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A DEFINIÇÃO DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA (ART 203, §2)

As decisões interlocutórias foram definidas pelo art. 203, §2, do CPC/2015, como “todo o pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no conceito de sentença (art. 203, §1)”.

Em uma primeira análise ao dispositivo legal, pode se dizer que o legislador mesclou pelo menos 2 (dois) critérios de fácil identificação: o primeiro relacionado a carga decisória do ato (pronunciamento judicial de natureza decisória), e o segundo de exclusão (que não se enquadrem no conceito de sentença).

No que tange a força decisória do ato, tal critério é utilizado para diferenciar as decisões interlocutórias dos despachos (art. 203, §3).

É comum se dizer os despachos são pronunciamentos judiciais destinados exclusivamente a dar impulso ao feito, a conferir a marcha ao processo, sem, entretanto, conter qualquer conteúdo decisório suficiente e capaz de gerar prejuízo às partes246. Nesse sentido, já decidiu o STJ247, e também leciona Humberto Theodoro Jr248.

Mas é bem verdade que há outros critérios para distinção de despacho e decisão interlocutória na doutrina, como faz Daniel Assumpção Neves, que por sua vez, adota como premissa da identificação dos despachos: a impossibilidade de um ato processual resolver uma questão incidental em outro sentido249.

Em outras palavras, são considerados como despachos quando o pronunciamento do juiz decorre de expressa previsão legal, de um verdadeiro comando, não existindo ao magistrado qualquer margem de interpretação, diferente da aplicação literal da lei250.

Não obstante aos posicionamentos anteriores, adota-se o entendimento de Flavio Cheim Jorge no sentido de que causar ou não prejuízo não está ligado à concepção de decisão, e sim à possibilidade da utilização dos recursos251. O critério que verdadeiramente diferencia as decisões interlocutórias dos despachos “encontra-se na existência de atividade intelectiva relevante”252.No caso dos despachos não há propriamente uma atividade uma exigência de cognição, diferente do que ocorre nas decisões interlocutórias, conforme também já exposto no tópico 4.1.

246NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. JusPodvm,

2017, p. 348.

247

STJ, 1ª Seção, AgRg na PET na AR 4.824/RJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 14.05.2014, Dje 21.05.2014.

248 “Para tanto, devem se considerar despachos de mero expediente (ou apenas despachos) os que visem

unicamente à realização do impulso processual, sem causar nenhum dano ao direito ou interesse das partes.”

Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 58ª Ed., Forense, 2017, p. 508.

249 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. JusPodvm,

2017, p. 348.

250 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. JusPodvm,

2017, p. 348.

251JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. 7ª ed., São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2015,

p. 69/70.

Por esse motivo, é importante ressaltar que não é pelo nomen júris conferido ao ato processual que se dará sua classificação. A atenção deve se dá, reitera-se, para quando esse ato judicial, embora denominado de despacho, contenha atividade cognitiva relevando, sendo considerado, assim, como uma decisão interlocutória.

Com isso, resta demonstrado que o primeiro critério do legislador utilizado na definição de decisão interlocutória não consegue ser preciso.

5.1.2 A ausência de conteúdo de sentença.

Em relação à segunda parte do art. 203, §2 (que não se enquadrem no conceito de sentença), com a utilização do critério residual pelo legislador, nossa atividade necessária passa a ser a de precisar o conteúdo de sentença no CPC/2015.

De início, o código também realizou a definição de sentença como o pronunciamento por meio do qual o juiz, “ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais,com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução (art. 203, §1, CPC/2015)”.

Quanto à ressalva realizada aos procedimentos especiais, essa se fez presente porque nem sempre o conceito estabelecido pelo art. 203, §1, do CPC/2015, em tese, será compatível com a realidade desses procedimentos.

Isso porque, em alguns casos, como na ação de exigir contas (art. 550, §§4, 5, CPC/2015), cuja sentença que julga a 1ª fase (apelável) e reconhece a obrigação de prestar as contas, não impede que, na 2ª fase (julgamento de contas), haja nova cognição253.

O mesmo ocorre com o procedimento de demarcação de terras, que prevê uma sentença para definir o traçado da linha demarcada (art. 581, CPC/2015), e outra para homologar o auto de

253

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Comentários ao artigo 203. In: Teoria Geral do Processo –

Comentários ao CPC de 2015 – Parte Geral. GARJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz;

ROQUE, Andre Vasconcelos Roque; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte. Ed. Método, São Paulo: Forense, 2015. p. 663.

demarcação (art. 587, CPC/2015)254.Desse modo, nem sempre a decisão denominada “sentença” teria o condão de pôr fim à fase cognitiva do procedimento comum, ou de extinguir a execução.

Ressalta-se que Fredie Didier Jr, Paula S. Braga e Rafael A. de Oliveira, discordam, todavia, de que haja uma incompatibilidade do art. 203, §1 com os procedimentos especiais, e, por conseguinte, mais de um conceito de sentença dentro do Código Processo Civil255.

Justificam os referidos autores a posição firmada, na medida em que também no procedimento comum, o processo pode se desdobrar em mais de uma fase. É o caso das obrigações de fazer ou não fazer, ou mesmo de sentenças ilíquidas, em que uma vez proferidas, se iniciará uma nova fase de liquidação256. Em especial, no caso do procedimento de exigir contas, existiriam duas sentenças, mas com objetos distintos, a primeira delibera sobre a existência do direito de exigir contas (art. 550, §5, CPC/2015) e há outra que delibera sobre as contas prestadas (art. 552, CPC/2015)257.

Superada a ressalva quanto aos procedimentos especiais, retoma-se a preferência do legislador em utilizar um conceito hibrido para qualificar a decisão como sentença: a) com base no conteúdo específico (fundamento nos arts. 485 e art. 487) e b) nos efeitos (põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução)258.

No tocante ao conteúdo necessário para que o ato seja considerado uma sentença, nada influencia o fato da decisão está fundamentada ou não nos artigos 485 e 487, com fonte de distinção para os demais pronunciamentos judiciais259.

254THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civi – Teoria geral do direito processual

civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I, 58ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2017, p.

505.

255

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual

Civil, v. 2, 12ª Ed., Salvador: JusPodvm, 2017, p. 347

256Ibid. p. 247.

257 Eis a conclusão que chegam Fredie Didier Jr.; Paula S. Braga; Rafael A. de Oliveira: “sentença, no

procedimento comum ou nos procedimentos especiais, é o pronunciamento do juízo singular que encerra uma fase do processo, seja ela cognitiva ou executiva. Haverá tantas sentenças quantas sejam as fases do

procedimento que se encerram.” Curso de Direito Processual Civil, v. 2, 12ª Ed., Salvador: JusPodvm, 2017, p.

348

258

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. JusPodvm, 2017, p. 348.

259JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. 7ª ed., São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2015, p.

Isso porque, além das sentenças, as decisões interlocutórias reconhecidamente também podem ser fundamentadas nas mesmas hipóteses expostas neste rol (art. 485 e art. 487, CPC/2015). É que o nosso sistema processual, com o CPC/2015, rompeu com mito da unidade e da unicidade de julgamento da causa260, que trazia até então sérias repercussões sobre a formação da coisa julgada material e de sua invalidação por meio da ação rescisória261.

Com a legislação atual, a decisão interlocutória não fica restrita a questões incidentais, meramente processuais, o próprio meritum causae pode ser decidido definitivamente com o julgamento de um dos pedidos formulados pelo autor ou por parcela deles, conforme reconhece o art. 356 do CPC/2015, com o chamado “julgamento antecipado parcial do mérito”, hipótese do art. 487, I, CPC.

Do mesmo modo, ocorre quando proferida uma decisão interlocutória que extingue um dos pedidos formulados ou parcela deles, sem a resolução do mérito, conforme permissão do art. 354, parágrafo único, do CPC/2015, hipóteses do artigos 485 e 487, incisos II e III.

Demonstrada, assim, a insuficiência do primeiro critério, o que distinguirá verdadeiramente a sentença das decisões interlocutórias, é o seu efeito. A capacidade de o pronunciamento judicial colocar fim ao próprio processo ou a uma de suas fases262.

Tal critério finalístico, por sua vez, é suficiente para determinar quando se está diante de uma sentença e quando se está diante de uma decisão interlocutória. Nas palavras de Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira, “importa saber qual o seu efeito em

BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil, v. 2, 12ª Ed., Salvador: JusPodvm, 2017, p. 346/349; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civi –

Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I, 58ª ed.,

Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 503/504.

260MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo

civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.

119.

261THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – vol. III. 50ª ed., Rio de Janeiro:

Forense, 2017, p. 507.

262

DIDIER Jr., Fredie Didier; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Ob. cit., p. 343/346; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civi – Teoria geral do direito processual

civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I, 58ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2017, p.

relação ao procedimento em primeira instância: se põe fim a uma das suas fases, é sentença263.”

A partir dessas premissas, embora se reconheça que o conteúdo dos artigos 485 e art. 487 seja naturalmente relacionados às sentenças, torna-se impróprio, a nosso ver, denominar as hipóteses de julgamento antecipado parcial com ou sem resolução de mérito como “sentenças parciais”, conforme expõe Luiz Guilherme Marinoni, Sergio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero264, considerando que há a subsunção perfeita ao conceito das decisões interlocutórias (art. 203, §2, CPC/2015) às referidas hipóteses, justamente porque, reitera-se: não colocam fim ao processo ou a alguma de suas fases.

Ante ao esforço exercido para a definição de sentença, pode-se, finalmente, classificar a decisão interlocutória como aquele pronunciamento judicial dentro do procedimento com cognição relevante que não encerre o processo ou qualquer de suas fases (cognitiva e executiva).