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3.3 APRENDENDO COM AS LIÇÕES DO PASSADO: OS PROBLEMAS

3.3.1 Os sucedâneos recursais e o CPC/1939

Dentro do contexto mencionado, as necessidades de meio de impugnação contra decisões que causavam danos irremediáveis fizeram surgir os chamados “sucedâneos recursais”.

A expressão foi pela primeira vez utilizada por José Frederico Marques, para designar “válvulas de escape” do jurisdicionado diante de uma falha do legislador, ao não contemplar,

121MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. 3ª Ed, Rio de Janeiro: Editora, 1969,

vol. IV, p. 291.

122

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. 3º Volume, 2ª ed., São Paulo: Max Limonad, 1967, p. 196.

123Nesse aspecto, Moacyr Amaral Santos: “Da inadvertência do legislador nacional, olvidando o fenômeno, que

o direito tradicional disciplinara, redundou, por força da necessidade, a tendência de suprir-se a omissão pro meio de medidas substitutivas do recurso, legalmente inexistentes mas que funcionam como se recurso fora. Á falta de recurso próprio para a impugnação de um sem número de decisões interlocutórias, causadoras ou suscetíveis de causar dano irreparável às partes, consente-se que estas, verificadas dadas circunstâncias, se valham, para desfazerem-se do gravame que as decisões lhe causam, ora do mandado de segurança, no que são frequentemente amparadas pela jurisprudência, ora da correição parcial, ou reclamação, figura exótica, sem caráter definido e de ilegalidade gritante, mas de prática generalizada em quase todos, senão todos, tribunais do país. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. 3º Volume, 2ª ed., São Paulo: Max Limonad, 1967, p. 196- 197.

pela restrição à recorribilidade das decisões interlocutórias, todas as situações passiveis de causar dano irreparável à parte durante o processo124.

Não que se defendesse/desejasse uma recorribilidade das interlocutórias por outros meios, até porque se reconhecia, com essas medidas, os males causados ao sistema.

Em primeiro lugar, porque além do mandado de segurança contra ato judicial, surgia como meio de impugnação aceito outras formas como a correição parcial ou as reclamações, que não obstante às críticas de sua utilização que serão enfrentadas, gerava era uma grande instabilidade, sob o ponto de vista da parte, de não se saber com qual meio se insurgir.

Ademais, dentro daquele contexto, os sucedâneos recursais eram utilizados sem o devido contraditório efetivo, apenas manifestavam-se o reclamante e o juiz reclamado, o que também gerava prejuízo pela incapacidade da parte beneficiada pelo decisum influenciar a decisão do Tribunal125.

Porém, dos males o menor. Era mais adequado admitir um meio de impugnação que assegurasse o direito das partes, do que sacrificá-lo totalmente.

Assim, sobre os sucedâneos recursais, utilizados na época, merecem consideração a correição parcial e o mandado de segurança contra ato judicial.

3.3.1.1 Correição parcial ou reclamação

Como primeira alternativa imediata à restrição da recorribilidade das interlocutórias, a correição parcial, ou reclamação, como era chamada em alguns estados, ganhou à época,

124

“E foi porque o Cód. de Proc. Civil não atentou para os fenômenos apontados, que se procurou uma válvula

escapatória, destinada a ventilar a sufocante atmosfera oriunda do princípio da irrecorribilidade das

interlocutórias, com os sucedâneos recursais”. MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. 3ª Ed, Rio de Janeiro: Editora, 1969, vol. IV, p. 292.

125

Em sugestão da restauração do agravo contra decisões que causem dano irreparável, José Frederico Marques:

“talvez se pudesse abreviar, neste caso, os prazos e termos do procedimento recursal, mas sem abolir a

apreciação contraditória das partes, para não se repetir o que geralmente acontece nos sucedâneos recursais hoje

extrema notoriedade, e inclusive, contendo reconhecimento expresso pelos tribunais brasileiros como um meio de impugnação imediato das interlocutórias irrecorríveis126.

Esse meio de impugnação possui suas raízes no agravo de ordenação não guardada, previstos nas Ordenações, liv. 3º, tit. 20, §6, destinadas a atacar decisões interlocutórias que desrespeitavam as formalidades extrínsecas do processo, sem qualquer relação com o mérito da causa127.

É, entretanto, na toada das previsões de agravo de instrumento de decisões genéricas com “dano irreparável”, já mencionadas no Reg. n. 737 (art. 668,§15), e repassadas aos demais códigos estaduais, que a correição parcial surge. Isso porque, o estado do Distrito Federal, ao contrário dos demais, não previa a forma genérica para interposição de agravo contra decisões com danos irreparáveis, cabendo ao jurisdicionado, prejudicado em sua esfera jurídica por uma interlocutória não prevista no rol casuístico estabelecido, a via da correição parcial128.

Nesse sentido, embora após a Constituição de 1934 a competência para legislar sobre processo se dava de maneira exclusiva à União, ainda assim, o próprio Distrito Federal e outros estados-membros, como reação a adoção do princípio da irrecorribilidade dos interlocutórios pelo legislador de 1939, instituíram por leis de organização judiciária a correição parcial, que não obstante sua inconstitucionalidade visava atacar “erros ou abusos que importem na inversão da ordem legal do processo, quando para o caso não haja recurso.129”

Sem embargo a natureza de providencia disciplinar, posto que destinado a um órgão corregedor que não apenas aplicava a sanção disciplinar como também mandavam corrigir os erros, os abusos, reformando a decisão proferida, as correções parciais faziam de maneira inequívoca às vezes (função) de um recurso, como remédio pelo qual o vencido reclama o reexame e a reforma de uma decisão jurisdicional130.

126SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. 3º Volume, 2ª ed., São Paulo:

Max Limonad, 1967, p. 196-197.

127SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. 3º Volume, 2ª ed., São Paulo:

Max Limonad, 1967, p. 196/197.

128Ibid. p. 196/197. 129Ibid..p. 198. 130Ibid. p. 199.

Sergio Bermudes ia além, ao dizer que: “A reclamação, utilizada em quase todos, senão todos os Estados brasileiros, e na Justiça Federal, tem por finalidade levar ao exame dos tribunais de segunda instância as decisões interlocutórias, para as quais o legislador não previu recurso. Portanto, não estará longe da verdade quem disser que, entre nós, a reclamação, ou correição parcial, é o recurso cabível das decisões irrecorríveis131” E ainda prosseguia: “a função da correição parcial e as suas características (interposição pelo prejudicado, reexame da decisão visando à sua reforma, impedimento da preclusão) impõem caracterizá-la como recurso. Ainda que contrária à Constituição, forçoso é reconhecer-lhe a natureza recursal132”

Apesar de se não se pactuar com o consenso a que chega Sergio Bermudes, uma vez ausente a previsão desse instituto em lei federal (descumprimento ao princípio da taxatividade133), a passagem serve como referência de como a jurisprudência aceitava “essa figura exótica, sem caráter definido e de ilegalidade gritante”134.

De maneira bastante crítica, Moacyr Amaral dos Santos definia as correições parciais naquele contexto como “um instrumento, com vestes e função de recurso, criado por leis de organização judiciária e até mesmo por disposições inseridas em regimentos internos dos Tribunais, e, pois, flagrantemente inconstitucional, repelido pela doutrina, mas admitido e agasalhado pela jurisprudência, para suprir lacunas e obviar defeitos, muitas vezes insuperáveis, do sistema recursal estabelecido pelo Cód. De Proc. Civil135”.

Por fim, classificando as correições parciais como “formas espúrias de reexame de interlocutórias”, José Frederico Marques sugeria, desde já, o abandono da taxatividade e a volta à cláusula geral de impugnação das interlocutórias, “As correições parciais e as reclamações, como em pouco demonstraremos, são formas espúrias de reexame de interlocutórias, que precisam ser definitivamente abolidas. Basta, para tanto, que o legislador

131 BERMUDES, Sergio. Curso de direito processual civil (recursos). Rio de Janeiro: Borsoi, 1972. p. 195-

196). Passagem também destacada por Thiago Ferreira Siqueira, em nota de rodapé. O mandado de segurança como meio adequado para a impugnação das decisões interlocutórias não agraváveis no novo CPC (texto não publicado). 2017, p. 16, nota de rodapé nº 17.

132Ibid.. p. 98. Passagem referenciada por Thiago Ferreira Siqueira. Idem. Idem.

133ASSIS, Araken. Introdução aos sucedâneos recursais. In: Aspectos Polêmicos e atuais dos Recursos e

outros meios de impugnação às decisões judiciais. Coord. Nelson Nery Jr, Teresa Arruda Alvim Wambier. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. – (Série aspectos polêmicos e atuais dos recursos, v. 6), p. 33

134SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. 3º Volume, 2ª ed., São Paulo:

Max Limonad, 1967, p. 197.

abandone a rigidez de sua orientação, através de um expediente repristinatório: a restauração do agravo contra decisões que causem dano irreparável”136.

Diante da exaustiva colocação da doutrina acerca dos problemas decorrentes da utilização da correição parcial, mormente a sua flagrante inconstitucionalidade, passa a se estudar outro meio de impugnação utilizado e aceito pela jurisprudência da época como cabível para as decisões interlocutórias que causassem dano irreparável, o manado de segurança contra ato judicial.

3.3.1.2 – O mandado de segurança contra ato judicial.

A utilização do mandado de segurança contra ato judicial, durante o Código de Processo Civil de 1939, em especial, para atacar as decisões interlocutórias irrecorríveis ou não recorríveis de imediato, possuem duas etapas com características distintas e bem definidas, que merecem ser enfrentadas. A primeira antes da Lei nº 1.533/51; e segunda, posterior a essa legislação.

3.3.1.2.1 – De 1934 até a Lei nº 1.533/51.

Como se sabe, nesse primeiro período (1934 – 1955), o mandado de segurança passa por mudanças legislativas bastantes repentinas: surge com a Constituição de 1934, e logo após é regulado pela lei nº 191/1936.

Em seguida, apesar da outorgada Constituição de 1937 tenha deixado de fazer previsão ao writ, o remédio continuou a existir, uma vez que ainda estava regulado em âmbito infraconstitucional pela própria Lei nº 191/1936, e de maneira conjunta, após 2 (dois) anos, também pelo CPC de 1939, arts. 319 a 331137. Por derradeiro, com a promulgação da Constituição de 1946, o mandado de segurança volta a sua categoria constitucional138.

136MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil, vol. IV. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense,

1969. p. 293.

137PINTO, Teresa Arruda Alvim. Mandado de Segurança contra ato judicial. São Paulo: Editoria Revistas

dos Tribunais, 1989, p. 16.

Nesse momento inicial, a maior dificuldade a ser enfrentada se dava quanto a possibilidade de se enquadrar o juiz dentro do conceito de autoridade coatora139.

Por isso, no princípio de vigência da Constituição de 1934 até a Lei nº 191/1936, a posição praticamente unânime da jurisprudência, com exceção do registro de um julgado pela Côrte de Apelação de São Paulo140, era de que cabia o mandado de segurança exclusivamente contra atos administrativos, não se estendendo aos atos legislativos, e nem mesmo aos judiciais141.

A justificativa para tanto, nas palavras do Sr. Gabriel Passos, procurador-geral da República, citado por ex-ministro do STF, Carlos Nunes, seria de que: “para reparar erros de ofício de juiz e de legislador existem processos adequados; para reparar erros de administração – de juiz, legislador e de qualquer autoridade – é que existe, entre outros remédios, o mandado de segurança.142” Dessa forma, temia-se que o writ substituísse todas as vias recursais ordinárias previstas até aquele momento no ordenamento jurídico brasileiro.

Com a vigência da Lei nº 191/1936, segundo Castro Nunes, além da redação que admitia mandado de segurança contra “atos de qualquer autoridade, salvo os do presidente da república, ministros de Estados. Governadores e interventores” ter sido alterada para “atos

de qualquer autoridade”, tornando-a mais abrangente, parte da doutrina defendia ainda que

“a sujeição dos atos judiciais ao mandado de segurança decorria indiretamente do art. 5, I, b e c, dessa mesma lei, que se definia a competência dos juízes e tribunais federais de primeira instância, in verbis: “contra atos de quaisquer outras autoridade federais, inclusive

legislativas” (letra b) – “contra ato de juiz ou tribunal (letra c) – “pressupostas as mesmas

possibilidades de jurisdição comum, contra atos de autoridade locais, legislativas ou judiciárias (III, a e parág. Único)”143.

139PASSOS, J.J Calmon. O Mandado de Segurança contra atos jurisdicionais: Tentativa de Sistematização

nos cinqüenta anos de sua existência. RePro v. 33, 1984, Jan – Mar, p. 50.

140

É passagem do julgado: “em tese, verificada as condições legais, e não havendo qualquer outro recurso para

evitar ou pôr termo à violência, nada impede a concessão da segurança contra atos de um juiz.” NUNES, Castro.

Do mandado de segurança contra ato judicial. Rio de Janeiro: Revista Forense, 5ª ed., 1956, p. 122/123.

141Ibid. p. 122/123.. Nesse mesmo sentido, Arnoldo Wald. Mandado de segurança na prática judiciária. Rio

de Janeiro: Editora Nacional de Direito LTDA, 1958, p. 144/145.

142NUNES, Castro. Do mandado de segurança contra ato judicial. Rio de Janeiro: Revista Forense, 5ª ed.,

1956, p. 122.

Ainda assim, inclusive pela Côrte Constitucional144, continuava a predominar o entendimento de que não era cabível o mandado de segurança contra atos judiciais. Como a razão de decidir, os precedentes do Tribunal do Distrito Federal, e do Tribunal de Minas Gerais, reiteravam que ao “admitir essa anomalia, estariam em breve substituídos pelo mandado de segurança todos os recursos e ações constantes da legislação comum.145”

Embora esse entendimento, via de regra, não tenha sido alterado no Supremo Tribunal Federal pela maioria dos ministros, conforme reconhece Castro Nunes146, é importante considerar que a partir do ano de 1941, alguns foram os julgados daquela Corte Constitucional excepcionando essa jurisprudência, e concedendo a possibilidade de utilização da via mandamental em juízo. Destaque para algumas passagens dos julgados da do Pretório Excelso:

“Reputando manifestamente ilegal a decisão que determinou a penhora de rendas de

um Estado da Federação e não havendo outro remédio eficaz para fazer cessar a

anomalia, concedo o mandado. (Ministro Costa Manso - Mandado de segurança nº

319, julgado ela Côrte Suprema em 2-10-1936, relator o Ministro CARLOS MAXIMILIANO)147

“O mandado de segurança é só admissível contra atos judiciais excepcionalmente, em falta de recurso ordinário e diante da manifesta incompetência por parte do indigitado autor.“ (Mandado de Segurança nº 699 julgado pelo Supremo Tribunal

Federal em 11-8-1943, rel. Min. Philadelpho Azevedo, in Revista dos Tribunais, vol. 156, pág. 366.)148

144 Conforme mandado de segurança nº 219, julgado pela Côrte Suprema em 4-9-1936, relator Ministro

CARVALHO MOURÃO. Embora haja um julgado no ano de 1936, em que a Corte Constitucional, reconheceu

a possibilidade da utilização de mandado de segurança contra ato judicial em “um caso-líder de uma sentença

que abalou todos os nossos princípios jurídicos, mandando que se fizesse a penhora das rendas do Estado de Minas Gerais. O Supremo houve então por bem conceder mandado de segurança impetrado pelo próprio Estado contra a sentença discrepante de toda a legislação e jurisprudência pátria (Mandado de segurança nº 319, julgado ela Côrte Suprema em 2-10-1936, relator o Ministro CARLOS MAXIMILIANO, in Revista Forense, vol. LXX, pág. 481. Votou vencido o Ministro BENTO DE FARIA que só considerava idôneo o mandado de segurança contra ato administrativo praticado pelo juiz mas não contra ato tipicamente judicial.” WALD, Arnoldo. O

Mandado de Segurança na Prática Judiciária. Rio de Janeiro: Editora Nacional de Direito LTDA, 1958, p.

146/147.

145

Mandado de Segurança nº 38, Côrte de Apelação do Distrito Federal, de 5-8-1936, relator Desembargaodr ANDRÉ FARIA FERREIRA, In Arquivo Judiciário, vol. 39, p. 369 e Revista Forense, vol. LXVIII, p. 120. No mesmo sentido, o acórdão do de Minas Gerais, de 19 de fevereiro de 1936, in Revista Forense, vol. LXVII, p. 365. Julgados citados, na rota de rodapé nº 24, por Arnoldo Wald. Mandado de segurança na prática

judiciária. Rio de Janeiro: Editora Nacional de Direito LTDA, 1958., p. 145

146“O Supremo Tribunal, por grande maioria, não tem admitido o mandado de segurança contra atos judiciais.

Votos vencidos temos sido o Ministro ANIBAL FREIRE e eu (CASTRO NUNES), prestigiando-nos com a sua adesão o ministro FILADELFO AZEVEDO. Creio, porém, na mesma corrente, o eminente Ministro

HAHNEMANN GUIMARÃES.”

147Julgado citado na nota de rodapé nº 30. WALD, Arnoldo. Mandado de segurança na prática judiciária.

Rio de Janeiro: Editora Nacional de Direito LTDA, 1958, p. 147.

“Atos de autoridades judiciárias que, pelas circunstâncias excepcionais de que se

revertem, merecem a aplicação de um corretivo pronto que impeça a prossecução de violência ou de atentado à ordem pública (Ministro Anibal Freire – Acórdão do Recurso Extraordinário nº 4.564 de Santa Catarina não conhecido pela 1ª Turma em 21-8-1941)149”

Nesse sentido, caminhou a jurisprudência da mais alta Corte para conceder o mandado de segurança contra atos administrativos praticados por autoridade judiciária, em termos amplos; e a concessão contra ato judicial, diante da inexistência de remédio suficiente no sistema recursal que pudesse ser eficiente para sustar os efeitos prejudiciais do ato ilegal ou abusivo praticado pelo magistrado150·. Ademais, no caso de evidente incompetência do juiz prolator ou de violação de norma legal, desde que não houvesse efeito suspensivo151.

Em especial, quanto às interlocutórias proferidas em primeira instância, o Min. Castro Nunes deixava claro que:

“se se trata de decisão de primeira instância que não caiba recurso, mas retratável,

estará na alçada do próprio juiz reconsiderá-la, e, nesse caso, inútil será o mandado de segurança. Se, porém, o juiz a mantém, abre-se aquela via na competência da instância superior. Se o despacho é do juiz federal, a este mesmo caberá reconsiderá- lo e, se o não o fizer conhecer da segurança requerida, cujo efeito prático será então o de operar como recurso, porque de outro modo possível não seria, em face da Constituição (v, cap. I, Tít. II), sujeitar o caso ao exame da Côrte Suprema.152”

Acrescentava ainda que: “tratando-se de sentenças recorríveis por apelação sem efeito suspensivo, o mandado de segurança estará em princípio admitido153”.

Arnoldo Wald, por sua vez, enunciou que a excepcionalidade subjetiva da admissão do mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal passou a ser interpretada pela jurisprudência dos tribunais locais para admitir o mandado de segurança sempre que inexistente no sistema recurso com efeito suspensivo, conforme entendimento demonstrado pelo Min. Castro Nunes, embora também se reconhecesse que o Excelso Pretório continuava a exigir, ao lado da falta de recurso ordinário, as circunstancias especiais do julgamento para

149Julgado citado na roda de rodapé nº 33. Ibid. p.148.

150WALD, Arnoldo. Mandado de segurança na prática judiciária. Rio de Janeiro: Editora Nacional de Direito

LTDA. 1958. p. 148/149.

151

Ibid. p. 149.

152NUNES, Castro. Do mandado de segurança contra ato judicial. Rio de Janeiro: Revista Forense, 5ª ed.,

1956, p. 124.

que se revestissem em caráter excepcional, como no caso citado da penhora de bens do Estado154.

A partir dos ensinamentos expostos, chega-se a conclusão de que do início de vigência do CPC/1939 até a promulgação Lei nº 1.533/55, que consignou expressamente o mandado de segurança contra despacho ou decisão judicial ao dispor que: “não se dará mandado de segurança quando se tratar: (...) de despacho ou decisão judicial quando haja recursos previstos nas leis processuais ou possa ser modificada por correição (art. 5, II)”, a via mandamental contra os despachos interlocutórios irrecorríveis passou por forte resistência da jurisprudência, admitindo-se, ao final, pelos tribunais locais desde que não houvesse recurso com efeito suspensivo, e com alguma característica excepcional – ou o que hoje se entende por teratologia - pelo Supremo Tribunal Federal.

3.3.1.2.2 – Da Lei nº 1.533/51 ao CPC/1973.

Com o advento da Lei nº 1.533/51 encerrou-se a discussão acerca da possibilidade de enquadramento do juiz dentro do conceito de autoridade coatora, e, por conseguinte, ficou pacífico o entendimento da jurisprudência de que cabia o mandado de segurança contra ato judicial. Isso, pela interpretação a contrário sensu, extraía do art. 5, II, in verbis:

Art. 5º Não se dará mandado de segurança quando se tratar:

II - de despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nas leis processuais ou possa ser modificado por via de correção.

Não obstante, houve resquício da divergência sobre o alcance dessa norma, sobretudo, quais seriam os requisitos para a decisão judicial ser passível de ser atacada pelo mandamus, e quanto à utilidade da correição/reclamação.

Calmon de Passos destaca as 3 (três) correntes da época: 1) os radicais – admitiam o mandado de segurança apenas se ausente a previsão de recurso; 2) Os moderados, subdivididos 2.1) os que admitiam o mandamus para reexame da decisão quando inexistente recurso com efeito suspensivo, 2.2)os que apenas atribuíam ao writ a conseqüência menor de emprestar efeito suspensivo ao recurso ordinário dele desprovido, desde que configurada a ilegalidade do ato

154WALD, Arnoldo. Mandado de segurança na prática judiciária. Rio de Janeiro: Editora Nacional de Direito

recorrido; Por fim, 3) os liberais, defendendo a admissibilidade da segurança, considerando apenas o problema da ilegalidade ou abuso de poder, sem dar maior relevo à existência ou inexistência de recurso, ou aos efeitos que por acaso lhe fossem atribuídos. Onde a ilegalidade, ou o abuso de poder, fossem aptos para gerar conseqüências práticas imediatas, ai