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O histórico de políticas públicas para a comunicação

No documento allanameirellesvieira (páginas 63-67)

3 TV PÚBLICA: ENTRE O ESTADO E O MERCADO

3.1 O SISTEMA DE COMUNICAÇÃO BRASILEIRO

3.1.1 O histórico de políticas públicas para a comunicação

O contexto institucional das Comunicações no Brasil é marcado, segundo o professor Murilo Ramos8 (2006), pela “fragmentação política” e “dispersão regulamentar”.

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O professor Murilo César Ramos, além de referência teórica desse trabalho, foi também integrante do Conselho Curador da EBC, de 2009 a 2015, como representante da sociedade civil. Assim, será também um ator analisado nas observações apresentadas no próximo capítulo dessa dissertação.

Fragmentação e dispersão que possibilitam (...) grande concentração de poder político, econômico e cultural em instituições de mercado, em detrimento do poder normativo, político, regulamentar e regulatório, do Estado e em oposição direta aos anseios de educação, informação e cultura que existem na sociedade. Por fragmentação política entenda-se a separação deliberada do poder decisório sobre a comunicação social eletrônica entre diferentes instâncias estatais. Por dispersão regulamentar entende-se a pulverização deliberada dos instrumentos legais que constituem o arcabouço legal da comunicação social eletrônica. (RAMOS, 2006, p.51).

Embora essa reflexão tenha sido feita em 2006 – à época da discussão sobre a criação da TV Brasil –, ela permanece válida, já que o panorama não se modificou substancialmente, como o próprio artigo do professor, “O Feitiço do tempo: o tímido legado de Lula e Dilma na Comunicação”, de 2015, comprova. Da mesma forma, Valente considera este ambiente disperso, sendo a normatização da comunicação pública caracterizada por quatro marcos regulatórios (VALENTE, 2009, p.92). De acordo com o autor, o primeiro se refere à regulamentação da radiodifusão, estabelecida na década de 1930, na qual o serviço é configurado como prioridade do Estado, podendo ser explorado por terceiros por meio de concessão.

Jambeiro por sua vez afirma que os Decretos 20.047, de 1931, e 21.111, de 1932, estabeleceram os princípios que norteiam a regulamentação da comunicação no Brasil, sendo eles:

(1) reserva da atividade para brasileiros; (2) conceituação da radiodifusão como serviço de interesse público, a ser utilizado com finalidades educacionais; (3) centralização do processo decisório e do controle da atividade no poder executivo; (4) exploração predominantemente privada da indústria. (JAMBEIRO, 2002, p.39).

A regulação da concessão e exploração dos canais de TV é, posteriormente, guiada pelo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117), aprovado em 1962. Segundo a avaliação de Jambeiro, a regulação do setor no Brasil tem suas raízes “no alto grau de nacionalismo” (2002, p.67), devido à restrição da participação estrangeira – tanto nos primeiros decretos quanto nas regulações posteriores – e a preocupação com o “interesse nacional”. Essa característica é fruto, primeiramente, do regime do Estado Novo com Getúlio Vargas, sendo reforçada, posteriormente, com a Ditadura Militar. Além disso, nos decretos da década de 30, também se estabelece o caráter de “serviço público” da radiodifusão. Porém, como Jambeiro afirma:

O resultado é que a qualificação legal da radiodifusão como um serviço público, de interesse público, e com finalidades educacionais tornou-se meramente retórica, sem consequências objetivas em termos de implementação. Na prática, o modo comercial de exploração da TV tem sido esmagadoramente predominante e o número e qualidade de programas de entretenimento têm superado de longe aqueles com características educacionais. (JAMBEIRO, 2002, p.68).

Voltando aos marcos estabelecidos por Valente, o segundo marco seria o Decreto- lei 236, de 1967, que cria o serviço de televisão educativa. Entretanto, esses canais educativos não eram exclusividade das entidades públicas, já que fundações privadas também podiam operá-los. Ainda assim, havia a proibição de publicidades e patrocínios. Dessa forma, criava- se um novo tipo de outorga, não baseada na comercialização, além da obrigação de transmissão de programas educativos por parte das emissoras comerciais de televisão (BRASIL, 1967).

É, porém, também com este decreto que se abre uma “brecha legal”, como Venício de Lima (2008) aborda, para a continuação da prática do “coronelismo eletrônico” – que será tratada mais à frente – na década de 1990. Isso porque o decreto exclui a necessidade de edital, previsto no Código Brasileiro de Comunicações, para a outorga dos canais educativos (BRASIL, 1967) – norma que permanece mesmo depois da Constituição de 1988.

O terceiro marco, segundo Valente, é estabelecido justamente pela Constituição Brasileira de 1988. Nela, assume-se que “compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.” (BRASIL, 1988, p.101). Porém, a ausência de uma definição clara sobre esses conceitos acaba levando a interpretações variadas sobre que emissoras compõem ou não o campo público de radiodifusão.

Além disso, a Constituição criou o Conselho de Comunicação Social e, apesar de manter como competência do Poder Executivo a outorga e a renovação de concessão, acrescentou a necessidade de apreciação do Congresso Nacional (BRASIL, 1988, p.101). Com o Decreto 1720, de 1995, instituiu-se também a necessidade de abertura de um edital para processo seletivo com fins de obter a outorga de exploração dos serviços de radiodifusão – exceto para os canais educativos (BRASIL, 1995a).

Além disso, a criação – pelo Decreto nº 96.291, de 1988, em conjunto com a Portaria Interministerial nº 236, de 1991 – de uma nova categoria de outorga de radiodifusão, as retransmissoras de TV de caráter misto, apesar de ter expandido a rede de emissoras educativas, possibilitou também a entrada de atores privados no campo público (STEVANIM, 2011, p.57). Como Venício de Lima9 (2008) defende, configurou-se aí mais uma “brecha

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Tendo substituído o professor Murilo César Ramos, Venício de Lima ocupa, atualmente, uma cadeira no Conselho Curador da EBC, enquanto representante da sociedade civil, tendo sido indicado via consulta pública. Sua atuação, porém, não foi contemplada nas análises empreendidas das reuniões do Conselho

legal” para a prática do “coronelismo eletrônico”, já que, em 1998, o Decreto 2.593 permitiria a transformação das RTV’s Mistas em geradoras educativas. Segundo Stevanim, verificam-se, portanto, entre as TV’s educativas vinculadas a entidades privadas, três tipos de propriedade das outorgas:

a) políticos das instâncias federal, estadual e municipal, por meio de posse direta, apadrinhamento ou registro em nome de familiares; b) igrejas ou autoridades religiosas, como pastores e padres; c) empresários de pequeno e médio porte e instituições filantrópicas locais, ambos sob a forma de fundações privadas. (STEVANIM, 2011, p.68).

Assim, a prática do “coronelismo eletrônico” também se verificou no âmbito da comunicação pública. Segundo Lima (2008, p.33), essa “brecha” da legislação só desapareceu em 2005, com o Decreto 5.371, no qual não consta a possibilidade de transformação das retransmissoras mistas em geradoras educativas.

Já o quarto marco regulatório da comunicação pública, definido por Valente, é a formulação da Lei do Cabo (Lei 8.977 de 1995), que previa a criação de canais públicos, educativos e comunitário: um para o legislativo municipal/estadual, um para a Câmara dos Deputados e um para o Senado Federal – sendo estes destinados à documentação dos trabalhos e à transmissão ao vivo das sessões das casas; um canal universitário – reservado para uso compartilhado entre as universidades dos locais da prestação de serviço; um canal educativo-cultural – destinado a órgãos que se dedicam a essas esferas na administração federal, estadual e municipal; um canal comunitário – reservado para entidades não governamentais e sem fins lucrativos; e, por fim, um canal para o Supremo Tribunal Federal, adicionado pela Lei nº 10.461 de 2002 – com a proposta de divulgação dos atos e serviços do Judiciário (BRASIL, 1995b). Embora grande parte da Lei do Cabo tenha sido modificada pela Lei nº 12.485 de 2011, a existência destes canais continua vigorando, sendo adicionados alguns outros por esta última, como: um canal para prestação de serviço da radiodifusão pública pelo Poder Executivo; um canal oficial do Poder Executivo; e um canal de cidadania (BRASIL, 2011).

Elaborada a partir de um processo de negociação e discussão pública entre diferentes atores – desde entidades da sociedade civil, como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), até setores empresariais –, a Lei do Cabo, como Santos (2004) afirma, trazia uma esperança de democratização do campo da comunicação. Entretanto, a parceria entre as redes de TV por assinatura e os global players das

Curador, já que sua posse foi realizada em agosto de 2015 e o período de análise determinado foi até julho de 2015.

telecomunicações, evidenciou não uma ruptura, mas uma permanência do sistema hegemônico, como Santos explica (2004, p.17).

Para além da Comunicação Pública, em 1997 foi sancionada a Lei Geral das Telecomunicações – Lei 9.472, gerando, segundo Murilo Ramos (2006), uma esquizofrenia normativa, já que modificava o Código Brasileiro de Telecomunicações no que se refere à TV por assinatura e à telefonia, enquanto a radiodifusão (TV aberta e rádio) permaneceu regulada pelas normas de 1962 (RAMOS, 2006, p.60). A Lei de 1997 cria a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a qual fica responsável, então, pela outorga das concessões deste setor, enquanto as da radiodifusão permanecem no controle do Poder Executivo.

De acordo com Santos, essa separação jurídica gerou dois mercados divergentes: o das telecomunicações, com possibilidade de entrada do capital estrangeiro e, portanto, configurando um oligopólio de empresas globais; e o da radiodifusão, herdando a tradição política brasileira, com as práticas de coronelismo político (SANTOS, 2004, p.121).

Segundo Valente (2006), a partir do histórico de políticas para a Comunicação no Brasil, pode-se afirmar que as emissoras públicas tiveram papel de “complementaridade marginal”. Nesse sentido, as empresas privadas representam, historicamente, a hegemonia no setor. Mesmo durante o período ditatorial – contexto no qual, em outros países, as emissoras públicas foram transformadas nos principais instrumentos de propaganda do governo –, a emissora privada, Rede Globo, exerceu o papel principal de propaganda do regime. Desta maneira, a própria ideia de televisão que os cidadãos brasileiros têm está muito relacionada ao modo comercial e ao “padrão Globo” de produção. A ausência de referência de uma emissora pública nacional bem como do próprio entendimento do que é “público”, em sentido mais geral, influencia na forma como se deu a criação e o desenvolvimento da empresa de comunicação pública no país.

No documento allanameirellesvieira (páginas 63-67)