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MERCADO INTERNACIONAL

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Volumes em milhares de toneladas

9. ESTUDO DE CASO: TROPICAL SPICE

9.7. A cultura exportadora

No âmbito institucional, um dos objetivos pretendidos com a criação dos consórcios de exportação é desenvolver uma mentalidade ou cultura exportadora. No que se refere a isso, é importante que se alcance o entendimento do significado dessa cultura para que seja possível qualquer tipo de análise. Segundo as observações coletadas em entrevistas, é claramente

colocado que para exportar, algumas condições básicas são necessárias. Em primeiro lugar, é fundamental que exista uma compreensão de que, em termos tecnológicos, sempre haverá a necessidade de a firma adaptar seus processos e padrões de qualidade aos requisitos externos. Há unanimidade nas declarações coletadas de que os padrões internacionais são normalmente superiores aos aceitos domesticamente. Além disso, o fabricante precisa incorporar a idéia de oferecer uma diferenciação de produto que respeite particularidades culturais intervenientes na demanda de cada país de destino, independente da sua experiência construída no mercado interno.

Um segundo aspecto destacado é o da conduta empresarial refletida genericamente no compromisso com os clientes. O levantamento efetuado com os profissionais da ABIT, APEX e do SEBRAE deixa claro que, sob a perspectiva de uma atividade exportadora perene, os mercados externos oferecem menor tolerância com descumprimentos de prazos e de níveis de qualidade, até mesmo porque eventuais falhas nesses quesitos são muito mais difíceis de serem solucionadas.

Os entrevistados lembram também que a cultura exportadora tem uma dimensão que é técnica e lida com a operação do comércio exterior em si. Os trâmites burocráticos são complexos e precisam ser conhecidos com profundidade. A prática da negociação internacional bem sucedida exige o conhecimento de uma série de termos e procedimentos específicos que se aplicam a um tipo de transação financeira e logística ainda estranha ao pequeno e médio fabricante nacional. Os meios e a freqüência de transporte têm menor disponibilidade; o idioma é normalmente diferente, bem como os procedimentos de seguro de mercadorias e de negociação e desconto dos pagamentos em moedas estrangeiras.

Um quarto fator presente nas considerações feitas pelos entrevistados com relação ao tema da cultura exportadora diz respeito à incorporação do comércio exterior nas operações das firmas. O primeiro passo para se conquistar uma cultura exportadora depende do comprometimento efetivo do empresário em todas as questões mencionadas anteriormente. Para isso, o empresário de qualquer empresa tem que necessariamente entender as dimensões técnicas, tecnológicas e de atitude, bem como as suas implicações. Além disso, e mais fundamentalmente, esse empresário deve aceder ao mercado externo como uma opção definitiva para o seu negócio, que não se coloca dependente do desempenho obtido no mercado doméstico e nem tampouco dos resultados colhidos no curto prazo. A exportação

não é um canal para desova de excedentes de estoque nem uma opção para contornar conjunturas internas desfavoráveis. Ou seja, a exportação requer continuidade e persistência e não pode ser entendida como um negócio eventual, esporádico e/ou complementar às atividades tradicionais da firma, mas sim uma nova orientação estratégica clara e permanente.

Essa questão é colocada com grande ênfase por todos os entrevistados. Uma abordagem mais contundente foi oferecida pelo profissional da APEX, para quem a cultura exportadora excede qualquer interpretação vinculada a um movimento diversificador da empresa, mas ela pressupõe a consciência de que a entrada no comércio internacional é, sobretudo uma defesa contra a concorrência estrangeira no mercado brasileiro. E ilustra com um fato anedótico de que no nordeste brasileiro já existem à venda imagens do ‘Padre Cícero’ made-in-China, mais baratas que as nacionais.

Assim, por um lado, a cultura exportadora representa um rompimento com os padrões e práticas válidas no meio doméstico. A importância do desenvolvimento de mentalidade exportadora se magnifica diante da consideração de que o maior potencial de exportação da cadeia se encontra nos empreendimentos de portes mais modestos e que correspondem ao perfil predominante na produção de confeccionados no Brasil. Segundo dados da ABIT (2004), o Brasil atualmente já superou o papel de exportador de matérias primas básicas para uma situação mais favorável em que aproximadamente 40% da pauta de exportações em valor FOB da cadeia têxtil são conseguidos pelo desempenho externo dos produtos confeccionados e destes, praticamente a metade é participação de itens de vestuário e acessórios.

No entanto, pelo entendimento dos entrevistados, a internacionalização crescente dos mercados estabelece uma relação direta entre cultura exportadora e competitividade em todos os níveis. Em suma, a cultura exportadora impele a competitividade que acaba se refletindo no que se faz internamente, numa espécie de reformulação do trabalho de trás para frente. O nível de exigência da competitividade internacional muda a chave de sucesso e impõe que a empresa seja mais vigilante em vários itens, desde a estratégia de lançamento e a concepção de produto, até o lado operacional da produção propriamente dita. As necessidades de maior antecedência no planejamento implicam uma relação nova com os seus fornecedores e a necessidade de buscar informações estratégicas para, por exemplo, acompanhar os calendários internacionais, participação de feiras, ou mesmo cronograma de compras dos clientes internacionais. Esse conhecimento que se adquire ao operar com o mercado externo

automaticamente se implanta no funcionamento local da empresa e se constitui em uma forma de adquirir um melhor posicionamento no mercado local em relação a qualquer outro competidor, de procedência local ou estrangeira.

Portanto, as empresas que têm esse tipo de preocupação serão aquelas que poderão obter sucesso no mercado internacional. As que estão desovando estoque ou que estão fazendo uma atividade comercial muito contingencial estariam fadadas ao insucesso. Não que a parte internacional esteja se banalizando, mas a incorporação de melhorias tecnológicas no processo produtivo decorre da inserção no mercado externo. Nesse sentido, são as barreiras de entrada em países alvos de mercado que vão empurrar para dentro das empresas toda a modernização de que se necessita. Neste sentido, as opiniões coletadas sugerem que é melhor exportar pouco para mercados menos avançados, como os vizinhos sul-americanos, do que não exportar nada para lugar nenhum.

Assim, a cultura exportadora pode ser definida como a mescla de sensibilidade estratégica e competência técnica que se faz necessária para que o empresário possa, de maneira constante e eficiente, alcançar a visão de oportunidades e ameaças ao seu negócio além de quaisquer fronteiras nacionais. Na medida em que desenvolve a perspectiva de pertencimento a um ambiente maior, ao empresário se propõe o desafio de romper isolamentos, ainda que defensivos, renunciar a tentações protecionistas e partir para uma conexão com o mundo.

9.7.1. A cultura exportadora no âmbito da ABEV

A partir desses elementos definidores, as informações coletadas na ABEV levam novamente a uma conclusão positiva. Tanto as empresas associadas como a gerência do consórcio demonstram plena segurança em abordar a decisão de exportar como uma orientação a todas as funções desempenhadas pela empresa, implicando investimentos contínuos e dedicação permanente. Segundo os parâmetros fornecidos pelas instituições de apoio, há traços dessa cultura permeados em muitas das citações utilizadas acima. Além delas, adicionam-se outras conforme declarações da gerente do consórcio:

“[...] tem alguns associados que entram aqui e esperam resultados “para ontem” [...] ele não tem a noção de como é o trabalho. Ele simplesmente quer suprir uma necessidade que ele tem no mercado interno e não está conseguindo

[...] o retorno de uma exportação não é imediato, é de seis meses para mais. É isso o que eu tenho observado nesses quatro anos.

[as empresas] sempre esperam entrar numa exportação e vender mais do que vendem no mercado interno. E não acontece assim do dia para a noite. Tem que ser trabalhado, tem que estar sempre em contato, tem que mostrar o seu produto, porque não adianta você entrar no consórcio, mandar o mostruário e deixar aqui pelo resto da vida e esperar que aquele mostruário venda”.

As empresas ALFA e GAMA complementam esse raciocínio com observações igualmente reveladoras:

“[...]. tem que encarar isso como um investimento para a exportação da empresa [...] tem que ter visão de médio e longo prazo e se comprometer em cima disso. Tem que ter aquela visão de empresário que está investindo no futuro da sua empresa. O futuro da empresa merece o investimento. [...] cada país tem uma necessidade diferente, uma forma diferente de vestir o meu produto, o biquíni. A Venezuela, por exemplo, gosta de fio-dental, eu faço fio-dental para a Venezuela. A França e a Espanha querem lycra mais fina, então eu vou procurar a fazer lycra mais fina. [...] O ideal é que para cada país você tenha uma coleção específica. É impossível para uma

pequena empresa fazer isso. Então eu tento fazer um mix no meu catálogo de peças, tanto para exportação como para o mercado interno.

[...] se um cliente ligar aqui falando castelhano, vão atender ele bem, vão dar a melhor cotação a ele [...] hoje em dia eu posso tirar qualquer peça do meu estoque e ela está apta a seguir para a exportação. A minha etiqueta já sai com 5 idiomas, tudo com protetores, tudo da melhor qualidade, qualquer peça minha atende tanto ao mercado interno como externo”;

“[...] porque eu não vejo como uma coisa que assim: ‘ah, quando eu não

estiver vendendo nada, eu vou vender para o exterior’. Não é assim. Se você

realmente vai vender para o exterior, então que não tenha um senão para falar contra. E isso eu acho que ajuda a melhorar as coisas daqui”.

As citações das empresas ALFA e GAMA – que intencionalmente trouxeram o assunto à tona – parecem indicar que as sementes dessa cultura já eram presentes nas motivações originais que culminaram na busca e adesão ao consórcio como meio de desenvolver isso. Assim, a cultura exportadora pode ser tida como um pré-requisito à inserção positiva no mercado externo que, por sua vez, se coloca como um caminho não apenas ao equilíbrio financeiro das empresas, mas de garantia de competitividade.