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Uma análise crítica: a adoção do princípio da irrecorribilidade das interlocutórias

5.2 A RECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS

5.2.1 Uma análise crítica: a adoção do princípio da irrecorribilidade das interlocutórias

Embora na Exposição de Motivos do CPC/2015 não se faça menção expressa à adoção do princípio da oralidade no âmbito recursal265, limitando-se a comissão de juristas a dizer que a reforma na atuação dos recursos teria como objetivo principal redução da complexidade deste sistema(proporcionada pelas diversas reformas ao longo do CPC/73)266, não se pode negar

263

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil, v. 2, 12ª Ed., Salvador: JusPodvm, 2017, p. 347. Nesse mesmo sentido, Humberto Theodoro Jr, para quem

“o novo código adotou uma postura objetiva para qualificar os atos judiciais em sentença ou decisão

interlocutória. Não se preocupou com a matéria decidida, mas com a finalidade do ato decisório e sua repercussão sobre o encerramento do procedimento cognitivo ou da execução.” O Curso de Direito Processual

Civi – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I,

58ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 503.

264“Nessa linha, a sentença pode ser total – quando resolver toda a controvérsia posta em juízo – ou parcial,

quando resolvê-la apenas em parte (como é o caso, por exemplo, da sentença que leva ao “julgamento

antecipado parcial do mérito, art. 356”. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento

comum, Vol. II, 2ª ed., São Paulo: Editora dos Tribunais, 2016, p. 118/119.

265MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo

civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.

553.

266 É o que versa a passagem da Exposição de Motivos do Código de Processo Civil 2015: “Se o sistema

que o principal impacto no procedimento de 1º grau de jurisdição, é proporcionado por um dos subprincípios da oralidade: o da irrecorribilidade em separado das interlocutórias.

O princípio da oralidade, na perspectiva de Giuseppe Chiovenda, visa exprimir uma formula simples e representativa de ideias e de caracteres, por meio da associação de outros 5 (cinco) princípios (princípios informantes)267: 1) A prevalência da palavra como meio de expressão combinada com uso de meios escritos de preparação e de documentação – visa expressar que a oralidade não exclui a forma escrita, essa é fundamental, principalmente para a preparação dos debates268; 2) Imediação da relação entre o juiz e as pessoas cujas declarações deva apreciar – o juiz que julga a causa deve ter contato direto com as partes, testemunhas, peritos e objetos do processo, de modo que possa formar o seu convencimento baseado na impressão imediata269; 3) Identidade das pessoas físicas que constituem o juiz durante a condução da causa – relacionado aos dois princípios anteriores, veda que pessoas físicas distintas conduzam o processo até a decisão final270; 4) Concentração do conhecimento da causa num único período (debate) a desenvolver-se em uma ou em poucas audiências – em uma mesma audiência, ou em audiência com curso espaço de tempo, deve se promover o debate do mérito do processo e decidir as questões incidentes271; 5) Irrecorribilidade das interlocutórias em separado – a fim de pôr em prática a concentração exige-se que a decisão de incidentes não sejam recorríveis à parte da questão principal272

Sobre o princípio da irrecorribilidade interlocutória em separado, mais importante ao trabalho, Arruda Alvim o identifica em um sistema recursal, quando “as interlocutórias, proferidas, em curso o procedimento, não podem ser sujeitas a um recurso que interrompa ou paralise o curso do feito, especial e particularmente, se o mesmo estiver sendo instruído273”.

anterior, depois das sucessivas reformas pontuais que ocorreram, se tornou, inegavelmente, muito mais

complexo.”

267

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Vol. III. 2ª ed., Campinas: Bookseller, 1998, p. 61. 268Ibid. p. 62. 269Ibid.. p. 64/65. 270 Ibid. p. 65/66. 271Ibid. p. 66/67. 272Ibid. p. 67/68.

Nesse sentido, em que pese os posicionamentos contrários274,ainda que o CPC/1973 adotasse um sistema de recorribilidade ampla das decisões interlocutórias, pelo fato da interposição do recurso de Agravo de Instrumento na égide do sistema revogado, em regra, não ensejar a paralização/suspensão do procedimento em primeira instância, dizia-se que o código revogado atendia ao princípio da oralidade, sob esse viés.275

Nessa mesma linha, Nelson Nery Jr determina que a locução “em separado”, significava unicamente a suspensão do processo276. Tanto é que, na égide do CPC/1939, embora existentes algumas hipóteses em que poderia se impugnar as interlocutórias em separado (art. 842, CPC/1939), não se questionava a existência do referido princípio da irrecorribilidade das interlocutórias à época277.

Todavia, embora não se negasse o atendimento ao referido princípio no plano teórico no âmbito do CPC/1973, após as sucessivas reformas processuais, principalmente aquela promovida pela Lei n. 11.187/2005, os problemas de ordem pragmáticos, ou seja: a demora no julgamento e o abarrotamento dos agravos de instrumento nos tribunais do país278,determinaram uma tendência para se estudar alternativas à recorribilidade determinada pelo art. 522279do diploma revogado.

274NEVES, Daniel Assumpção. Manual de direito processual civil. 8ª ed, ed. Juspodivm, Salvador, 2016, p.

1499. Em síntese aos dois posicionamentos, Jeferson Carús Guedes: “Há entendimentos diferentes na doutrina quanto ao conteúdo do referido do princípio: o primeiro pugnando por uma ambivalência do mesmo ao identifica-lo com a irrecorribilidade das decisões interlocutórias isoladas do mérito e também ao inadmitir tal recorribilidade com a suspensão do feito; e o segundo vendo o princípio não como circunscrito à impugnabilidade das interlocutórias com o mérito, mas ligado à relação entre recursos e seus efeitos.” Oralidade

e princípios processuais correlatos: procedimento por audiências no direito processual civil brasileiro. São

Paulo: Editora dos Tribunais, 2003. p 72/73. 275

“Como, entre nós, o agravo jamais tranca a marcha do processo (art. 497, segunda parte), e na pior das hipóteses o Relator somente inibirá os efeitos da própria decisão recorrida (art. 558), paralisando o processo em casos raríssimos e de forma indireta, tal princípio restaria consagrado no direito pátrio” ASSIS, Araken de.

Recorribilidade de interlocutórias no mandado de segurança.Revista de Processo, São Paulo, v.21, n.84, p.

100.

276NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p.

182.

277

Ibid. p. 182. 278

“Sabe-se que, embora em tese, o agravo tenha sido concebido como recurso que não devesse influir no curso

do processo em 1º grau de jurisdição, o fato é que, mesmo desprovido de efeito suspensivo, sempre foi fator que contribuiu para que os processos fossem mais lentos. A interposição de agravos e mais agravos às vezes era causa de tumulto no curso do procedimento no juízo a quo”. WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Os agravos no

CPC brasileiro. 4. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: RT, 2006, p. 325.

279

Era a redação do Art. 522 dada pela Lei n. 11.187/2005. “Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento.”

Sustentou-se até mesmo, ao invés da adoção do princípio irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias, o princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias, de espetro bem mais amplo280.

A justificativa inicial é de que a mera recorribilidade das interlocutórias, por si só, gerava um “tumulto processual”281.

A respeito do tema, em tese de doutorado defendida no ano de 2006, pouco após a última reforma ao recurso de agravo de instrumento (Lei n. 11.187/2005), Carolina Bonadiman Esteves, por meio de uma pesquisa empírica realizada junto ao Tribunal de Justiça do estado do Espírito Santo (TJ/ES), com ajuda de estatísticas e gráficas, buscou demonstrar que a adoção da regra de irrecorribilidade imediata das interlocutórias contribuiria para a efetividade da jurisdição, como se vê em suas palavras:

[...]a evolução da quantidade de agravos por instrumento, mandados de segurança contra ato judicial e apelações cíveis interpostos desde 1993 até 2004, o resultado do julgamento e o tempo médio de demora do julgamento desse recurso em relação ao recurso de apelação e ao mandado de segurança, tanto na Justiça Comum quanto na Justiça do Trabalho. Demonstrados estes resultados e as tendências de crescimento para os anos seguintes, foram comparadas as conseqüências da aplicação da regra de irrecorribilidade imediata de decisões interlocutórias com as conseqüências da manutenção da situação atual, tanto em relação à projeção da quantidade de processos que entrariam nos anos seguintes quanto em relação à projeção do tempo que seria necessário para acabar com o estoque de processos pendentes que se acumularam ao longo do tempo aguardando julgamento.

Em todos os cenários projetados – otimista, moderado ou pessimista, que representam os resultados previstos tanto para a proposta formulada quanto para a lei nº 11.187/05 –, a adoção da regra da irrecorribilidade imediata de decisões interlocutórias contribuiria para o alcance da eficiência do processo e da efetividade da tutela jurisdicional no processo civil brasileiro.282”

Nesse aspecto, sob a premissa de que a vantagem de permitir um julgamento rápido de uma decisão interlocutória sem, contudo, interferir no desenvolvimento do processo não se

280ESTEVES, Carolina Bonadiman.” (Ir)recorribilidade imediata de decisões interlocutórias: Análise crítica

de suas consequências no processo civil brasileiro e proposta para o alcance da efetividade da tutela jurisdicional. Tese de doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de SãoPaulo, São Paulo, 2006, p.73.

281Nesse sentido, Carolina Bonadiman Esteves. “Apesar de se afirmar que o recurso de agravo por instrumento

(por exemplo) tem a vantagem de permitir um rápido julgamento sem contudo interferir no desenvolvimento do processo, tal argumento não tem se aplicado na prática, pois o agravo – ainda que dotado de efeito meramente devolutivo – tem demorado a ser julgado nos tribunais e tem tumultuado o desenvolvimento do processo em primeiro grau.” (Ir)recorribilidade imediata de decisões interlocutórias: Análise crítica de suas

consequências no processo civil brasileiro e proposta para o alcance da efetividade da tutela jurisdicional.

Tese de doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de SãoPaulo, São Paulo, 2006, p. 72.

282ESTEVES, Carolina Bonadiman.(Ir)recorribilidade imediata de decisões interlocutórias: Análise crítica

de suas consequências no processo civil brasileiro e proposta para o alcance da efetividade da tutela jurisdicional. Tese de doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de SãoPaulo, São Paulo, 2006. p. 72.

aplicava na prática (pela extrema morosidade do processo nos tribunais), defendeu-se a adoção de um sistema idêntico aquele utilizado pela Justiça do Trabalho, em que as interlocutórias eram recorríveis apenas ao final, simplificando sobremaneira o processo283.

Embora a pesquisa regionalizada284tenha sido realizada há alguns anos, e não se tenha adotado no atual sistema de recorribilidade das interlocutórias os mesmos moldes da justiça trabalhista285, pode se dizer que as premissas pragmáticas utilizadas para a justificativa da tese de que a recorribilidade imediata das interlocutórias representaria um atraso no processo judicial, parece ter sido também incorporadas pelo legislador do CPC/2015, pelo menos em parte, como que se explicará adiante286.

Até porque, em que pese o posicionamento da autora capixaba, mesmo em sistemas em que há a vedação da recorribilidade imediata das interlocutórias, como a própria Justiça do Trabalho, nos Juizados Especiais Cíveis (Lei n. 9.099/95), e Justiça Eleitoral, o que se identifica é a maior ou menor incidência do próprio princípio da irrecorribilidade em separado das interlocutórias, como corolário da oralidade, não se justificando, portanto, em nosso sentir, a sustentação de um novo princípio distinto ou com maior abrangência deste287.

No mesmo sentido de Carolina Bonadiman Esteves, também Teresa Arruda Alvim Wambier reforçava a necessidade de mudança no sistema de recorribilidade das interlocutórias, diante da insuficiência das reformas promovidas pela Lei 10.352/2001, e da até então recente reforma da Lei. 11.187/2005 para a redução do número de agravos, apesar de adotar solução distinta para tanto288.

283 “A irrecorribilidade imediata de decisões interlocutórias, além de permitir que tais decisões sejam

impugnadas ao final – por meio do recurso de apelação –, apresenta a vantagem de simplificar o processo e permitir que ele se desenvolva sem tumulto e, em última análise, de forma mais célere”. Ibid. p. 72.

284

A pesquisa empírica e estatística de Carolina Bonadiman Esteves, como dito, se deu apenas quantos ao processos julgados pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJ/ES).

285Art. 893, §1, CPC: § 1º - Os incidentes do processo são resolvidos pelo próprio Juízo ou Tribunal, admitindo-

se a apreciação do merecimento das decisões interlocutórias somente em recursos da decisão definitiva.

286

É que embora o legislador do CPC 2015 não tenha adotado o princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias, ao menos, tornou a irrecorribilidade em separado, em seu sentido literal, a regra (art. 1.009, §1, do CPC/2015), sendo exceção, assim, as hipóteses previstas no art. 1.015 e art. 1.015, parágrafo único, ambos do CPC/2015.

287

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Agravos no CPC brasileiro. 4ª ed, São Paulo, editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 87

288 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Agravos no CPC brasileiro. 4ª ed, São Paulo, editora Revista dos

Segundo o que defendia a autora, não seria adequado conferir o mesmo tratamento (recorribilidade) para decisões interlocutórias com importância e influências distintas no processo judicial (ex: decisão que defere a antecipação dos efeitos da tutela x decisão que indefere uma prova).Desta feita, o cabimento do agravo de instrumento deveria restringir-se a poucas decisões interlocutórias, que em razão de sua natureza, exigiriam uma reapreciação imediata, enquanto, em outros casos, não se justificaria sequer a interposição de qualquer recurso, sendo que o tema deveria ser apreciado depois de proferida a sentença289.

Nesse sentido, a recorribilidade em separado excepcionada apenas para alguns casos, modelo que fazia referencia Teresa Arruda Alvim Wambier, e que é atualmente adotado pelo CPC/2015,também vem sendo denominado de sistema de irrecorribilidade temperada290 sistema de irrecorribilidade hibrido, ou sistema de recorribilidade misto.

Quanto a primeira denominação, Cassio Scarpinella Bueno justifica seu posicionamento, na medida em que o CPC/2015, por justamente excepcionar a possibilidade de se recorrer imediatamente de algumas interlocutórias, bem como a possibilidade de se atribuir efeito suspensivo “ope judicis” (art. 1.019, I) ao recurso, seria mais apropriado sustentar um princípio diverso do princípio da irrecorribilidade em separado das interlocutórias, de inspiração Chiovendiana, que mereceria ser enunciado como recorribilidade temperada das interlocutórias291.

289Nas palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier, “É duvidoso que devam merecer o mesmo tratamento, por

exemplo, a decisão que rejeita exceção de incompetência relativa, a que indefere produção de uma prova e a que antecipa os efeitos da tutela (...). Pensamos, diante disso, que o cabimento do agravo de instrumento deve restringir-se a poucas decisões interlocutórias, escolhidas pelo legislador em razão de sua natureza, uma vez que algumas situações poderão exigir reapreciação imediata, impondo-se a interposição de agravo de instrumento, enquanto, em outros casos, não se justificará sequer a interposição de recurso, podendo o tema ser reapreciado quando do proferimento da sentença. Agravos no CPC brasileiro. 4ª ed, São Paulo, editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 87.

290BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 417 291BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 417.

Nesse sentido, Daniel Assumpção Neves demonstra a dificuldade de se aceitar efetivamente a irrecorribilidade

das interlocutórias como um princípio recursal: “No procedimento sumaríssimo vigente nos Juizados Especiais a

existência do princípio é mais aceitável, sendo entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência o não cabimento de agravo contra a decisão interlocutória. (...) De qualquer forma, a doutrina que defende esse princípio afirma que a inexistência de efeito suspensivo no recurso de agravo faz com que sua interposição não interfira no andamento do procedimento em primeiro grau. (...) Ainda que sob esse argumento, é difícil concordar com a existência de tal princípio: (a) recorrer ou não tem ligação lógica e indispensável com a afetação do procedimento em primeiro grau (p.ex. o agravo retido não interfere no procedimento em primeiro grau, mas inegavelmente é um recurso); (b) a depender do resultado do agravo no tribunal, atos processuais praticados no primeiro grau poderão ser atingidos retroativamente; (c) existe a possibilidade de concessão de efeito suspensivo ao caso concreto – efeito suspensivo impróprio (o que ocorre com relativa frequência da praxe

forense).” NEVES, Daniel Assumpção. Manual de direito processual civil. 8ª ed, Salvador: JusPodvum, 2016,

Embora entendamos, assim como Humberto Theodoro Jr., que o novo Código valoriza o princípio da irrecorribilidade das interlocutórias, mais que o CPC de 1973292, reitera-se que ocorre, nesse caso, é a maior ou menor incidência do princípio da irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias293.

Não obstante a importância das considerações, a crítica que merece ser realizada ao sistema de recorribilidade do CPC/2015 deve ser bem mais ampla: a adoção do princípio da irrecorribilidade em separado das interlocutórias, ainda que mitigado, parece não ter sido uma opção muito feliz pelo legislador.

Em primeiro lugar, porque independente do alcance que se dê ao princípio da irrecorribilidade em separado das interlocutórias, não se pode negar, como já dito, que deve existir uma relação intrínseca deste com os demais princípios (imediatidade, identidade física do juiz, e principalmente com o princípio da concentração) para que se caminhe colhendo os benefícios de um processo oral.

Sobre essa necessidade, ainda no contexto do CPC/1973,Eduardo Talamini:

A irrecorribilidade das interlocutórias só se integra efetivamente à oralidade quando vigora o princípio da concentração: de um lado, porque então não há necessidade de recurso em separado das interlocutórias, vez que rapidamente advirá o ato final, ensejador de impugnação pela qual se apreciarão todas as questões durante o curso do processo; de outro, porque, aí sim, a interposição do recurso contra as decisões incidentais desconcentraria o procedimento294.

No mesmo sentido, Chiovenda preconizou que a proibição da recorribilidade das interlocutórias apenas era compreensível e útil se indispensável para assegurar a

292

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – vol. III. 50ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 974.

293Utiliza-se a mesma justificativa de Humberto Theodoro Júnior. “O Código de 1073 previa o agravo retido

para essas situações. Cujo procedimento previa a análise pelo tribunal, apenas se o juiz de primeiro grau não reconsiderasse sua decisão. O sistema do NCPC é um pouco diverso. Estabeleceu um rol das decisões interlocutórias sujeitas à impugnação por meio de agravo de instrumento que, em regra, não tem efeito suspensivo (NCPC, art. 1.015). Não há mais agravo retido para as decisões não contempladas no rol da lei. A matéria, se for o caso, será impugnada pela parte prejudicada por meio das razões ou contrarrazões da posterior apelação interposta contra sentença superveniente (art. 1.009, §1). Dessa forma, o novo Código valoriza o

princípio da irrecorribilidade das interlocutórias, mais do que o Código de 1973”. Ibid. p. 974.

294TALAMINI, Eduardo. A nova disciplina do Agravo e os Princípios Constitucionais do Processo. RePro

concentração, fora daí, seria “desarrazoado e prejudicial”295. Barbosa Moreira também demonstra que o sistema recursal deve refletir a sua estrutura procedimental, de modo que num processo verdadeiramente concentrado a restrição aos recursos seria uma decorrência natural296.

A partir dessas considerações, deixa-se claro que não há como se compatibilizar um procedimento lento e desconcentrado com o princípio da irrecorribilidade das interlocutórias (mesmo que mitigado). Não passaria de uma perigosa ilusão achar que possam se destacar institutos do processo oral, e aplicá-los, isoladamente, ao processo escrito, sob o pretexto de que poderiam ajudar na abreviação das lides297.

Essa mescla é contrária à própria concepção de processo oral, e acarreta menos benefícios e mais prejuízos ao sistema processual.

Dito de outro modo, o princípio de que as interlocutórias somente podem ser impugnadas apenas separadas do mérito, não é bom por si. Mas somente quando realizado, num conjunto, para a conservação do princípio da concentração, “porque construir o edifício processual baseando-o em uma pilastra, de que um momento para o outro pode desaparecer, arrastando tudo par a ruína, não é coisa em si, vantajosa.298”.

Assim, dentro da linha do que defende as doutrinas mencionadas, quando separado do processo oral, o princípio da irrecorribilidade das interlocutórias conservaria todos os seus problemas, e sem conferir qualquer vantagem ao sistema de que faz parte299.