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A Indústria Cultural: publicidade e propaganda

No documento allanameirellesvieira (páginas 34-38)

2 TELEVISÃO: ENTRE DOMINAÇÕES E RESISTÊNCIAS

2.1 DA ESFERA PÚBLICA À INDÚSTRIA CULTURAL

2.1.2 A Indústria Cultural: publicidade e propaganda

Se a esfera pública burguesa, como afirmado por Bolaño, é a “forma de manifestação das contradições da informação no capitalismo clássico”, no capitalismo monopolista, a forma de manifestação dessas contradições é a Indústria Cultural (BOLAÑO, 2000, p.119). Termo cunhado por Theodor Adorno e Max Horkheimer, da Escola de Frankfurt, a Indústria Cultural foi compreendida como meio ideológico de dominação. No clássico texto “A Indústria Cultural: o Esclarecimento como Mistificação das Massas” (1985), os autores empreendem uma profunda crítica sobre a comunicação de massa, tanto no sentido de promoção da padronização cultural quanto de alienação social. A partir dessa perspectiva, eles afirmam que:

Os interessados inclinam-se a dar uma explicação tecnológica da indústria cultural. O fato de que milhões de pessoas participam dessa indústria imporia métodos de reprodução que, por sua vez, tornam inevitável a disseminação de bens padronizados para a satisfação de necessidades iguais. O contraste técnico entre poucos centros de produção e uma recepção dispersa condicionaria a organização e o planejamento pela direção. Os padrões teriam resultado originariamente das necessidades dos consumidores: eis por que são aceitos sem resistência. De fato, o que o explica é o círculo da manipulação e da necessidade retroativa, no qual a unidade do sistema se torna cada vez mais coesa. O que não se diz é que o terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria

dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada em si. (ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p.100).

Nesse sistema, as possibilidades de resistência em relação a essa dominação seriam também apropriadas pela ordem vigente, de modo que “quem resiste só pode sobreviver integrando-se. Uma vez registrado em sua diferença pela indústria cultural, ele passa a pertencer a ela assim como o participante da reforma agrária ao capitalismo”, afirmam (1985, p.108). Ao transformar o indivíduo em “eterno consumidor”, a Indústria Cultural, segundo Adorno e Horkheimer, amplia a dominação capitalista para a esfera privada. Nessa esfera, seria a televisão o meio com maior potencial de “alienação”.

A televisão permite aproximar-se da meta, que é ter de novo a totalidade do mundo sensível em uma imagem que alcança todos os órgãos, o sonho sem sonho; ao mesmo tempo, permite introduzir furtivamente na duplicata do mundo aquilo que se considera adequado ao real. Preenche-se a lacuna que ainda restava para a existência privada antes da indústria cultural, enquanto esta ainda não dominava a dimensão do visível em todos os seus pontos. (ADORNO, 1963, p.346).

Nesse sentido, a televisão, segundo Adorno, teria o potencial de atenuar, para a consciência, a fronteira entre a realidade e a imagem exibida, de modo que a primeira passa a ser vista a partir dos “óculos da TV” (1963, p.349). Além disso, o sociólogo alemão afirma que a constituição da televisão como tal, em sua época, não dependia do “invento, nem mesmo das formas particulares da sua utilização comercial, mas sim do todo no qual está inserida” (ADORNO, 1963, p.354). Portanto, o autor também confere ao sistema capitalista a determinação do meio de comunicação, diferenciando-se do determinismo tecnológico.

A partir da perspectiva da Economia Política da Comunicação4, César Bolaño compreende a Indústria Cultural, não apenas como instrumento de dominação ideológica, mas também enquanto empresa capitalista em stricto sensu. Citando Habermas, o autor afirma que o papel geral dos meios de comunicação de massa é “promover a integração de um corpo social desagregado, sob a égide da publicidade que funciona, assim, como o elemento que dá coerência à nova configuração da esfera pública, a esfera dos consumidores de cultura.” (BOLAÑO, 2000, p.91). Nesse ponto, ele se refere à publicidade manipulativa e descritiva, e não àquela crítica. Assim, os meios de comunicação ocupariam uma função de reprodução ideológica do sistema capitalista a partir da valorização exacerbada de uma cultura do consumo, além de outras formas.

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Segundo Bolaño (2004), a Economia Política da Comunicação (também de base marxista), juntamente com a abordagem dos estudos culturais latino-americanos, ganha destaque na América Latina a partir da crítica às teorias da dependência cultural – a qual teria surgido com a crise do paradigma desenvolvimentista. Em relação às correntes tradicionais de estudos da Comunicação, como a Escola de Frankfurt, a Economia Política da Comunicação propõe-se a ampliá-la, analisando a Indústria Cultural também enquanto empresa capitalista em

A Indústria Cultural é entendida pelo autor como sendo responsável por realizar a “mediação simbólica” entre o capital e o Estado de um lado e as massas de consumidores e eleitores de outro. Nesse sentido, complementa e se opõe a outras “instituições de ordem simbólica”, como igrejas, escolas, partidos etc., as quais seriam capazes de reduzir em alguma medida o poder de “manipulação” dos meios (BOLAÑO, 2000, p.22). Segundo Bolaño, esse papel de mediação é exercido a partir da oposição entre duas funções gerais da Indústria Cultural: a publicidade e a propaganda, “o que reflete a contradição entre capital e Estado que caracteriza o modo de produção capitalista.” (2000, p.240).

A propaganda, nessa perspectiva, é responsável pela coesão social, “sendo monopolizada pelo Estado e pelos setores capitalistas que controlam os meios de comunicação de massa”; enquanto a publicidade se estabelece tendo em vista a acumulação do capital, estando “a serviço da concorrência capitalista” (BOLAÑO, 2000, p. 53). Segundo Bolaño, a função ideológica da publicidade “aparece diluída e serve à constituição de uma cultura capitalista no sentido geral do termo, uma cultura montada a um tempo na individualização e na massificação, na fragmentação e na rearticulação do corpo social, no consumo individual compulsivo e na produção em massa” (2000, p.92-93).

Empiricamente, porém, os limites entre a propaganda e a publicidade não são tão claros. Aliás, Bolaño afirma que “a forma elementar da publicidade é já também propaganda, na medida em que, ao lado dos inúmeros atos de compra e venda, conforma um universo simbólico de inegável poder ideológico” (BOLAÑO, 2000, p.53). Sobre essas funções dos meios de comunicação, o autor afirma que:

a partir do momento em que passamos a considerar as determinações impostas pela existência do capital e do Estado capitalista, fica patente que a norma de sociabilidade definida ao nível da circulação mercantil não basta para manter a coesão de uma sociedade fundada na desigualdade. É necessário o Estado e é necessário que a informação adquira o seu caráter diretamente ideológico. (BOLAÑO, 2000, p.53-54)

Nesse sentido, o autor defende que o sistema capitalista conseguiu determinar diferentes tipos de informação, com funções e graus de permeabilidade diversos, “de modo que a plena liberdade de informação ao nível da concorrência capitalista pode conviver com a manipulação e a censura na comunicação de massa e, sobretudo, na organização do processo de trabalho.” (2000, p.116-117). Com os modos de comunicação ampliados, as contradições do capitalismo foram aprofundadas, dificultando as possibilidades de manipulação, ao mesmo tempo em que se criou “novos mecanismos de controle”, explica Bolaño (2000, p.117).

O autor afirma ainda que a capacidade da Indústria Cultural de “colonizar o mundo da vida” se relaciona com o fato de ser capaz de instaurar novos “mecanismos internos de reprodução simbólica” (BOLAÑO, 2000, p.227). Desse modo, ele defende que a caracterização do capitalismo é feita justamente pelo fato de que essa função de mediação se articula a partir de duas necessidades do sistema: a publicidade, do ponto de vista econômico, e a propaganda, do ponto de vista político. Assim, o que marcaria o capitalismo monopolista “é que essas duas funções tendem a ser preenchidas por uma instituição única que é fruto ela própria da expansão capitalista: a Indústria Cultural, que disputa a hegemonia da ordem simbólica com outras instituições mais antigas e não especificamente capitalistas.” (BOLAÑO, 2000, p.228).

Para Bolaño, a Indústria Cultural representa, portanto, a realização “magnífica” do capital, já que além da formação de um sistema econômico, constrói-se também uma “cultura universal”, a qual é “caracterizada pela solidariedade entre os modos de vida e os comportamentos individuais de populações inteiras e as imposições do movimento histórico concreto da acumulação do capital (e não apenas da reprodução social em geral)” (BOLAÑO, 2000, p.228). O autor reconhece que a Indústria Cultural é apenas uma parte dessa cultura, sendo, porém, de “importância crucial”, “pois se trata do próprio capital tornado cultura, o intermediário entre a esfera divina da produção e do poder e o mundo da vida dos homens e das mulheres.” (2000, p.228).

Baseado em uma perspectiva marxista, Bolaño argumenta que tanto os meios de comunicação de massa, quanto as “teorias da informação” e as “teorias burguesas da comunicação”, mascaram o caráter de classe da informação capitalista. Assim, “ao garantir uma aparente igualdade presente na liberdade de acesso à informação de domínio público encobrem a desigualdade fundamental que se expressa no caráter de classe da informação no processo de trabalho” (BOLAÑO, 2000, p.50). Segundo ele:

Assim, a informação de massa e a comunicação de massa mascaram o caráter eminentemente classista da informação e da comunicação sob o capitalismo. A esta forma diretamente ideológica da informação chamarei aqui de propaganda, por oposição à publicidade, que tem um caráter também ideológico, mas diferente, indireto, relacionado à constituição de um modo de vida que é a base para a construção de uma cultura de massas especificamente capitalista. (BOLAÑO, 2000, p.50).

Além disso, Bolaño atenta para o fato de que a quantidade de instituições privadas ou públicas que fazem parte do “monopólio da informação”, bem como a quantidade de informações produzidas, não determina a igualdade no sistema, apenas reforça a sua aparência.

Mas, por mais que se amplie a quantidade de informação difundida, a diferença qualitativa que é a base de toda dominação não desaparece, pois o público está permanentemente privado de informação substantiva e permanentemente impedido de difundir suas próprias mensagens (salvo raras exceções que só fazem confirmar a regra) através dos meios de comunicação reservados ao capital e ao Estado. O excesso de informação, o bombardeamento de informações que caracteriza em grande medida a situação atual do desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e da cultura capitalista não elimina em hipótese alguma esse descompasso entre informação reservada (de interesse do capital e do Estado) e informação de domínio público, mas apenas ajuda a encobri-lo. (BOLAÑO, 2000, p.52).

Considerando o fato de que passa pela Indústria Cultural – mais especificamente, pela televisão – a legitimação social do Estado, as concorrências do jogo político, bem como as disputas “entre os diferentes grupos políticos pela conquista de corações e das mentes dos cidadãos” (BOLAÑO, 2000, p.267), esse meio de comunicação se torna uma esfera central na luta por hegemonia.

No documento allanameirellesvieira (páginas 34-38)