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A Fonte da Fé

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3. CAPÍTULO CORRELAÇÃO DE FÉ E Mundo: COMO VIVER OS DESAFIOS DA

3.2 A Fonte da Fé

Com sua funcionalidade transcendente na totalidade do ser, compreendendo que a fé não é apenas um construto religioso, pergunta-se então, de qual fonte emana seu existir? A resposta encontra-se no interior do próprio ser, nele consiste a fonte da fé. Neste sentido, aponta Tillich que “a fé é um ato integral procedente do centro do eu pessoal, no qual percebemos o infinito, e por ele somos possuídos” (TILLICH, 1974, p. 10), disto o autor suscita outra pergunta: “Mas o que é a fonte dessa preocupação [fé] que tudo engloba e tudo transcende?” (p. 10), sua resposta fundamenta-se por dois caminhos estabelecidos pela “preocupação incondicional”, que segundo Tillich, como “dois lados de um relacionamento: ela mostra para aquele que por ela é possuído como para aquilo que o possui. Daí resulta que precisamos nos conscientizar da situação do homem como tal por um lado, e do homem em relação com seu mundo por outro. (TILLICH 1974, p. 10). Essas são as duas formas demonstradas pela fé, entre quem a possui (o ser humano) e para aquilo que o possui (o mundo).

Esse mostrar-se se classifica como uma relação do ser humano no mundo que habita e a percepção do finito com o infinito. Mas o que isso representa? Isto expressa através da preocupação última, o âmago da natureza do ser, que mesmo sendo finito e limitado não se contém apenas com as coisas finitas, mas está sempre buscando transcender, ir além. Mesmo sendo efêmero em todas as suas atribuições (nas experiências, nos desafios, nos pensamentos), não há em atributos ou capacidades atemporais que por si só correspondam as solicitudes do seu ser, as coisas passageiras jamais o satisfaz de maneira absoluta. Por

essa razão, no cerne do seu ser, mesmo sem provas concretas ou garantia alguma que preceda suas convicções, há a necessidade de relacionar-se com o transcendente. Assim, dirá Tillich que:

O homem, ato direto, pessoal e central, é capaz de captar o sentido do que é último, incondicional, absoluto e infinito. Apenas isso faz da fé uma possibilidade do homem (...) o homem é impelido para a fé ao se conscientizar do infinito de que faz parte, mas do qual ele não pode tomar posse como de uma propriedade. (TILLICH, 1974, p. 11).

Essa condição que o sujeito tem de relacionar como ser finito, almejando pelo infinito, compreende-se como parte da essência do ser, consciência natural que capacita o indivíduo a superar os marcos fronteiriços estabelecidos pelos ônus da vida através do ato de crer. Como reflexo conscientizado daquilo que o possuí para aquilo que é possuído, isto é, “aquilo que está expresso no ato de crer não pode ser alcançado senão pelo próprio ato de crer. (TILLICH, 1974, p. 12). Por resultado, a vida desde a sua concepção intra-uterina até sua plenitude e sua finalização orgânica (a morte), propriamente dita, é repleta de desafios, e, são esses desafios que levam o indivíduo finito cada vez mais ter como horizonte o anseio de alcançar sua infinitude. Mesmo com todos os desafios dessa vida finita, com seus temores, dissabores e desamores, medo, angústia, etc., aspirar pelo infinitude é manter a esperança.

Neste ponto o filosofo faz uma distinção crucial acerca do infinito que o finito busca por meio da religião cristã. Caracteriza-se na figura do infinito, que é ao mesmo tempo a razão e o sentido de vida imanente e transcendente do eterno personificado na divindade Deus. Essa relação com o Deus divino faz com que haja distinção entre a fé verdadeira e a falsa (idolatra) fé (p. 12). A falsa fé se manifesta quando estruturas sociais “reivindicam infinitude para si, como, por exemplo, a “Nação” ou “vencer na vida”, essa por sua vez não pode ou “não tem a capacidade de superar a separação de sujeito e objeto” (TILLICH, 2005, p. 12), ou seja, do ser humano e o infinito (manifesto na figura de Deus).

Pois esta é a diferença entre a fé verdadeira e a falsa: Na fé verdadeira a preocupação incondicional é o estar tomado pelo que é verdadeiramente incondicional; a fé idólatra, em contraste, eleva coisas passageiras e finitas à categoria de incondicionais. Esta adulteração leva fatalmente à “frustração existencial”, que solapa a base da existência humana. (TILLICH, 1974, p. 12).

Por conseguinte, por mudar ou alterar este anseio ou necessidade que o ser humano tem de alcançar o infinito transformando-o na personificação da “imagem” simbólica de Deus. Assim, Tillich situa a fé na dinâmica do Sagrado.

3.2.1 A Fé e a Dinâmica do Sagrado

A realização da fé como parte da vida que emana do próprio ser, tem o seu valor constituído no âmbito dinâmica do sagrado porque “quem penetra na esfera da fé, está pisando no Santíssimo da vida. Onde há fé também se encontra um conhecimento do que é sagrado”. (TILLICH, 1974, p. 13). O que se faz necessário compreender nesse ponto, é que, a fé pode ser ou poder ter um caráter tanto positivo quanto negativo, e isso só dependerá do objeto de sua aplicação. Na perspectiva estrutural do sagrado, a fé firma-se naquilo que é o incondicional, em razão de que “algo que nos toca incondicionalmente se torna sagrado” e como a “experiência do sagrado é experiência do divino” (p. 13), a fé constitui-se desse caráter mesmo sendo a sua fonte, o próprio ser humano, mas dele transcende. O que torna sua ação tão singular na esfera do sagrado, é o fato que “o sagrado permanece mistério”.

O sagrado fascina ao mesmo tempo que estremece (no sentido de causar temor). Nesse aspecto tanto o sagrado quanto o infinito são geradores de tais sentimentos, de tal modo, ambos (sagrado e infinito) estão no cerne do ser, um e outro só podem ser alcançados por meio da natureza da fé. A angústia ocasionada pelo anseio existencial e que perdura ao longo da vida acerca da questão última da finitude do ser, tenciona constantemente a “relação entre a experiência do sagrado e a experiência do infinito” (p. 13). Essa tensão irá resultar na busca da realização última da centelha da vida, isto é, do finito coabitando eternamente no infinito. Para Tillich o “coração humano procura o infinito, porque o finito quer repousar no infinito. No infinito ele vê sua própria realização” (p. 13). Nesta relação encontra-se o caráter, ou melhor, baseia-se a “atração extática e a fascinação de tudo que revela o infinito”.

Mesmo tomado por tal desejo, o ser humano ainda tem que lidar com a distância entre o finito e o infinito, essa infinita distância pode ser superada (minimamente) de algum modo através da esfera do sagrado mesmo que esse cause temor.

O sentimento de ser aniquilado pela presença do divino é o que expressa mais profundamente a relação em que se encontra o homem diante do sagrado. E esse sentimento perpassa todo ato de fé legitimo e todo estar possuído em última instância [...] O sagrado é essencialmente “mistério”. (TILLICH, 1974, p. 13, 14)48.

Nesse ponto Paul Tillich retoma o que é fé verdadeira e o que a fé idólatra. Mesmo tendo seus princípios inicialmente complementares (fé), um dos resultados tende a ser catastrófico, “mesmo assim também a fé idólatra ainda é fé”, diz ele. Todavia, o que pode tornar-se propulso positivo ou negativo no caráter da fé, é onde ela está fundamentada, naquilo que “reivindicam infinitude para si (“Nação” ou “vencer na vida”), ou no infinito (personificado da “imagem” simbólica de Deus), isto é, onde estiver fundamentada a fé do indivíduo é o que irá, consequentemente, corresponder suas expectativas,

O perigo da fé idólatra, e a ambiguidade do sagrado [...] Nossa preocupação última – aquilo que nos toca incondicionalmente – pode nos destruir assim como também nos pode curar. Mas sem uma preocupação última não podemos viver. (TILLICH, 1974, p. 15).

A fé idólatra se constitui da capacidade que o ser humano tem para esperar encontrar solução ou resposta para sua angústia existente diante da finitude da vida naquilo que, “reivindicam infinitude para si”, neste caso a “Nação” ou “Vencer na vida” conforme apresentou Tillich. Essas estruturas tencionam forças antagônicas entre o visível e o invisível, o material e o imaterial. Logo, fé como “estar possuído por aquilo que nos toca incondicionalmente” (p. 5), pressupõe algo intangível, impalpável, e isso possivelmente pode ser caracterizado, pelo fato de sua imaterialidade, na ambiguidade entre fé e dúvida. É possível ter fé mesmo com dúvida, ou uma anula a outra? Busquemos entender.

3.3 Fé e Dúvida

48Neste ponto da fé e a dinâmica do sagrado, o autor ainda irá suscitar uma discussão entre o

É notório que ao longo da era cristã sempre houve tensões acerca da relação da fé como opositora da dívida. Concomitantemente, exercer a fé na perspectiva Tillichiana é e exige um ato de coragem. Coragem por sua vez, implica na capacidade de se manter convictos da certeza que a fé e a dúvida caminha continuamente juntas no ser finito. Esta fé só pode se manter porque doravante com a dúvida, se dá pois “um ato de fé é realizado por um ser finito, que está tomado pelo infinito e para este se volta”. (TILLICH, 1974, p. 15).

A coragem apresentada por Tillich se constitui no fato do ser humano ter consciência de sua realidade última, pressupondo variavelmente no seu pensar acerca do destino, do futuro que lhe desafia e lhe põem a prova, a viver sob a pressão do risco constante do ser sobre aquilo que é construto do não-ser. O não-ser se constitui através de tudo aquilo que é limitado, finito perecível, assim como o próprio ser. Por resultado Tillich vai dizer que a “coragem como elemento da fé é arriscar a afirmar-se a si mesmo diante dos poderes do não-ser, pelos quais todo ser finito está ameaçado (p. 15). Mas há um caráter distintivo da dúvida que não deve ser desconsiderado aqui. O autor elimina dois conceitos básicos que comumente acompanha o conceito de dúvida.

Deve-se atinar para não se conduzir inadequadamente pelo caminho da dúvida metódica, e nem tampouco, pelo caminho da dúvida cética. A dúvida metódica ancora-se na sistematização elaborada por princípios regulados por regras, exemplo disto, como fez o filosofo francês René Descartes (1596 – 1650), que estabeleceu o método da dúvida em sua obra O Discurso sobre o método49.

Na dúvida cética50, ou no ceticismo filosófico51 como também é cunhado o termo,

se constitui da “doutrina do constante questionamento”. O termo Ceticismo é de origem grega e significa “exame”, que segundo o historiador Antonio Gasparetto

Junior52 foi usado pela primeira vez por, Pirro, no século IV a.C. No dicionário

define-se por cético “que ou quem se mostra incrédulo”, logo, torna-se claro que

49 DESCARTE, René. O Discurso sobre o método, 1637.

50 Há uma discussão filosófica acerca do método de cartesiano, se é ou não apenas Metódico,

ou se é também Cético. Descartes utilizava da dúvida hiperbólica em seu método, onde ele chegou a duvidar de tudo e de todos ao extremo, mas os questionamentos que ele utiliza não são verdadeiros, pois são apenas para chegar a uma verdade inquestionável, logo então Descartes não pode ser considerado cético.

51 Fonte:http://www.infoescola.com/filosofia/ceticismo/ Acessado em: 20/ 11/ 2016.

52 Doutorando em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Pesquisador Visitante na

Université Paris-IV-Sorbonne (2015-2016). Bacharelando em Administração Pública, professor de História, Francês e Inglês e editor-chefe da Revista Faces de Clio (2014-2016).

não são desses princípios de dúvidas que caminha mutuamente com a fé. Por tanto essa dúvida, “em contraste com as formas acima descritas” diz Tillich, “poder-se-ia denominar esse tipo de dúvida existencial”. (TILLICH, 1974, p. 18).

A dúvida existencial ocorre por conta dos poderes ameaçadores do não- ser (como já havíamos dito anteriormente), e isto é o maior desafio que se pode encontrar nesse casamento da fé com a dúvida existencial, é o fator do risco eminente que nunca se afasta, e tal risco pressupõe a continua dependência mútua entre um e outro, aceitar prosseguir com a certeza e a incerteza (fé e dúvida) caminhando lado a lado pressupõe coragem em assumir riscos, “mas onde há risco e coragem também existe a possibilidade do fracasso, e essa possibilidade se encontra em todo ato de crer” (TILLICH, 2005, p. 15), e crer é ter fé. Como tal, essa preocupação existencial manifestada na fé existe, não depende do objeto de sua crença, em qualquer instância, lá estará ela.

Mas acerca do conteúdo de nossa preocupação última, seja ela a Nação, o Sucesso na Vida, um deus ou o Deus da Bíblia, não há certeza desse tipo. Todos eles são coisas que não apresentam certeza imediata. Aceitá-las como objeto de nossa preocupação última, incondicional, é um risco e como tal um ato de coragem. (TILLICH, 1974, p. 16).

Então, qual é o problema em ter como preocupação última a Nação ou o Sucesso na Vida? O problema em questão é porque os dois objetos apresentados, por mais que se prolongue existencialmente, ambos são efêmeros, e como efêmeros passam. Por mais tempo que se estiquem, ao passarem, certamente irão produzir maiores desesperos que aquele que já antecedia na existência do próprio ser anteriormente, como resultado novas tempestades de incertezas, medos e angústias e tudo mais que é ilusório e que produzem falsas esperanças virão.

O desespero causado, por exemplo, pelo desmoronamento de esperanças e pretensões nacionais prova irrefutavelmente o caráter idolatra de seu patriotismo. Em última análise, toda preocupação suprema cujo objeto não é verdadeiramente incondicional leva ao desespero. Mas, essa possibilidade a fé sempre precisa levar em troca. Ela nunca pode ser excluída, quando um ser finito procura a realização do seu eu. Uma preocupação suprema exige risco supremo e máxima coragem. (TILLICH, 1974, p. 16).

Esse é o desafio da existência da fé que põem em prova a coragem do ser. Mesmo na dúvida que reverbera na angustiante pergunta de “será que existe algo há mais, além daquilo que os olhos podem ver? Visto que o “homem como pessoa não é possível sem fé” (p. 17), a resposta a essa pergunta poderá sempre ser especulada no âmbito social, cultural ou individual, mas nem sempre entenderemos ou aceitaremos as inúmeras possíveis respostas que não passam de especulações suscitadas. Contudo, a angústia de não escolher nada, de não optar por opção alguma, é maior e mais desesperadora do que aconchegar-se no seio da escolha errada, pois “a fé toma sobre si o risco de o deus concreto em que foi colocada a fé ser uma imagem falsa” (p. 16), e isto evidencia notoriamente que a “dúvida se encontra encerrada no risco da fé” (p. 17).

Como realidade das limitações do ser humano, que se encontra a frente das adversidades produzidas pelo próprio Estado-Nação diante do período de interregno na pós-modernidade, tentando não lançar mão da esperança “a dúvida inerente à fé sabe dessa incerteza e a toma sobre si num ato de coragem. Fé encerra coragem. Por isso, a fé consegue resistir à própria dúvida de si mesma (p. 18), na esperança de que um dia alcançará o porto seguro do existir. Mais que isso:

Quando a dúvida se faz presente, não se deveria entendê-la como rejeição da fé; pois ela é um elemento sem o qual nenhum ato de fé é concebível. Dúvida existencial e fé são os pólos que determinam o estado interior da pessoa possuída pelo incondicional. (TILLICH, 1974, p. 19).

Essa mesma pessoa que é tomada por aquilo que a toca incondicionalmente, em momento algum perde sua razão, semelhantemente, suas estruturas subjetivas e objetivas permanecem junto à totalidade de sua existência com a fé, e como parte da subjetividade do ser encontra-se também a razão. Uma não contrapõe a outra, mas assim como a dúvida, a razão possibilita e amplia a dinâmica da fé, bem como as quatro estações formam anos da existência do ser.

Um problema estabelecido desde o período medieval é o conflito de fé e razão. Os motivos das desconstruções do mito pela filosofia, e as novas construções que eram elaboradas a partir do conhecimento cientifico. Na idade média o conflito se estabelece entre os novos cristãos e “moralistas gregos e romanos”. De acordo com o professor João Francisco P. Cabral53, tal conflito se

dava, pois para os moralistas gregos e romanos o:

...mundo natural ou cosmos era a fonte da lei, da ordem e da harmonia, entendendo com isso que o homem faz parte de uma organização determinada sem a qual ele não se reconhece e é através do lógos que se dá tal reconhecimento. Já para os cristãos, a verdade revelada é a fonte da compreensão do que é o homem, qual é sua origem e qual o seu destino, sendo ele semelhante a Deus-pai, devendo-lhe obediência enquanto sua liberdade consiste em seguir o testamento (aliança). Desse debate, surgem as formas clássicas de combinação dos padres medievais: aqueles que separam os domínios da razão e da fé, mas acreditam numa conciliação entre elas; aqueles que pensam que a fé deveria submeter a razão à verdade revelada; e ainda aqueles que as veem como distintas e irreconciliáveis. Esse período é conhecido como Patrística (filosofia dos padres da Igreja),

Diante de tais fatos que se escorreram ao longo dos séculos, muitos foram aqueles que tentaram equilibrar essa equação, por exemplo, Galileu Galilei (1564 – 1642), Giordano Bruno (1548 – 1600), e René Descartes (1596 – 1650), entre outros, buscaram conciliar fé e razão. Certamente por conta de ser um filosofo existencial, assim também buscou fazer Paul Tillich em sua época.

O embrião do problema, especificamente no século 17, entre a Igreja Católica Romana, que defendia a fé, e os defensores da razão ou da ciência moderna, são os três pensadores citados acima que buscavam conciliar as duas vertentes, pois os três faziam parte de ambas. Tentemos resumir aqui uma carta (pequena parte na verdade) de Galileu Galilei datada de 21 de dezembro de 1613 para Dom Benedetto Castelli54 (1578 – 1643), buscando esclarecer os

escritos Copérnicos com a Bíblia. Galileu relata da seguinte forma:

Admitido, portanto, e concedido por ora ao adversário que as palavras do texto sagrado tenham de ser tomadas precisamente no sentido em que soam, isto é, que Deus, a pedido de Josué, fizesse parar o Sol e prolongasse o dia, pelo que esse conseguiu a vitória; requerendo eu

53CABRAL, João Francisco Pereira. "Conflito entre Razão e Fé"; Brasil Escola. Disponível em

<http://brasilescola.uol.com.br/filosofia/o-conflito-entre-fe-razao.htm>. Acessado em: 20 de fevereiro de 2017.

54 Beneditino Benedetto Castelli, foi discípulo, colaborador de Galileu e professor de matemática

ainda que a mesma determinação valha para mim, de tal modo que o adversário não presumisse de amarrar-me e deixar-se livre quanto a poder alterar ou mudar os significados das palavras; digo que esta passagem nos mostra manifestamente a falsidade e a impossibilidade do sistema do mundo aristotélico e ptolomaico e, ao contrário, se acomoda muitíssimo bem com o copernicano. (GALILEI, 2009, p. 23)55.

Evidentemente o problema entre fé e razão prossegue, contudo deve-se considerar que cada vertente tem seu valor e suas especificidades. Levando em consideração as mudanças que ocorreram desde a época de Galilei até o período de Tillich, período esse que a Igreja já não era a única a exercer poder, porque, como tal a ciência já havia conquistado seu lugar de valor e respeito com seus avanços inventivos (como apresentamos no início do segundo capítulo), a industrialização e o empoderamento do capitalismo e as guerras que marcaram o século 20, com tudo isso essa relação conflitante permanecia.

O tempo passou, algumas questões desse conflito foram resolvidas, outras permaneceram, novas questões surgiram, entretanto, o centro ou as margens (não se sabe ao certo) desse conflito continua sendo o ser humano, como tal, o agravante é que o homem enquanto ser no mundo é uma unidade indivisível mesmo quando as circunstâncias atenuantes quer obrigá-lo a dividir- se, o “homem é uma unidade que não permite um lado-a-lado isolado dos diversos elementos. Todas as funções do espírito humano estão intimamente ligadas, apesar do seu caráter divisor. (TILLICH, 1974, p. 50). Não diferente, tudo isso que o constitui e que não se desintegra nem por conta de uma parte nem de outra, também vale para fé e a razão. Por isso, Tillich vai dizer que não justifica como também não é suficiente “a resposta de que estar possuído por algo que nos toca incondicionalmente não contradiz a estrutura racional do espírito” (p. 50).

Diante disso, se faz necessário e assim propõe Tillich, que antes de mais nada, deve-se compreender o sentido que está sendo aplicado o conceito de razão quando contraposto com a fé. Há dois pontos para se pensar razão: razão no “sentido do procedimento científico”, ou razão como desencarcerar na cultura ocidental, “como a fonte do sentido, normas e princípios”. A primeira exerce um víeis técnico (ocupa-se com os meios e não com o fim), que “abarca a vida diária

55 Galileu dedica-se a uma operação de concordismo entre o sistema copernicano e o texto

de cada um e domina a civilização técnica de nosso tempo” (p. 51). A segunda é pertencente “aquilo que faz do homem um homem e o diferencia de todo outro ser” (p. 51). Assim a primeira definição de razão, tem suas qualidades e seus

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