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O mercado de televisão no Brasil: a dominação econômica

No documento allanameirellesvieira (páginas 67-72)

3 TV PÚBLICA: ENTRE O ESTADO E O MERCADO

3.1 O SISTEMA DE COMUNICAÇÃO BRASILEIRO

3.1.2 O mercado de televisão no Brasil: a dominação econômica

A criação e o desenvolvimento da televisão como um empreendimento comercial, seguindo, assim, o modelo de teledifusão americano, marca a trajetória deste meio de comunicação e a cultura midiática criada no país. Difere-se, assim, dos países europeus, onde a televisão nasceu pública. Este veículo surgiu no Brasil em 1950, com a TV Tupi, a partir de um investimento do empresário Assis Chateaubriand, mas, até meados daquela década, manteve um caráter experimental (BOLAÑO, 2004). Como Othon Jambeiro afirma, em seu livro “A TV no Brasil do século XX”, nesta primeira década de existência, a televisão

funcionava como uma “extensão do rádio”, herdando deste “os padrões de produção, programação e gerência, envolvidos num modelo de uso privado e exploração comercial” (JAMBEIRO, 2002, p.51).

A partir do estudo da história econômica da televisão no Brasil, presente na obra “Mercado Brasileiro de Televisão”, César Bolaño estabelece algumas fases deste mercado. Para tanto, o autor assume a Indústria Cultural com um duplo papel no sistema capitalista – tanto ideológico quanto de empresa capitalista em seu sentido mais estrito. Além disso, como recorte do estudo, analisa apenas o sistema comercial, excluindo, portanto, as emissoras estatais. Ainda assim, a obra se coloca como uma referência importante para esta pesquisa no esforço de compreensão da lógica econômica que historicamente perpassou o campo da Comunicação.

Bolaño defende que a primeira fase do mercado de televisão brasileiro pode ser denominada “mercado concorrencial”. Isso porque, segundo o autor, a única barreira de entrada de uma empresa neste setor seria, nesta época, a institucional, devido à necessidade de concessão do Estado para exploração de um canal de TV. De acordo com Bolaño, havia neste período um desinteresse dos maiores capitais por este mercado bem como uma fragilidade daqueles que se direcionavam a este setor. “O público atingido é limitado, a programação é predominantemente experimental e localizada, e o setor de publicidade (agências e anunciantes) determina não apenas o preço, mas a própria produção de TV” (BOLAÑO, 2004, p.198), explica o autor.

A década de 60 marca, então, o período de transição, no qual o mercado de TV obtém um crescimento, atraindo importantes capitais, sendo o ano de 1965, o de “ruptura fundamental” (BOLAÑO, 2004, p.155), segundo Bolaño. É neste ano que a Rede Globo inicia suas operações no Rio de Janeiro e a partir dele que se estabelece um “mercado oligopólico” de televisão no país, marcado pela concentração e centralização. Criada com o apoio do capital bem como do know how estrangeiro, a partir do acordo com a empresa norte-america Time Life – embora a legislação brasileira proibisse a participação de empresas estrangeiras na direção das emissoras de TV – a Globo configurou-se como uma empresa “altamente competitiva” e com conhecimento técnico capaz de implantar um modelo de televisão semelhante ao americano (BOLAÑO, 2004, p.113).

A entrada da TV Globo no mercado de televisão também alterou a relação entre as emissoras e os anunciantes. Se antes estes interferiam diretamente no conteúdo produzido, com a nova emissora faz-se uma diferenciação entre o público consumidor e o anunciante, de modo que se torna estratégia da empresa conquistar uma audiência fiel a fim de se obter um

potencial de negociação dos espaços comerciais, como Bolaño explica. Segundo o autor, é neste momento que a noção de tempo como mercadoria se configura (BOLAÑO, 2004, p.119).

As características de concentração e centralização serão reforçadas na década de 70, na qual, de acordo com Bolaño, há uma maior estabilidade na concorrência e o maior desenvolvimento deste sistema. O autor afirma que “é a partir desse momento que se pode falar com propriedade em uma Indústria Cultural setorial e nacionalmente integrada que constitui um ramo interessante ao capital monopolista” (BOLAÑO, 2004, p.198).

Nesse período, já tendo atingido a liderança comercial, a Globo assume um padrão tecno-estético, denominado “Padrão Globo de Qualidade”, que contribuirá para a consolidação de sua audiência e a criação de “um hábito profundamente arraigado nas mais amplas camadas da população” (BOLAÑO, 2004, p.215). Assim, o imaginário social brasileiro é perpassado pelo modo de se fazer televisão desta emissora. Para além do público, pode-se dizer que as próprias faculdades de Comunicação e Jornalismo brasileiras foram influenciadas por esse modelo, de modo que o ensino do fazer telejornalístico segue e ainda cobra este padrão.

Na década de 80, mudanças mais lentas e menos claras ocorreram neste mercado, com a entrada de novas emissoras, porém sem um questionamento incisivo sobre o poder da Rede Globo, que permaneceria “determinando as regras do jogo” (BOLAÑO, 2004, p.155). Intitulada pelo autor como “concorrência oligopólica”, a fase que vai da segunda metade da década de 70 até o início dos anos 80 tem a entrada de novos capitais. Até então, havia apenas duas redes nacionais: a Globo e a Tupi. Nesse período, desenvolvem-se outras, como o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), a Rede Bandeirantes, a Rede Manchete e a Rede Record.

O último período tratado por Bolaño é o da “multiplicidade da oferta” – termo cunhado por Valério Brittos (1999 apud BOLAÑO, 2004, p.25) – que se efetiva a partir de 1995, com os canais pagos e segmentados, o desenvolvimento tecnológico e as mudanças no marco regulatório. Neste novo contexto, as redes de televisão, em especial a Rede Globo, adotam novas formas de atuação e expansão no mercado. No caso da Globo, por exemplo, com investimentos internacionais e nos canais por assinatura. Porém, como ressalta Bolaño, a competição na TV segmentada é mais complexa do que na TV de massa, já que envolve capitais locais, nacionais e internacionais.

Em relação à tendência de segmentação, observada por Bolaño tanto nas TV’s fechadas como abertas, ela seria acompanhada por um movimento de massificação. Nesse

sentido, considera haver uma relação entre o sistema econômico brasileiro e o das comunicações, cujo caráter é excludente. Assim, como o autor explica, a segmentação geraria uma exclusão, devido aos preços, de modo que apenas uma parte da população tenha a possibilidade de acesso aos conteúdos diferenciados e de padrões internacionais. Enquanto isso, à maioria, seria destinada uma programação “massificada e de baixíssima qualidade” (BOLAÑO, 2004, p.275).

No livro “Mercado Brasileiro de Televisão”, Bolaño afirma a possibilidade de que a televisão aberta perca sua centralidade na Indústria Cultural brasileira, devido ao “fenômeno da convergência permitido pela digitalização geral da comunicação e pela expansão acelerada das redes de telecomunicações de última geração, implementadas por uma forte vontade política, organizada hegemonicamente em nível mundial” (BOLAÑO, 2004, p.274). Nesse sentido, porém, o autor não considera que a ampliação das possibilidades comerciais e o aprofundamento da multiplicidade da oferta signifique o fim dos oligopólios ou a democratização da comunicação. Segundo ele, pelo contrário,

o movimento em curso é de expansão da lógica capitalista e da concentração, de forma irresistível, ainda que pour cause se expandam também as contradições inerentes ao funcionamento do modo de produção capitalista, abrindo possibilidades inesperadas de ação transformadora. (BOLAÑO, 2004, p.274).

Assim, apesar do discurso fetichista, atualmente recorrente, sobre a Internet e as novas tecnologias, o que se percebe é um aprofundamento da concentração econômica, no âmbito da Indústria Cultural. Com o desenvolvimento da TV digital, por exemplo, abriu-se a possibilidade de adoção de uma tecnologia desenvolvida nacionalmente e de forma descentralizada, além de promessas de democratização do acesso, incentivo a produções locais e regionais, e promoção da inclusão social e da diversidade cultural (BOLAÑO E BRITTOS, 2007b, p.94). Entretanto, como Bolaño e Brittos afirmam, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, optou-se pelo padrão japonês de televisão digital, o qual tinha sido defendido principalmente pela Rede Globo de Televisão.

A vitória do padrão japonês favoreceu os radiodifusores, que, acima de tudo, podem continuar transmitindo diretamente seus canais, sem o operador de rede e, o que é essencial, sem terem que discutir a abertura de espaço para novos programadores, na multiprogramação de seus canais (BOLAÑO E BRITTOS, 2007b, p.95).

Segundo os autores (2007a, p.215), com os processos de digitalização da TV, as disputas entre as empresas de comunicação se acirraram, tanto com a elevação dos custos quanto com a popularização da programação devido à estratégia de se atingir o maior número de pessoas possível. Nesse cenário, de dificuldades para a TV aberta, a TV Globo foi a mais

afetada em termos de audiência e faturamento, já que seu público principal seria equivalente ao dos canais por assinatura (BOLAÑO E BRITTOS, 2007a, p.224). Ao mesmo tempo, porém, os autores afirmam o papel ainda hegemônico da empresa, com a ocupação do primeiro lugar no setor de televisão paga, além de suas ações transnacionais (2007a, p.216).

Com o avanço tecnológico e as mudanças no marco regulatório, permitindo, por exemplo, a participação de capital estrangeiro nas organizações de comunicação, o contexto se torna ainda mais complexo. Na Lei do Cabo de 1995, estabelecia-se que a concessão de TV a Cabo poderia ser outorgada apenas a empresas com pelo menos 51% do capital total pertencente a brasileiros. Assim, já possibilitava a participação internacional no setor, que foi ampliada pela revogação dessa condição, pela Lei 12.485 de 2011. Já a participação de estrangeiros nas empresas detentoras de concessão de serviço de radiodifusão (TV aberta e rádio) é limitada a 30% do capital total de cada empresa, como determinado pela Lei 10.610 de 2002.

A Lei 12.485, de 2011, cria outra limitação às empresas de radiodifusão, impossibilitando o controle, por parte destas e das produtoras e programadoras, de mais de 50% da empresa prestadora de serviços de telecomunicações. Do mesmo modo, o controle das empresas de radiodifusão, produtoras e programadoras não pode ter mais do que 30% de presença das prestadoras de serviços de telecomunicações (BRASIL, 2011). Assim, restringe- se em alguma medida a propriedade cruzada.

Segundo Sonia Virgínia Moreira e Marlen Barbosa Couto (2014, p.2), apesar da entrada de corporações internacionais de telecomunicações na disputa, os grupos familiares permanecem ainda controlando os meios de radiodifusão e de informação nacionais, sendo eles: “os Civita, do Grupo Abril; os Marinho, das Organizações Globo; os Frias, do Grupo Folha; os Saad, do Grupo Bandeirantes, e os Mesquita, do Grupo Estado” (2014, p.7). Além disso, a Rede Globo se mantém hegemônica no chamado “Sistema Central de Mídia do Brasil”, analisado por James Görgen. A partir de dados do projeto “Donos da Mídia”, de 2009, o autor aponta os principais conglomerados do Brasil, sendo eles: as Organizações Globo – com a Rede Globo; o Grupo Sílvio Santos – com o SBT; o Grupo Bandeirantes – com a Band; a Igreja Universal do Reino de Deus – com a rede Record; o Governo Federal – com a EBC; a TeleTV – com o canal Rede TV!; o Grupo Abril – com a MTV Brasil; o grupo de Amaral de Carvalho – com a Jovem Pan; o Governo do Estado de São Paulo – com a TV Cultura; e a Organização Monteiro de Barros – com a Rede Vida. Destes, as Organizações Globo permanecem como o principal conglomerado do Sistema Central de Mídia do Brasil, afirma Görgen (2009, p.101). Segundo os dados de 2009, o conglomerado possui 383

veículos, sendo 69 próprios. Além disso, a Globo possui atividades em áreas como internet, editorial e fonográfica (2009, p.101).

Inserida neste contexto, a TV Brasil, ainda que tenha a proposta de uma programação diferenciada, acaba por sofrer influências do modelo comercial de radiodifusão. Além disso, com a presença de fortes capitais no setor, possui limitações no que diz respeito à busca por audiência. Ainda que a emissora não precise se pautar unicamente por este parâmetro, sua legitimação – assim como a de qualquer veículo, mesmo que por razões diferentes – está relacionada à conquista de público. Nesse sentido, cabe refletir que o condicionamento dos telespectadores em relação ao modelo de TV historicamente hegemônico pode influenciar a falta de interesse pela emissora. Além disso, os debates sobre democratização dos meios e sobre a criação de canais públicos de rádio e teledifusão acabam limitados a certos ambientes e grupos, já que esse assunto não é tratado pelos grandes veículos de mídia que, em geral, não se beneficiam com essa discussão. Soma-se a isso, os fatos de que os grandes conglomerados de mídia possuem um poder de influência na agenda política e o de que, no Congresso Nacional, há a presença de empresários da comunicação.

No documento allanameirellesvieira (páginas 67-72)