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2. A DELIBERAÇÃO PÚBLICA E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

2.4 A deliberação pública em um ambiente midiático complexo

2.4.2 A deliberação pública entre os mass media e a web social

De um lado, temos que, nas contemporâneas sociedades de massa, os mass media são os principais produtores de discursos sobre alguns temas, questões e problemas sociais de modo a fornecer insumos para um conjunto de arenas deliberativas espraiadas pelo tecido social (ver tópico 2.2). De outro lado, firmou-se entendimento de que a internet abre a possibilidade de mediação das esferas argumentativas entre cidadãos comuns (isto é, os indivíduos não investidos de poder institucional). As conversas que antes aconteciam, majoritariamente, presencialmente e dispersas pelo corpo social, agora têm a possibilidade de serem mediadas e ancoradas em ambientes online (ver tópico 2.3). Também constatou-se a necessidade de investigar a relação entre os mass media e a internet como não necessariamente ruptura, mas de considerar uma (mais provável) relação de complementariedade (ver tópico 2.4.1).

Pode-se, então, elaborar linhas gerais do que seria um modelo explicativo do ambiente comunicacional e de como se processa as discussões, a partir de uma perspectiva da democracia deliberativa. Primeiro, reconhece-se que os mass media continuam tendo destacada importância ao disseminar grandes volumes de informações para amplas parcelas da população, bem como tem por função integrar o público em torno de questões comuns, o que pode ser descrito também como “agendamento” da pauta da sociedade. Em complementariedade, a internet viabiliza a existência de arenas deliberativas, onde temas socialmente compartilhados como questões comuns podem ser discutidas em uma série de arenas e momentos.

Pode-se entender ainda que, ao mesmo tempo em que as arenas discursivas da web social se servem de temas conhecidos através da esfera de visibilidade pública, constituída sobretudo pelos mass media, têm a capacidade de, através de lógicas de interação e disseminação de informação características, catapultar temas, atores e objetos para a esfera de visibilidade pública. Tal mecanismo teria como possível benefício o a) aumento da capacidade de processamento discursivo dos problemas sociais, b) o aumento da pluralidade de temas com visibilidade pública, e c) o aumento da influência dos cidadãos comuns e atores coletivos minoritários à esfera de visibilidade pública.

Enfim, o ambiente de visibilidade e argumentação constituído pelos diferentes meios de comunicação seria interligado, com indicativos de complementaridade em termos do processo deliberativo. Contudo, os elementos que compõem este modelo não podem ser entendidos como atores dotados de lógica coesa, uma vez que tanto os mass media são constituídos por variedade relativa de empresas que atuam em diferentes plataformas e empregam diferentes linguagens, quanto o que chamamos de web social é composta por diferentes plataformas, empresas, ambientes e arenas com lógicas de interação particulares. Um exemplo em defesa da complexidade e do argumento da complementariedade são os usos que as empresas de comunicação, constituintes do que chamamos de mass media, fazem da internet. Muitas têm sites que alcançam grande visibilidade e adotam práticas peculiares da web social para disseminar conteúdos e incentivar a discussão em torno destes.

Lemos (2009) reconhece que a web social (tratada pelo autor como web 2.0) teria um impacto positivo de mais vitalidade para a esfera pública. As redes de comunicação digitais teriam viabilizado uma dinâmica comunicacional em que indivíduos e instituições podem atuar de modo descentralizado. O autor explica que no cenário anterior o debate ocorria a posteriori e limitado pela necessidade de um encontro no espaço e no tempo. Agora, o debate teria a possibilidade de ocorrer antes, durante e depois da disseminação de conteúdos pelos mass media, sem a exigência de coincidência de tempo e espaço. Se antes a conversação se dava após o consumo, agora “a conversação se dá no seio mesmo da produção e das trocas informativas, entre atores individuais ou coletivos” (LEMOS, 2009, p.10).

Enfim, com a internet teria surgido uma esfera conversacional mais próxima da emissão, tanto mais próxima no sentido temporal (por exemplo, pode-se comentar uma notícia enquanto ainda é transmitida) e no sentido espacial (por exemplo, na internet pode-se fazer emitir opiniões e comentários no mesmo ambiente em que o conteúdo é disseminado). Tal dinâmica pode ser verificada com mais evidência em sites de redes sociais como Twitter e Facebook, bem nos próprios sites dos meios de comunicação, em chats, fóruns, seção para conteúdos dos usuários, e nas seções de comentários. Trata-se, portanto, de uma esfera conversacional, que quando interessada na discussão de questões públicas configura-se um ambiente de deliberação online. É importante perceber também que os sujeitos que participam de arenas e situações deliberativas podem promover a circulação de determinados conteúdos e, assim, promover a pluralidade e a racionalização das discussões.

Neste ambiente, ocorreria uma reconfiguração do modo de acesso à esfera de visibilidade pública. A sociedade teria na web social uma possibilidade de ação para que determinados temas entrem na esfera de visibilidade pública. Os discursos oriundos das redes sociais online podem alcançar visibilidade através de dois caminhos (quase sempre complementares): 1) indivíduos e grupos através das redes sociais online tematizam alguns temas e demandas que são coletados e tratados pelos mass media e, assim, potencializam a visibilidade; 2) indivíduos e grupos tratam de alguns temas de modo a conseguirem mobilização e endossamento de um grande volume de pessoas, em torno de uma questão, de modo a produzir uma visibilidade numericamente massiva nas próprias redes sociais online. Especialmente, atores e discursos que não se adequam aos interesses do campo jornalístico têm nas redes sociais online uma possibilidade de conseguirem visibilidade massiva. E, uma vez presente na esfera de visibilidade pública, quando é o caso, aumenta as possibilidades de uma determinada opinião ou posição de influenciar o sistema político. Segundo Brundidge (2010), esta possibilidade de eventualmente alguns temas atores e objetos ganharem visibilidade pública via internet, promove um aumento da variedade de temas aos quais o indivíduo está exposto, bem como contribui para discussões mais abrangentes destes.

Em perspectiva contrária, algumas pesquisas apontam que as pessoas tendem a se reunir em grupos de pessoas com as mesmas opiniões (likeminded) e evitar pessoas que pensam diferente (nonlikeminded). Tal fenômeno seria possível porque na internet pode-se

selecionar a que tipo de conteúdo se expor e a que tipo de discussão tomar parte. E, com isso, as pessoas acabariam optando por consumir informações e discutir entre iguais, isto é, entre pessoas com as mesmas perspectivas de mundo. Assim, haveria um risco da internet contribuir para a fragmentação da política ao tempo que diminui a diversidade das perspectivas políticas com as quais se tem contato (DOWNEY, FENTON, 2003; KUSHIN, KITCHENER, 2009; MEDAGLIA, 2012).

Kushin e Kitchener (2009) citam o exemplo do Facebook que facilita a exposição de opiniões e viabiliza a discussão política, mas também pode possibilitar que os indivíduos formem círculos de iguais e adotem posições polarizadas ou insultem quem adota uma posição contrária. A maioria dos estudos ainda não apresentam resultados seguros, uma vez que, na maioria das vezes, se faz estudos de casos particulares. Por um lado, há um indicativo de pouca pluralidade entre os membros dos grupos. Mas, por outro, há indicativos de uma maior pluralidade entre os grupos. Pessoas com opinião divergente podem facilmente localizar outros grupos sobre o tema com opiniões convergentes e assim compartilhar a opinião em um ambiente favorável, o que possibilita a formação e manutenção de distintos círculos. “Any member who does not find a group that conforms to their perspective has the ability to establish a new group to promote their view and recruit likeminded members” (KUSHIN, KITCHENER, 2009, p. 9). Com isso, mesmo que o debate direto fique limitado, ao longo do tempo os indivíduos e grupos podem apresentar argumentos racionalizados na disputa por visibilidade e pelo modo que se falar (enquadramento) das questões sociais que lhes dizem respeito. Então, nestes momentos, possíveis ganhos deliberativos podem ser verificados. Há também evidências de que mesmo com a ocorrência de agrupamentos de pessoas com posições políticas homogêneas a internet mostra-se muito eficiente para a circulação de contra-discursos ou discursos com perspectivas diferentes da dominante (DAHLBERG, 2007; DOWNEY, FENTON, 2003).