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Segundo Knorringa e Meyer-Stamer (1988), a decisão de cooperar pode ser avaliada por vários ângulos. Da perspectiva econômica, a cooperação atende uma lógica compatível com a TCT, já que a contratação em mercado tende a ser custosa para definir, negociar e se cumprir, gerando custos de transação. Pela ótica da inovação, a cooperação entre firmas adquire importância na medida em que a inovação é um processo cumulativo e contínuo que se faz pelo aprendizado interativo: fazendo, usando e interagindo. Assim, a cooperação contribui

não apenas para a celeridade dos processos de aprendizado e de inovação, como também constitui uma alternativa que via de regra é extremamente mais barata do que o desenvolvimento autônomo.

Por outro lado, para os autores, a intenção de não cooperar pode se dever a várias razões, que vão desde aspectos macroeconômicos desestimulantes às transações entre firmas ou ações de longo prazo, até os custos de transação também implícitos na cooperação, já que a coordenação de vários agentes freqüentemente envolve tempo e recursos, além de dispêndios na solução de conflitos que naturalmente ocorrem.

Neste ponto, entram em cena os fatores culturais que são de especial importância para o entendimento da dinâmica da cooperação, uma vez que revelam o seu principal alicerce: a confiança. Entre os fatores desfavoráveis à cooperação está a concepção tradicional que coloca competidores na posição de inimigos vigilantes na busca de desvendar segredos profissionais da concorrência ou prontos a ações oportunistas de qualquer outra sorte. Ambientes de elevada concentração de atividades em empresas fechadas em si e experiências de cooperação mal-sucedidas fomentam uma cultura de isolamento e baixa confiança. Isso corrói as perspectivas de sucesso de esforços em favor da cooperação e fortalece uma cultura de rivalidade incondicional entre as empresas. (DAS e TENG 1998; KNORRINGA e MEYER-STAMER, 1998).

Tanto a cooperação como a sua ausência são dependentes da história de decisões passadas e dos respectivos resultados (KOGUT, SHAN e WALKER, 1992) obtidos das interações anteriores da firma com os seus pares e com o seu ambiente. Disso decorrem dois aspectos fundamentais para o entendimento da confiança que sustenta relações de cooperação. Em primeiro lugar, ela é um processo contínuo e incremental. Além disso, ela se cria e fortalece na repetição de atitudes e comportamentos coerentes com a percepção que se tem de cooperação.

A respeito deste último ponto, Parkhe (1993) argumenta que a repetição de ações tende a encorajar a reciprocidade da outra parte. Além disso, a cooperação se mantém quando os ganhos imediatos que por ventura podem advir da defecção sejam inferiores aos benefícios futuros projetados pela continuidade de participação no arranjo. Assim, o exercício do oportunismo ou a falta de cooperação no presente ficam menos atrativos em face de eventuais

conseqüências negativas que deles decorram futuramente. Essa ligação entre as ações presentes e a antecipação de suas possíveis conseqüências constitui o efeito denominado “sombra do futuro” (shadow of the future). Para o autor, se cada firma adere ao arranjo para obter resultados positivos via cooperação, é lícito supor que o seu comportamento inicial será condizente com o que dela se espera. Alterações nos ambientes interno e/ou externo que tornem improváveis as expectativas iniciais ou então que apresentem oportunidades novas ainda mais vantajosas podem incentivar a quebra do comportamento cooperativo. Mas, na ausência dessas alterações ex-post, existe uma propensão para que a cooperação se consolide. Quanto maior a duração esperada do relacionamento, maiores as chances de retaliações futuras a comportamentos oportunistas presentes. Assim, se o relacionamento prevê um fim, a tentação de desviar-se da conduta cooperativa se fortaleceria (PARKHE, 1993).

Mas nesse aspecto, há outro importante fator favorável ao comportamento cooperativo que é a reputação, que pode ser descrita como uma espécie de síntese dos comportamentos passados de cada agente que o acompanha no futuro. Conforme explica Hill (1990), a reputação tem a capacidade de preencher a função da “sombra do futuro” em situações de relacionamentos finitos ou mesmo em casos de transações singulares e isoladas.

Se potenciais parceiros para transações presentes ou futuras tiverem conhecimento do histórico comportamental de um agente qualquer em transações generalizadas – ou seja, sua reputação, qualquer transação mesmo que isolada, se transforma em parte de uma série infinita de transações futuras, pois agentes econômicos racionais irão sempre buscar elementos para criar expectativas de comportamento esperado das partes com que necessitam ou pretendem transacionar (GRANOVETTER, 1985). Na mesma linha de raciocínio, nenhum agente tem condições de precisar quais serão suas futuras transações, nem tampouco quais os parceiros disponíveis para isso. Assim, a reputação exerce um papel importante na determinação das posturas iniciais das partes em qualquer transação. Ela confere pragmatismo à cooperação, como medida recomendável de garantir condições futuras propícias. Além disso, ela tem valor econômico, pois uma boa reputação reduz os custos de transação em termos do custo de monitoramento do relacionamento. A construção da confiança requer muito mais tempo, esforços e investimentos do que se faz necessário para que ela seja destruída. Por sua vez, a reconstrução de uma confiança destruída é ainda bem mais cara. Na medida em que a boa reputação torna possível que uma empresa entre em alianças valiosas e as mantenha, ela se torna uma importante vantagem competitiva.

Granovetter (1985) defende a idéia de que as relações sociais são as principais responsáveis pela produção de confiança na vida econômica, embora não sejam suficientes para garantir comportamentos confiáveis e cooperativos. Isso porque oportunismo e má fé também se praticam na presença de relações sociais. São estas relações que aproximam indivíduos criando condições para determinadas práticas oportunistas impossíveis de acontecerem entre estranhos. Além disso, ações fraudulentas e criminosas são mais eficientemente praticadas por equipes, que se sustentam muitas vezes em relações de confiança entre os membros do “bando”. E, por fim, permitem que situações normais de discórdia sejam escaladas ao estado de “guerra” pela arregimentação de aliados provenientes das próprias relações sociais. Dessa forma, o autor assume que as condições para a cooperação ou para o oportunismo estão engendradas na forma pela qual as relações sociais estão estruturadas.

Assim, na mesma medida em que a cooperação não significa total abandono de interesses individuais em favor do grupo aliado, tampouco o ingresso em um relacionamento estratégico em que o objetivo declarado seja cooperativo livra qualquer empresa do risco de ser objeto de investidas oportunistas dos seus parceiros. A cooperação mútua é desejável, mas não automática (PARKHE, 1993).

Nesse ponto, Das e Teng (1998) oferecem a interessante argumentação sobre outro tema de extrema relevância para a geração e manutenção de relacionamentos, alianças ou arranjos cooperativos quaisquer. Para os autores, o equilíbrio que sustenta a cooperação se dá entre as expectativas que se tem quanto aos motivos dos parceiros em cooperar e do controle que se dispõe para aumentar a previsibilidade do seu comportamento. Sob tal perspectiva, intenção e gesto se diferenciam. Como ressalta Parkhe (1993), a reciprocidade de ações cooperativas ou não cooperativas depende de saber distinguir entre cooperação e defecção no comportamento do parceiro.

Gulati e Singh (1998) colocam o tema do controle nas alianças em relação às questões de apropriação dos resultados coletivos e dos custos de coordenação – aqueles ligados à complexidade organizacional necessária para decompor as atividades entre as partes para que sejam desempenhadas, conjuntas ou individualmente, em consonância com os propósitos estabelecidos do arranjo, bem como a comunicação, a tomada de decisões e a solução de conflitos que daí decorrem. Dessa forma, os custos de coordenação cabem mesmo quando não há disputas quanto à apropriação. Para os autores, o controle representa um elemento

hierárquico no relacionamento, pelo qual se formaliza o acordo mútuo sobre papéis e responsabilidades no sentido de facilitar a interação entre os membros e atenuar a ocorrência de conflitos tanto quanto seja antecipadamente possível. Reconhecem que a confiança plena e total no relacionamento cooperativo hipoteticamente seria suficiente para dirimir as questões de apropriação e de coordenação e, conseqüentemente, a necessidade de controles hierárquicos internos ao arranjo se estabeleceria em nível mínimo.

Para Doz (1996), controles sobre desempenho representam uma fonte de aprendizado sobre as partes e sobre o arranjo. A fase inicial de colaboração em uma aliança estratégica corresponde à interação das condições iniciais com as dimensões de aprendizado, conforme Quadro 1.

CONDIÇÕES INICIAIS DIMENSÕES DE APRENDIZADO a. definição de tarefas de cada um

no arranjo

a. ambiente: situação contextual do arranjo e de cada participante

b. rotinas a serem cumpridas para atender o contexto organizacional de cada parte

b. tarefas de parceria: atividades envolvidas para o funcionamento do conjunto

c. interface entre os membros

c. processo de cooperação: reconhecimentos mútuos de diferenças de estrutura, rotinas e processos que precisam ser superadas para o bom desempenho do arranjo

d. habilidades: desenvolvimento de competências necessárias para o bom desempenho do arranjo d. expectativas comuns e

individuais sobre o desempenho do arranho e do comportamento dos

parceiros e. objetivos: motivos e agendas “ocultas” de cada parte que se revelam nas interações. Quadro 1: Condições iniciais e dimensões de aprendizado.

Fonte: Doz (1996)

O autor considera que as possibilidades de aprendizado interno ao arranjo são influenciadas em grande parte pelas condições iniciais de sua formação – definições de papéis, responsabilidades, atitudes e expectativas, que por sua vez terá implicações sobre a percepção dos resultados atingidos. Mas, para o autor, a dinâmica da cooperação se faz por meio de monitorações cíclicas que se iniciam do aprendizado obtido da interação proporcionada pelo arranjo. Cada membro avalia o arranjo em termos de sua eficiência, da equidade na apropriação dos resultados e na adaptabilidade de seus pares às exigências imprevistas do trabalho coletivo. A partir daí, os membros ajustam os seus relacionamentos, muitas vezes alterando as condições iniciais. Portanto, o aprendizado em cada uma dessas dimensões é

importante para reavaliar a adequação das condições iniciais. O esquema 1 ilustra esta relação cíclica.

Esquema 1: Ciclo de monitoração do aprendizado

Para Doz (1996), em alianças bem sucedidas, o ciclo aprendizado-reavaliação-ajuste aprofunda as relações e os compromissos entre os parceiros. A sucessão de ciclos cumpre dupla função: faz com que os participantes progridam no nível de comprometimento ao arranjo e gera oportunidades para o fortalecimento da confiança. Por outro lado, alianças não bem sucedidas enfrentam deficiências no aprendizado, gerando ajustes negativos pela conclusão de que o trabalho conjunto não é compensador. Mas a ligação entre aprendizado e modificação das condições iniciais não é automática, mas condicionada à vontade dos participantes em continuarem comprometidos à relação. Ou seja, aprendizado nem sempre é reforçador da relação. Reforça-se assim a concepção de uma ação cooperativa que evolui e responde a uma dinâmica que depende da trajetória, dos objetivos e das motivações.

O conjunto das considerações traçadas até o momento sobre as formas de arranjos estratégicos cooperativos entre empresas permitiu identificar um quadro genérico dos fatores relevantes para o funcionamento dos consórcios de exportação como uma de suas modalidades. Neste sentido, privilegiou-se a dinâmica do relacionamento cooperativo, pois este tema é um dos

Aprendizado Reavaliação Ajuste Condições iniciais Aprendizado Reavaliação Ajuste Condições iniciais

aspectos centrais na formulação do problema de pesquisa proposto. O que merece atenção neste momento é que a confiança segue a cooperação (PANICCIA, 1998). Além disso, a consideração de que as relações causais e mecanismos de criação, sustentação e fortalecimento da cooperação, confiança e reputação se pautam mormente em argumentações teóricas.

Todas essas considerações teóricas foram levantadas neste capítulo para destacar a importância da cooperação no comportamento transacional de agentes econômicos. Esta importância, no entanto, se coloca mais evidente e eficiente em ambientes em que a flexibilidade seja elemento fundamental. As proposições de Hill (1990) Kogut, Shan e Walker (1992), Parkhe (1993) e Doz (1996), principalmente, têm em comum a idéia de que o comportamento cooperativo é intrinsecamente evolutivo; ele se acentua e fortalece na repetição e na construção incremental de uma base de conhecimento entre os agentes econômicos. E, neste sentido, aprendizado, confiança, reputação, vulnerabilidade pela exposição e necessidades de controle firmam-se como variáveis importantes a serem identificadas em relacionamentos entre empresas que se propõem a ser cooperativos.

A premissa de desenvolvimento do trabalho que se segue é que existem condicionantes específicos a serem avaliados em iniciativas de natureza cooperativa entre empresas brasileiras que arrojam alterar uma trajetória de desenvolvimento baseada no isolamento, tanto em relação aos seus pares como em termos de perspectivas de mercado, como será apresentado adiante.