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A Fé que Produz Esperança

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3. CAPÍTULO CORRELAÇÃO DE FÉ E Mundo: COMO VIVER OS DESAFIOS DA

3.1 O que é Esperança?

3.1.2 A Fé que Produz Esperança

Aqui correlacionamos os desafios do mundo pós-moderno com a fé. O mundo como morada do ser dentro da história temporal de cada indivíduo, desvela-se em formação diariamente, o que consequentemente dia após dia através das novas informações producentes somos desafiados a derrotá-los, mais que isso, esses desafios nos lança ao paradoxo brutal do dissabor dos riscos constantes do naufrago da esperança, então para prosseguir na esperança se faz necessário a companhia da fé. Não uma fé estática

engessada, anêmica, mas sim uma fé intensamente resistente que seja capaz de produzir frutos até mesmo diante da morte, uma fé que coloca homens e mulheres a esperançar-se para além do transcendente. Mas para tal, essa fé precisa ser vivamente relacional.

A fé se apresenta como a base sólida estabelecendo correlação do indivíduo com o mundo, mesmo sendo ela, a fé, imaterial, abstrata, subjetiva, pode se dizer que seus resultados são reais. Os desafios das décadas passadas não são os de hoje, assim como os de hoje não serão os de amanhã etc., contudo, suscita-se (aqui) a crença que a mesma fé que superou os desafios com e por meio da esperança permitindo que a humanidade chegasse até os dias de hoje, como tal, a mesma poderá proporcionar a superação dos desafios atuais em relação ao futuro. Em contra partida, levanta-se a hipótese de que, na contra mão do interregno, seria a fé uma possível resposta para superar os desafios que surgem em tempos de incertezas? Vejamos os desafios a enfrentar diante do mundo líquido pós-moderno de Bauman.

Retomando o pensamento de Bauman, elencamos cinco desafios dessa época, que fazem frente (segundo ele) a humanidade, colocando-a à deriva no “estado de interregno”, aonde o sólido não esvaiu-se por completo, e tampouco, se estabeleceu a liquefação plena na temporalidade pós-moderna, tal qual o autor denomina de “tempos líquidos”.

Na obra “Tempos Líquidos” (2007), o autor faz cinco apontamentos iniciais daquilo que ele considera os principais fenômenos motivadores de novos ambientes e consequentemente está gerando uma série de novos desafios. O primeiro fator preponderante é a mudança da fase (1) “sólida para líquida” (BAUMAN, 2007, p. 7), que ocorre pelo fato das organizações sociais não serem capazes de manter sua forma por muito tempo; em segundo lugar a ruptura entre (2) “poder e a política”, resultante do surgimento do Estado moderno fortalecendo a globalização, ou seja, “grande parte do poder de agir efetivamente, antes disponível ao Estado moderno, agora se afasta na direção de um espaço global”. (BAUMAN, 2007, p. 8).

Em terceiro lugar, o encolhimento da (3) “segurança comunal” que é um dos grandes fatores preponderantes da pós-modernidade e consequentemente produtor de desestabilidade subjetiva na rede da segurança social que, para manter-se necessita de grande investimento de “tempo e força”, o que em via de

regras não ocorre, mas “se tornam cada vez mais frágeis e reconhecidamente temporais” (BAUMAN, 2007, p. 8), e isto é chancelado pelo Estado.

O quarto aspecto é (4) “o colapso do pensamento, do planejamento e da ação a longo prazo”, isso significa que, segundo o autor, aquilo que poderia ser pensado e tratado com antecedência e que possivelmente seguiria com uma cadeia de eventos capaz de dar suportabilidade para vida comum, não ocorre, pois a mesma necessita de “desenvolvimento, maturação, carreira ou progresso (todos sugerindo uma ordem de sucessão pré-ordenada)”. (BAUMAN 2007, p. 9).

Por fim, em quinto o sociólogo constata que a: (5) “responsabilidade em resolver os dilemas gerados por circunstâncias voláteis e constantemente instáveis é jogado sobre os ombros dos indivíduos”. (BAUMAN, 2007, p. 10).

Em síntese o resultado esperado é que o indivíduo esteja apto a lidar com todas as possíveis variantes produzidas na sociedade a qual ele está inserido, e ao mesmo tempo tenha a capacidade de lidar com resultados que (que de uma forma ou de outra), irá impactar na sua vida pessoal (ainda que não seja escolha própria) dessa maneira, produzindo assim frustração, insegurança, incerteza e medo.

É possível que esse resultado reverbere desencadeando-se em produzir indivíduos neuróticos incapazes de absorver e estruturar uma compreensão social da temporalidade, isto é, como resultado último essas pessoas (possivelmente) não serão hábeis a lidar com as mudanças do seu tempo entrando assim, em um ciclo de continuo desespero. “Desespero” no sentido agravante de crises sociais produtora dos fenômenos subjetivos já apresentados. Diante disto a fé desempenha um papel fundamental como ponto de convergência em correlação com o indivíduo e o mundo.

Por certo, a funcionalidade da fé exige uma reação correlativa do indivíduo com o mundo. Fé como certeza fechada em si mesma, não pode ser capaz de produzir resultados satisfatórios nem para o indivíduo que busca exercê-la, tampouco, é eficazmente produtiva para exercer mudança. Isto posto, deve haver o esclarecimento de qual tipo de fé nutre a esperança para vencer os desafios desse período de interregno.

Constata-se que a fé é um dos termos religiosos mais comuns, porém também é um dos mais mal compreendidos, conforme afirma Finley (2004, p.

10). Na língua portuguesa uma pequena palavra composta por duas letras, mas que pode produzir um efeito potencialmente positivo para quem a aplica na vida, e desesperador para quem insiste em viver sem ela.

Presente em todas as religiões e além delas, entretanto contém inúmeras nuances de significados, por exemplo, nos termos jurídicos cunha-se “dar fé”, quando afirma-se com verdade. No cotidiano, para pessoas confiáveis “boa fé”, quando não digna de confiança, “má fé”. Assim a palavra “fé” torna-se comumente usada na vida diária não ocupando apenas os espaços sagrados e/ou as práticas litúrgicas.

Todavia, com o passar dos tempos novas configurações surgiram em torno do conceito semântico correspondente a fé, isso de acordo com a religião (ou seitas) e o período da história que se seguia. Exemplo disso é a possibilidade de pesquisar em diferentes dicionários (como apresentamos no primeiro capítulo), e encontrar variáveis que se aproximam e/ou se afastam na perspectiva de sua definição primária, mais que isso, no arcabouço de uma mesma religião (protestantismo), pode-se encontrar diferentes definições teológicas que tencionará para áreas especificas de pesquisas de acordo com interesse de quem a descreve, quer seja resenha, artigos ou obras clássicas acerca do tema. Compete, portanto perguntar: o que é fé? Ou, o que a fé não é? Finley43 (2004) observou dez relevantes fatores acerca daquilo que não

seria fé. Ele vai dizer que fé “não é uma aspirina espiritual” (p. 11), não é possível tê-la para rápidas soluções de problemas; “não é fonte de conhecimento secreto” (p. 27), aonde só pessoas de altos níveis sociais, culturais, ou gêneros específico são capazes de seus segredos; é “uma ideologia” (p. 39), alienante classicista de pessoas marginalizadas que não podem viver de acordo com os construtos da realidade; tampouco “é um cobertor de segurança” (p. 53), para livrar-se da triste realidade social de um país em crise; ou “uma cláusula de salvaguarda ou uma brecha” (p. 65), constituídas por leis meritocratas.

Acrescente-se a lista de que a fé “não é uma muleta” (p. 79), para indivíduos vítimas de quaisquer circunstâncias; a fé não é “a solução para todos os problemas” (p. 91), como gênio mágico de um conto infantil; por conseguinte, “não é uma forma de escapar da morte” (p. 103), para anular aquilo que é única

43 FINLEY, Mitch. O que a fé não é. Tradução de Cecília Camargo Bartalotti. Edições Loyola.

certeza que temos em vida; “não é a resposta para todas as perguntas” (p. 115), que poderiam trazer alívio para as aflições da vida; e por fim, a fé não é “oposto da dúvida (p. 127), para ter que escolher entre uma e outra. Ao que se parece nada disso é fé. Então, o que é fé?

Portanto, na perspectiva de Finley, a fé (e especificamente a fé cristã), está condicionada ao “mistério de encontro humano com Deus no cristo Ressuscitado” e pode ser compreendido em duas partes, objetiva “como verdade revelada naquilo que se acredita”, e subjetiva “compromisso subjetivo e pessoal com Deus [...] possibilitado pela ajuda do Espírito Santo”. (FINLEY, 2004, p. 137, 138).

Outra definição de fé encontra-se na obra O que é fé? (2005) do teólogo Oswaldo Ribeiro44 (2004). O autor apresenta fé da seguinte forma:

“Fé” é uma palavra plural: fé como “ensino”, fé como “encontro”, fé como “encanto”, fé como “entrega”. Tão pequena, contudo tão grande! Tão simples, contudo tão complexa! Pequena como palavra, grande como expressão humana. Simples como expressão da vida, complexa como mediadora das relações do homem e da mulher com Deus, com a vida, com os outros homens e mulheres. (RIBEIRO, 2005, p. 15).

Seguindo do ponto de vista que há inúmeras correntes teológicas, e que o conceito “fé” se altera em conformidade com cada uma delas, apresentaremos duas vertentes distintas: a fé fechada em si mesma (denominamos aqui de fundamentalista); e fé aberta para além de si mesma (que se relaciona com a cultura/mundo).

Pensar a fé a partir do ponto de vista fundamentalista45, remete há uma

perspectiva mais primitiva. Segundo Correia Lima (2009), tal conceito (fundamentalista) surgiu nas igrejas presbiterianas no final do século 19, se estruturando nas primeiras décadas do século 20, com o intuito de combater as ciências naturais e humanas que estavam em evidência nesse período e mais

44 RIBEIRO, Oswaldo Luiz. O que é fé? Editora MK. Rio de Janeiro: 2004.

45 “A doutrina fundamentalista está intrinsecamente ligada a uma precisa visão de mundo, cujos

pontos básicos são o dualismo e a escatologia iminente. Partindo do antagonismo entre fé e modernidade, o fundamentalismo é marcadamente dualista: o “mundo” é o âmbito da ação do demônio e está destinado à perdição eterna; a comunidade dos crentes é o lugar onde Deus exerce seu domínio e leva à salvação. Este dualismo expressa-se em três âmbitos: 1) como oposição entre duas formas de vida: bem ou o mal [...] 2) como oposição entre a vida atual, terrena, de lutas e sofrimentos, e a vida eterna, feliz e plena [...] 3) como oposição entre convertidos, crentes, de um lado, e pecadores, de outro, a qual conduz a um radical separatismo”. (LIMA, 2009, p. 342).

que isso, causava “uma crise cultural e religiosa” (LIMA, 2009, p. 333). Sua principal característica era combater tudo aquilo, que segundo eles, caminhava contra a inspiração literal da Bíblia e sua infalibilidade.

Deste modo, “as descobertas sobre a formação da terra que, colocavam em questão a cronologia baseada em Gênesis; a teoria evolucionista era posta como alternativa aos relatos bíblicos da criação” (LIMA, 2009, p. 333), embora os fundamentalistas tenham elaborado uma série de pontos de vista acerca do que eles entendiam na época e ainda entendem nos dias atuais, como defesa em prol do evangelho.

Ao examinar a “interpretação da Bíblia na igreja” os fundamentalistas verificam primeiramente se, “na perspectiva teológica, acentuou a experiência interna da fé em detrimento de um conteúdo objetivo da mesma”, em segundo lugar, se a “centralização da fé em formas consideradas originais, com claro interesse pela volta ao ponto de início (os dados fundamentais da fé)” (LIMA, 2009, p. 339), isso significa que para eles a relação entre fé e objeto da fé, no caso Deus, só pode existir de acordo com que a Bíblia expõe e nada mais que isso.

Nessa interpretação, se houver uma aceitação por parte de determinada igreja ou comunidade cristã de estabelecer, nem que seja minimamente um diálogo acerca das novas teorias, ideologias ou “avanços da época moderna”, essa tal estaria “traindo a fé”. Ainda convém lembrar que o ápice do fundamentalismo é o oposto da proposta de “Tomas de Aquino” (1225 - 1274), levando em consideração que para Aquino, a fé caminha junto com a razão, para os fundamentalistas “exalta, nesse sentido, a fé em detrimento da razão”. (LIMA, 2009, p. 351).

Em contrapartida, porém, naquilo que concerne a fé como um sistema aberto, apresentaremos um breve trecho de uma carta enviada pelo teólogo Oskar Pfister (1873 – 1956), ou psicanalista e ateu convicto Sigmund Freud (1856 – 1939)46, dizia Pfister: “ainda tomamos nosso fogo da fogueira acendida

por uma fé de milhares de anos, aquela fé cristã que também foi de Platão, de que Deus é a verdade e que a verdade é divina” (PFISTER, 1927, p. 150). Esse

46 Ambos estabeleceram diálogo entre os anos de 1909 a 1938. No dia 24 de novembro de 1927,

Pfister responde uma carta enviada por Freud em 22 de outubro do mesmo ano, Pfister, um pastor protestante que se refere a Freud como o “amado adversário”.

recorte demonstra que entre ambos havia acentuadas discrepâncias naquilo que fé e/ou religião representava para eles, entretanto, é nisto que concerne pensar/exercer a fé como um sistema aberto, é estabelecer diálogo mesmo quando há aspectos divergentes ou dúvidas, visto que a dúvida por ser compreendida como oportunidade de mergulhar no conhecimento daquilo que tange a respeito da própria fé, é uma oportunidade de desvelar, de ir além acerca da criação e do seu criador para quem crê assim, ou apenas estabelecer diálogos e saberes sobre questões que permeia o imaginário coletivo.

A respeito da fé Finley (2004), irá constatar que “seria possível dizer que a fé, quando a olhamos com mais atenção, inclui as características tanto do saber como de duvidar, pois a fé nunca tem uma visão acabada da verdade” (FINLEY, 2004, p. 129). De igual modo, percebe-se na “Suma teológica de Tomás de Aquino” (1942), na segunda sessão (que já havíamos comentado anteriormente), acerca da “natureza da fé” que inicia com a seguinte questão: “que coisa é a fé?”, diga-se de passagem que sua resposta consolida o casamento de fé e razão como algo intrinsecamente ligados, afirma ele: “uma virtude sobrenatural, por cujo influxo o entendimento adere irrestritamente e sem temor de errar a Deus, como fim e objeto da eterna bem-aventurança, e às verdades por Ele revelados, posto que as não compreenda” (AQUINO, 1942, p. 67). Isto é, para ele a fé se movimenta e cresce pela influência da razão e não como muitos acreditavam ou ainda acreditam até os dias de hoje que fé e razão não podem coabitar no mesmo ser, e que como tal com natureza distintas, contrapõem-se uma a outra.

Tillich apresenta sua concepção de “fé” na obra “Dinâmica da fé (Dynamics of Faith, 1957), tornar-se base suplementar plausível para dar resposta às mazelas produzidas pela aceleração da temporalidade mediante os desafios do presente/futuro apresentados por Bauman.

Antes de aprofundarmos na obra Dinâmica da Fé (1974), dois pontos importantes devem ser esclarecidos por meio da sua obra de Teologia Sistemática (2005). Paul Tilllich apresenta esclarecimentos acerca da fé (fé e ceticismo histórica), nessa peripécia a discussão está em torno da aceitação do Jesus histórico através da fé, que também pressupõem alguns riscos. Entretanto, o que nos é útil são dois fatores, como já foi anunciado. Primeiro, a fé como fundamento estático do/no Novo Ser, que por sua vez rompe a alienação

existencial, embora esteja dialogando acerca do Jesus histórico, surge a questão suprema sobre as garantias da fé. O que é que a fé pode, exatamente, garantir? Essa pergunta tem um tom sempre atual, visto que as garantias da fé implicam, segundo Tillich, em risco, coragem e dúvida como veremos posteriormente, contudo, a resposta que ele dá para essa pergunta é:

E a resposta inevitável é que a fé pode garantir tão-somente seu próprio fundamento, e o aparecimento daquela realidade que deu origem à fé. Esta realidade é o Novo Ser, que vence a alienação existência e, portanto, torna possível a fé. Só isso a fé é capaz de garantir precisamente porque sua própria existência é idêntica à presença do Novo Ser. A própria fé é a evidencia imediata (não mediada por conclusões) do Novo Ser dentro e sob as condições da existência. (TILLICH, 2005, p. 403).

Mas o que isso significa? Deve-se levar em consideração que a proposta de fé que o autor sempre coloca em dialogo é a da fé cristã, por conseguinte tal fé só pode ser evidenciada na pessoa do Novo Ser em Jesus, isso significa que na pessoa do Cristo há uma ressignificação de tudo aquilo que vinha até então sendo expressado, dentro do eixo de compreensão que há muito se apresentavam ao longo dos anos que o antecederam. Como resultado tem-se a consciência diretamente, sem interrupção da transformação, ou melhor, da elevação de um estágio inferior para outro, novo, maior e mais além daquele que até então se conhecia. Mesmo que depois Tillich diga que a fé é inata do ser humano (como veremos adiante), o ser humano como finito anseia pelo infinito que resulta no ato da “realização última”, que constitui-se no estado de estar “possuído por aquilo que nos toca incondicionalmente”.

O segundo ponto é que, Tillich retoma o conceito de Analogia entis, fazendo uma ponte dialogal com Analogia imaginis (analogia entre a imagem e a vida pessoal efetiva da qual surgiu a imagem), o que é relevante aqui é que no

Analogia entis (como na Analogia fidei e na Analogia imaginis), não são “não

como um método para conhecer a Deus, mas como uma forma (na verdade, única forma) de falar de Deus. Em ambos os casos, é impossível ir além da analogia e afirmar diretamente aquilo que só podemos afirmar indiretamente. (TILLICH, 2005, p. 404).

Esse segundo ponto torna-se essencial antes de seguirmos a diante porque como parte daquilo que compõe a fé (realização última) tem por resultado que a “fé, por sua própria natureza, implica em um elemento de risco” e que por

conta disso, “o risco da fé consiste em que ela poderia afirmar um símbolo errôneo de preocupação última, um símbolo que na verdade não exprime ultimidade (o deus Dionísio ou a própria Nação) (TILLICH, 2005, p. 406), portanto, cada indivíduo que desfruta do seu breve existir, pode incorrer no risco de não ter por objeto de sua fé um falso Deus, um falso elo de esperança que não trará alívio as angústias da existência. Retomaremos essa questão mais adiante.

A tônica da fé Tillichiana sobressai as demais até aqui expostas, porque o autor conceitua e apresenta uma compreensão que se inicia (a princípio) na religião, mas que não se limita a ela. Quando busca exemplificar a fé por meio da religião, sua base é da religião Judaica. A partir de relatos do Antigo Testamento, essa fé tem por característica o anseio pelo “incondicional na exigência, ameaça e promessa” (p. 6). No judaísmo esses três fatores não são recorrentes do poder emanado da política apresentada por um Estado-Nação (como apresenta Bauman), nem de relações ocasionadas por tratados (no mundo antigo) com outros reinos, mas sim por meio do relacionamento estabelecido entre o povo e a divindade que eles creem e servem.

Percebe-se então aqui, a distinção entre o Estado-Nação apresentado por Bauman, e o poder da Nação (no período Judaico ainda não havia ocorrido a formação dos Estados) apresentado por Tillich. Se no mundo moderno e pós- moderno a esperança e a fé de livrar-se das angústias em relação ao futuro (e a finitude) vinham por meio das forças industriarias, técnicas, tecnológicas, e do poder imanente do capitalismo, na atual circunstância estão se deteriorando. Na Nação (povo) judaica essa relação se estabelece por outro viés, a saber: indivíduo e divindade. Tillich constata que:

Mas aquilo que interessa incondicionalmente não é a Nação47 [...] o

que, porém, preocupa incondicionalmente é o Deus da justiça, que é chamado de Deus Todo-Poderoso, o Deus de toda criação, porque para todo homem e para cada povo encarna a justiça. Ele é a preocupação incondicional de todo judeu devoto, e por isso em seu nome é proclamado o mandamento de maior eminência: “Amaras o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de toda a tua força” (Dt 6, 5). Nisto está expresso o que quer dizer preocupação última, estar possuído incondicionalmente, e é desse mandamento supremo que deriva o conceito da “preocupação última”, ou do “que nos preocupa incondicionalmente”. (TILLICH, 2005, p. 6).

Torna-se perceptível o início estabelecido por Tillich acerca do caráter de fé, a relação religiosa da fé por meio de “estar possuído por aquilo que nos toca incondicionalmente”.

Para Tillich fé é “como estar possuído por aquilo que nos toca incondicionalmente”. (TILLICH, 1974, p. 5). Esta concepção Tillichiana inicia-se através do caminho religioso (como já apresentado), mas também amplia-se de forma considerável para o campo da cultura social. Sua essência é a “realização última” que transpõe a religião, porque cada ser humano está ou encontra-se inevitavelmente ligado ao incondicional.

O incondicional na vida de cada indivíduo se estabelece por meio das relações sociais, mas que ao mesmo tempo transcende, ou seja, é no fluir da vida cotidiana e nos desafios de uma existência angustiante que é fruto da realidade gerada e geradora de problemas e questões, que a mesma não consegue solucionar, que por si só não dá conta de tais demandas, que fazem

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