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MERCADO INTERNACIONAL

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Volumes em milhares de toneladas

9. ESTUDO DE CASO: TROPICAL SPICE

9.5. O comportamento cooperativo dos associados

Para os propósitos do presente trabalho, chegou-se anteriormente à uma definição de cooperação entre empresas como sendo a contribuição espontânea de recursos valiosos que se oferece para a superação de limites, obstáculos ou dificuldades quaisquer que se imponham a um conjunto de empresas por determinadas condições externas. É também pressuposto da cooperação que o proveito que dela se obtém deve ser proporcional à competência de cada elemento do conjunto em lidar com as novas condições que daí se estabelecem. No caso específico dos consórcios de exportação, são as condições de competitividade internacional da pequena empresa brasileira que constituem um limite a ser superado. Assim, sob esta ótica, a própria adesão ao consórcio configura uma manifestação cooperativa, já que se faz por livre escolha da empresa que, pelo pagamento de mensalidades e outras contribuições, forma uma massa crítica de recursos que possibilita a si mesma e a seus pares consorciados o acesso a mercados estrangeiros em condições superiores às que tinham anteriormente. A penetração nesses mercados depende de como cada fabricante do grupo incorporou aos seus produtos, estilo, qualidade, apresentação e outras características que atendem as expectativas dos compradores.

Uma informação importante da ABEV é que dos seus 63 membros, apenas 39 são considerados ativos. Ou seja, como comenta a empresa BETA, aproximadamente 38% das empresas associadas

“[...] são pagadoras, participam, mas não são participativas, não participam de reuniões. Mandam amostras e tal, mas não têm envolvimento com o dia - a-dia do consórcio. [...] São poucos que têm comportamento favorável e a maioria não está nem aí”;

e complementa a empresa GAMA:

“[...] as pessoas não participam igual, da mesma maneira. Primeiro porque tem gente que não aparece nas reuniões. E em reuniões seguidas!

[...] aliás, eu acho que devia ter reunião toda semana. Que é a única maneira de você chegar ao objetivo é você ter reunião. Teria assunto para discutir toda a semana? Enquanto não tiver uma coleção que venda milhares de peças por mês, eu acho que tem”.

Portanto, se a adesão ao consórcio pode ser entendida como um movimento pró-cooperação, as opiniões coletadas entre membros da ABEV indicam que ela não é suficiente. Sugere-se assim que é o comprometimento mútuo que, ao lado da atuação justa e honesta e do cumprimento dos acordos estabelecidos (DAS e TENG, 1998), dá a liga necessária para que a formalização contratual de que falam Grandori e Soda (1995), ou o pacto disciplinar de Casarotto e Pires (2001), se mostre eficiente em relação aos seus objetivos. Faz-se necessário, portanto, avaliar a percepção interna ao arranjo no que se refere ao comprometimento entre os membros e o ponto central parece estar relacionado ao equilíbrio interno do consórcio, como se posicionam as empresas ALFA e BETA:

“[...] eu acho que o comprometimento vai muito do nível empresarial de cada um. [...] A grande dificuldade que eu vejo no consórcio é você conseguir juntar pessoas do mesmo nível econômico, cultural e empresarial. [...] Se você conseguir juntar um grupo de pessoas equilibradas, o consórcio tem tudo para dar certo.

“[...] em termos de formatação, o ideal para o funcionamento de um consórcio é você não ter empresas muito diferentes umas das outras”.

Como visto anteriormente, a ABEV conta com instrumentos de regulação muito bem elaborados e consistentes, mas o estatuto social e o regimento interno são instrumentos que, por sua natureza, não se prestam para regular o tipo de contribuição esperada de cada associado. Principalmente quando essa contribuição significa envolvimento e participação ativa, porque estas devem necessariamente ser manifestações espontâneas. Olk e Young (1997) identificaram que o envolvimento sustentado apenas pela contribuição de recursos tangíveis não gera comprometimento e intenção de continuidade de participação no arranjo. A tarefa em questão não é apenas regular a ação dos membros, mas estimular os associados a se fazerem mais presentes nas decisões tomadas em favor do arranjo. Em nenhum momento das entrevistas efetuadas surgiu alguma menção à existência de instrumentos ou ações quaisquer com vistas a estimular o envolvimento. O representante da empresa é bastante enfático ao comentar este problema:

“[...] todo mundo tem que participar. Se não pode participar de dez, participa de uma ou duas [reuniões]. Isso é fundamental não só para o consórcio, mas para quem faz parte do consórcio [...] Participar de atividades, das reuniões, dar opinião, mandar um email, querer saber como é que está.. [...] Não podem ficar todas as atitudes nas mãos de uma diretoria, nem jogar toda a responsabilidade de ‘x’ empresas nas costas de um gerente. Porque tem atitudes que ele não sabe tomar. Se ele não tem o apoio, se ele não tem a participação, ele não sabe o que fazer”.

O representante da empresa ALFA enxerga maiores dificuldades de gerenciamento quando a ausência nas decisões do consórcio acaba determinando assimetrias de resultados e enfraquecimento do grupo:

“[...] uma das preocupações do gerente do consórcio tem que ser que todos tenham bons resultados. Não adianta que três empresas do consórcio vendam muito e as outras não vendam nada, porque elas vão sair do consórcio e o consórcio vai se enfraquecer”.

As razões que levam mais de um terço dos associados da ABEV se manterem distantes do grupo merecem ser investigadas com mais profundidade. No entanto, a despeito de quais sejam, o que se observa com clareza é que existem sérias divergências internas quanto ao significado do consorciamento. As contribuições teóricas colhidas na literatura e apresentadas no capítulo 6 mencionam dificuldades que decorrem da divergência de opiniões (GRANDORI, 1997; KANTER, 1990), diversidade de interesses (HUMAN e PROVAN, 2000) ou de conflitos em razão da falta de confiança e da necessidade que se tem de proteger vantagens competitivas individuais de serem apropriadas pelos demais associados (LEI e SLOCUM, 1992). Porém, a dificuldade sentida pelos membros entrevistados da ABEV parece não se enquadrar em nenhuma dessas categorias, que são inerentes aos alinhamentos de múltiplas empresas. As opiniões coletadas são unânimes em afirmar que as soluções encontradas até hoje para os atritos foram as melhores possíveis. Nunca houve alguma situação que saísse de controle do grupo, e a opinião da gerente entrevistada é bastante ilustrativa quanto a esse aspecto:

“[...] se houver impasse é ótimo! Pelo menos os associados estão interessados em saber em quais os eventos a empresa dele estará participando e se isso vai ser realmente bom ou não para as empresas”.

Nem tampouco existem preocupações quanto a possíveis ações predatórias de seus parceiros. Mesmo porque parece não haver muito que se proteger. Em relação a um eventual desequilíbrio entre as capacidades dos associados, explica o representante da empresa ALFA:

“[...] se houver homogeneidade no consórcio eu não vou ensinar a ele

[parceiro] nenhum pulo do gato porque o que ele sabe é o mesmo que eu sei. Eu posso ensinar a ele um detalhezinho que não vai fazer muita diferença na nossa competição. Ele tem a mesma experiência profissional na área. Ele não vai me ultrapassar no mercado interno e, de repente, nós podemos crescer juntos realmente”.

Segundo os entrevistados, não é esse o problema que distancia os membros inativos das atividades regulares do consórcio e que os mantém alheios às reuniões para tratar de assuntos técnicos, comerciais ou outros quaisquer. A visão que prevalece é que a homogeneidade de interesse existente entre os membros ativos da ABEV é suficiente para encaminhar as questões potencialmente conflituosas, em consonância com o argumento de Kanter (1994) de que a compatibilidade histórica, filosófica, e estratégica entre os membros será determinante na construção do relacionamento entre eles.

Se a adesão a um consórcio já configura uma manifestação cooperativa conforme a proposição inicial desta seção, então seria admissível a existência de cooperação sem participação, sem envolvimento. Porém, as opiniões coletadas mostram que as contribuições de valores materiais à ABEV (mensalidades e rateios de despesas específicas) não prescindem o tempo e a dedicação aos assuntos do arranjo, como fatores que assumem caráter de recurso valioso para o funcionamento do arranjo e que haviam sido arrolados por Dyer, Kale e Singh (2001) entre os custos da cooperação.

Assim, alternativamente, tem-se que a definição de cooperação alcançada para a condução deste trabalho e apresentada na seção 2.5 é imperfeita porque ela não explicita que recurso valioso é uma construção não exclusivamente material. A dificuldade sentida pelos associados ativos da ABEV parece revelar que a formulação de consórcio adotada não é suficiente para a regulação da ação coletiva, ou seja, diferentemente do que propõe Grandori (1997), a ordenação do funcionamento do arranjo depende de outros fatores que não podem ser capturados em um modelo constitucional de regras e sanções. O exemplo da ABEV mostra que a contribuição espontânea de recurso valioso deve respeitar uma dimensão que é também cognitiva. Como proposto no capítulo 2, na interação cooperativa é necessário que os envolvidos compartilhem de interpretação convergente sobre o que se faz necessário para superar suas limitações comuns impostas pelo ambiente. Sugere-se, portanto, que a cooperação seja definida como uma forma de contribuição espontânea e pactuada entre dois ou mais agentes para a elevação das condições de atuação comuns, cujo benefício recíproco será proporcionalmente decorrente da capacidade individual de se valer das melhorias promovidas pela ação conjunta.