: Este é o fim – mas para mim, o início da vida”. Essa fé que é impulsionada através da religião protestante para além daquilo que é perceptivo; a fé seria a resposta última para o conflito existencial ocasionado pela aceleração da temporalidade na pós-modernidade.

Contudo, para analisar tal característica da chamada pós-modernidade no próximo capítulo analisaremos as prerrogativas de transição que se constitui nas teorias do sociólogo Bauman, posteriormente, buscaremos entender qual poderá ser (ou não) a possível contribuição da fé.

30In: Dr. Geffrey B. Kellyé professor de teologia sistemática na La Salle University, na Filadélfia,

e autor de “Liberating Faith: Bonhoeffer'sMessage for Today” (Augsburg, 1984 - Liberando a fé: a mensagem de Bonhoeffer para hoje). <http://www.cristianismohoje.com.br/artigos/historia-da- igreja/a-vida-e-a-morte-de-um-martir-moderno> Acessado em: 23/03/2016.

3. CAPÍTULO - CORRELAÇÃO DE FÉ E MUNDO: COMO VIVER OS

No documento Download/Open (páginas 75-82)