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A criação da TV Brasil: contextos e atores

No documento allanameirellesvieira (páginas 78-80)

3 TV PÚBLICA: ENTRE O ESTADO E O MERCADO

3.2 TV BRASIL: ORIGEM E DESENHO INSTITUCIONAL

3.2.1 A criação da TV Brasil: contextos e atores

Com a chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, portanto, do Partido dos Trabalhadores (PT) ao Governo Federal, movimentos sociais e grupos de esquerda acreditavam ser possível realizar um processo de democratização dos meios de comunicação, enfrentando o oligopólio midiático e a hegemonia dos canais privados. Porém, como afirma Ramos (2015), a versão final do programa de governo do então candidato Lula, já não continha as propostas sobre a radiodifusão, presentes em versões e campanhas anteriores. Como o autor explica:

Neste ponto do percurso é possível constatar que as omissões de Lula e sua equipe no trato com as políticas de radiodifusão e a necessidade da nova lei geral desse segmento das comunicações eram parte de uma estratégia mais ampla, traçada desde a Carta aos Brasileiros, para convencer o empresariado de que ele não estava diante de um governo esquerdista hostil ao capital, e sim diante de um governo de coalizão, de centro-esquerda – parte dessa estratégia fora ter na vice-presidência o empresário de Minas Gerais, José Alencar, filiado ao conservador Partido Liberal –, capaz de fazer convergir políticas sociais de combate à pobreza com políticas econômicas de valorização do capital. (RAMOS, 2015, p.6).

Segundo Ramos, a crise gerada pelo escândalo do “Mensalão”, em 2005, teve um papel importante na criação da EBC. Isso porque a campanha eleitoral desse ano também foi marcada por ataques da mídia ao presidente Lula, mesmo após suas tentativas de manter uma “boa relação” com este setor empresarial (RAMOS, 2015). Estas tentativas incluem a retirada de sua plataforma de governo das propostas que interferiam no poder dos meios de comunicação e os esforços para resolver a dívida destas empresas, com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Assim, segundo Ramos, “numa espécie de desforra para com a radiodifusão comercial” (2015, p.6), no segundo mandato, o presidente Lula demonstrou o desejo de criar uma televisão pública no Brasil, delegando, primeiramente, a função ao então ministro das Comunicações, Hélio Costa. Para isso, foi criado em abril de 2007 um grupo de trabalho para elaborar o projeto da televisão pública.

Ao mesmo tempo, movimentos sociais se organizavam para a realização do I Fórum Nacional de TV’s Públicas, que contava com o apoio financeiro e político do Ministério da Cultura. Como Ramos (2015) afirma, a criação do grupo de trabalho sem a presença desses atores gerou, então, uma surpresa e um desconforto, levando o presidente Lula a mudar as estratégias, excluindo o ministro das Comunicações do processo de elaboração do projeto. Em seu lugar, a representação da Presidência da República no Fórum foi feita pelo ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, Franklin Martins.

As disputas entre os Ministérios – mais especificamente o da Cultura – e a Secom – então, representante da Presidência da República – podem ser observadas a partir da própria idealização da televisão pública. Conforme Ramos explica, enquanto os discursos do Secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura, Orlando Senna, apontavam para um modelo de emissoras públicas “diversificado e descentralizado”, a proposta da Presidência da República era o contrário.

Para a Presidência da República não havia necessariamente, como havia para o Ministério da Cultura, um campo público convergente de radiodifusão. Havia, sim, a oportunidade de se criar uma rede pública de radiodifusão em moldes mais centralizados, a partir de Brasília, diante do qual as emissoras representadas na ABEPEC, ABCCOM, ABTA e ASTRAL eram entes periféricos. Essa disputa de modelos acabou colocando a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República em campo oposto ao do Ministério da Cultura, ambos disputando o controle político da futura empresa. (RAMOS, 2015, p.6-7).

Assim, como Miola (2012) afirma, havia no campo político, duas correntes que divergiam sobre o papel da comunicação pública, mas que defendiam a criação da EBC. Uma

delas seria composta pelos movimentos sociais envolvidos com o Fórum Nacional de TV’s Públicas e pelo Ministério da Cultura. A outra – entendendo a criação da TV Pública como uma forma de fortalecer a comunicação entre o governo e a população – formada pela Secom e o Ministério das Comunicações, e defendida pelo ministro Hélio Costa (MIOLA, 2012, p.157). Além destes agentes políticos, a autora aponta a presença de grupo de parlamentares em oposição à criação da EBC, sendo estes os liberais – defensores do Estado Mínimo – e aqueles parlamentares que detinham concessões de emissoras e que, portanto, defendiam seus interesses econômicos privados (MIOLA, 2012, p.157).

Já no campo da Comunicação, havia de um lado os agentes do campo público – como associações profissionais da comunicação, movimentos sociais e empresas de radiodifusão não comerciais – e as empresas privadas de comunicação centradas, principalmente, na Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e de Televisão (ABERT). Para o primeiro grupo, “a instituição do controle público (ou social) da comunicação, a democratização dos media e o fortalecimento das emissoras sem fins lucrativos, especialmente aquelas emissoras públicas, são questões há muito demandadas” (MIOLA, 2012, p.158).

Assim, Ramos argumenta que a criação da EBC e da TV Brasil se deu a partir de uma “vontade conjuntural de contrapor à radiodifusão comercial uma radiodifusão de governo” (RAMOS, 2015, p.8). Entretanto, segundo ele, o próprio governo de Lula produziu um “elemento surpresa nas políticas de comunicações: o Ministério da Cultura” (RAMOS, 2015, p.8). Desta forma, o autor considera que tanto as entidades envolvidas com o I Fórum Nacional de TVs Públicas quanto o MinC contribuíram de alguma forma na constituição da emissora, como, por exemplo, afastando o ministro Hélio Costa deste processo e, consequentemente, impedindo a criação de uma “TV Pública com cara de instrumento de propaganda governamental” (RAMOS, 2015, p.8). Além disso, várias outras pressões foram feitas por parte das organizações envolvidas com o tema, no sentido de garantir uma determinada “autonomia relativa” da emissora, como será explicitado mais adiante.

No documento allanameirellesvieira (páginas 78-80)