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O princípio da relevância das decisões: identificando os critérios possíveis

5.3. O MODELO DE RECORRIBILIDADE HIBRIDO DAS INTERLOCUTÓRIAS

5.3.4 O princípio da relevância das decisões: identificando os critérios possíveis

Quanto às hipóteses casuísticas dispostas no art. 1.015, em que houve a permissão para a recorribilidade imediata das decisões interlocutórias, o legislador, em tese, deveria se balizar pelo princípio da relevância das decisões para o provimento final.

Reitera-se, nesse sentido, a crítica de parte da doutrina, para quem nem todas as decisões interlocutórias deveriam ser recorríveis de imediato, apenas aquelas de maior importância para o procedimento404.

403“Ao longo deste trabalho, já se viu que há decisões que poderiam ser recorríveis ao final e que, no último

período do CPC/1973, estavam sujeitas ao agravo retido, mas que são impugnáveis por agravo de instrumento na vigência do CPC/2015. São exemplos aquelas que: a) rejeitam alegações de convenção de arbitragem (art. 1.015, III); b) deferem o pedido de desconsideração de personalidade jurpidica formulado na fase de conhecimento (art. 1.015, IV); c) negam o requerimento de exibição incidental de documento ou coisa (art. 2.015, VI); d) admitem a

intervenção de terceiros (art. 1.015, IX).” A recorribilidade das decisões interlocutórias no código de processo civil 2015. Salvador: JusPodvm, 2016, p. 369/370.

404Nas palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier, “É duvidoso que devam merecer o mesmo tratamento, por

exemplo, a decisão que rejeita exceção de incompetência relativa, a que indefere produção de uma prova e a que antecipa os efeitos da tutela (...). Pensamos, diante disso, que o cabimento do agravo de instrumento deve restringir-se a poucas decisões interlocutórias, escolhidas pelo legislador em razão de sua natureza, uma vez que algumas situações poderão exigir reapreciação imediata, impondo-se a interposição de agravo de instrumento, enquanto, em outros casos, não se justificará sequer a interposição de recurso, podendo o tema ser reapreciado quando do proferimento da sentença. Agravos no CPC Brasileiro,4ª ed., São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 87; Heitor Vitor Mendonça Sica, elencava como solução dispor expressamente em um rol taxativo aquelas decisões que deveriam ser recorríveis por agravo retido, e a contrário senso, que o agravo de instrumento não poderia ser interposto. “Defendemos, sim, um rol taxativo e expresso, do qual constariam apenas determinadas matérias, como decisões em matéria probatória (seja qual for o tipo de procedimento do processo de conhecimento) e de decisões que indeferem preliminares de carência de ação e de falta de pressupostos processuais. Nesses casos, pode-se dizer que a “lesão irreparável” não passa de um “mito”, para

fazermos uso das palavras do Prof. Dinamarco”. SICA, Heitor Vitor Mendonça. Recorribilidade das interlocutórias e Reformas Processuais. In: Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis e de outros

Não obstante, o que se buscará extrair são critérios utilizados pelo legislador (se é que existem) para a eleição realizada, tal como a ausência de interesse recursal prospectivo e a urgência justificou a incidência das hipóteses do parágrafo único do art. 1.015, do CPC.

Barbosa Moreira já preconizava que a “utilidade prática da reunião de várias figuras sob o mesmo rótulo consiste em permitir o tratamento conjunto: o que se disser de substancial acerca de qualquer delas poderá dizer-se de todas. Subsistirão, é óbvio, as diferenças específicas, de alcance, contudo, acidental; nos pontos mais importante, haverá necessariamente comunhão. Destarte, fixado o regime genérico, bastará se afirmar, de tal ou qual espécie, que pertence o gênero, para que desde logo se saiba a disciplina a que se sujeita.405”

Em análise as hipóteses de recorribilidade do art. 1015, pode se dizer que há pelo menos duas técnicas de redação utilizada pelo legislador. A primeira delas define exclusivamente a hipótese de recorribilidade pelo conteúdo da decisão, de modo que o cabimento do Agravo de Instrumento é diretamente relacionado tão e somente com a matéria que versa a decisão. É o caso, por exemplo, das tutelas provisórias (inciso I). Dessa maneira, torna-se, para esses casos, indiferente se a respectiva tutela provisória foi concedida, rejeitada, revogada ou postergada, em todas as hipóteses caberá o recurso de Agravo de Instrumento.

De outro lado, a segunda técnica de redação utilizada leva em conta não somente o conteúdo da decisão, como também, em conjunto, a posição tomada pelo julgador. Assim, em interpretação literal ao dispositivo, caberá Agravo de Instrumento na hipótese de rejeição do pedido de gratuidade ou sua revogação (inciso III), mas não na hipótese de concessão. Da mesma forma, a recorribilidade das decisões de concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução (inciso X), não estariam extensas para as hipóteses de negativa do efeito suspensivo à defesa do executado.

meios de impugnação às decisões judiciais. Coord. NERY JR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. v. 8. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 221.

405MOREIRA, José Carlos Barbosa. Sobre Pressupostos Processuais. Temas de direito processual civil: quarta

Visto as técnicas de redação utilizadas, pode se identificar alguns pontos em comum entre os incisos, estabelecendo possíveis critérios definidos pelo legislador para autorizar uma recorribilidade imediata das decisões interlocutórias.

Um primeiro grupo que poderia ser identificado é composto pela capacidade da decisão interlocutória produzir ou impedir os efeitos materiais à parte, tal como ocorre com aquelas que versam sobre a tutela provisória (I) e aquela que concede, modifica, ou revoga o efeito suspensivo aos embargos à execução (X). Haveria, dessa forma, nessas hipóteses, uma urgência em seu sentido material.

Outro critério utilizado seria a capacidade da decisão de colocar fim a parte da fase de conhecimento (com ou sem resolução de mérito), como naquelas em que se exclui o litisconsorte (VII), e aquelas que versam sobre mérito (II). São hipóteses que, caso não impugnado, fazem imediatamente coisa julgada formal e/ou material.

Por último, o que há de comum com as demais, quais sejam: a rejeição da alegação de convenção de arbitragem (III); as que versam sobre o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IV); rejeição do pedido de gratuidade de justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação (V), exibição ou posse de documento ou coisa (VI), rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio (VIII), a admissão ou inadmissão de terceiro (IX), a distribuição do ônus da prova (XII), é o fato de apresentarem uma urgência processual, isto é, merecerem uma impugnação imediata, já que deixar para resolvê-las definitivamente apenas em sede de Apelação representaria um risco acentuado da invalidação de muitos atos processuais (urgência processual).

Todavia, a questão é que embora esses critérios possam ser vislumbrados, não se explica o motivo pelo quais outras decisões, tão urgentes e tão arriscadas para o desperdício de cognição quanto essas elencadas também não foram eleitas. Basta nos abstermos, novamente, àquelas que entraram e saíram da lista durante o trâmite do projeto de Lei n. 166 do Senado Federal, já mencionadas anteriormente406.

406JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. 7 ed. São Paulo; Editora dos Tribunais, 2015, p.

Veja, por exemplo, que não há justificativa plausível para elencar a rejeição de convenção de arbitragem, e deixar de fora àquela decisão que versa sobre competência, ambas são capazes de, em tese, invalidar os atos processuais. Da mesma forma, não há razões para prever agravo de instrumento da decisão que distribui o ônus da prova, e não elencar o indeferimento de uma prova pericial.

Outro argumento que poderia ser vislumbrado é que algumas decisões, como aquela que rejeita ou acolhe a rejeição de gratuidade da justiça, são justificáveis pela ausência de interesse recursal prospectivo407. Ocorre que, mais uma vez, nada justifica a ausência no rol de outras decisões que carecem de interesse recursal, a exemplo daquela que indefere o pedido de segredo de justiça.

A partir dessa constatação, vislumbra-se mesmo com a possibilidade de se identificar critérios, assim como aqueles identificados nos parágrafos anteriores, fica claro que o que se sobressai na eleição das hipóteses da enumeração taxativa é a mera conveniência política, uma vez que termos de conteúdo, importância ou mesmo eficácia, a distinção entre as interlocutórias arroladas no art. 1.015 (recorríveis) e as mencionadas acima (irrecorríveis) é basicamente nenhuma408.

O efeito disso, assim, é a necessidade de identificar uma via de impugnação que seja teoricamente adequada para tutelar as hipóteses que possuem essas mesmas características daquelas que estão previstas pelo rol, mas que, por uma falha do legislador, não foram contempladas.

Diante desse cenário, a crítica de Lopes da Costa, elencada nos tópicos anteriores, relacionada à incoerência do legislador do CPC/1939 na eleição das hipóteses de agravo de instrumento e

407Sobre interesse recursal prospectivo, vide o artigo de Willian Santos Ferreira: Cabimento do Agravo de

Instrumento e a ótica da prospectiva da utilidade – O direito ao interesse na recorribilidade das decisões interlocutória. RePro vol. 263, Ano 42, Jan. 2017, p. 193/203.

408

Nesse sentido, concorda-se com Flávio Cheim Jorge: “Seja em termos de conteúdo, importância ou mesmo eficácia, qual a distinção entre as interlocutórias no art. 1.015 (recorríveis) e as mecionadas acima (irrecorríveis)? A resposta é simples: basicamente nenhuma.” Teoria Geral dos Recursos Cíveis. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015, p. 290.

agravo nos autos naquela oportunidade vistas à luz da relevância das decisões para o procedimento, torna-se perfeitamente atual e adequada ao CPC/2015.409