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O presente estudo teve como objetivo investigar as arenas de conversação em torno de conteúdos produzidos por jornais. Especificamente, avaliou a relação de algumas variáveis contextuais – o tema em discussão, o jornal que hospedava a interação e a plataforma – e a qualidade da deliberação. Como corpus de análise foram tomados 2.401 comentários relacionados a 15 matérias, sobre cinco temas, feitos no Facebook e nas seções de comentários das páginas dos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo. Para a análise da qualidade da deliberação, a partir de uma ampla revisão de literatura, foram construídos e operacionalizados alguns critérios, a saber, reciprocidade, provimento de razões, grau da justificativa e respeito. A avaliação foi feita, sobretudo, através da análise do conteúdo dos comentários, mas também foram empregados outros métodos para análises do contexto e da estrutura comunicativa.

Como os resultados já foram detalhadamente comentados no capítulo quatro, agora serão destacados apenas os achados mais importantes. De modo geral, o estudo demonstra que as arenas discursivas, nas duas plataformas, têm um potencial discursivo significativo, vide os índices deliberativos em comparação com estudos anteriores. De início, contudo, concluímos que não ocorreu uma variação significativa na qualidade da deliberação entre as empresas. Os três jornais estudados não apresentam uma variação mais consistente em nenhum dos índices de deliberação operacionalizados.

Por sua vez, a variável tema influencia sensivelmente os indicadores da deliberação. Os temas de maior dissenso social tendem a apresentar índices mais altos de reciprocidade e provimento de razões (homossexualidade, Lei de Cotas e Copa); enquanto temas de maior conhecimento popular parecem contribuir para o aumento do grau das justificativas (Copa e Ficha Limpa apresentaram mais justificativas de tipo qualificado e sofisticado); quanto aos indicadores de respeito, os dois temas que podem ser considerados como os mais polêmicos, Lei de Cotas e homossexualidade, apresentaram, em média, 27% menos mensagens rudes, o que é uma surpresa e pode ser explicado pela ação da moderação.

Quanto a variável plataforma, o Facebook apresenta índices piores para todos os indicadores, a exceção fica por conta de uma diminuição de 4% na ocorrência de mensagens incivis. Esta diminuição das mensagens incivis pode ser explicada pela

identificação e pela exposição de dados pessoais nesta plataforma, quando comparado aos sites dos jornais.

Contudo, o resultado ruim do Facebook demanda mais reflexões e estudos, mas pode-se hipoterizar a influência de três variáveis: a) as características estruturais que condicionam os processos comunicativos, 2) o modo como as pessoas usam efetivamente as ferramentas disponíveis, e 3) o perfil demográfico e interesses das pessoas que se engajam em discussões no Facebook.

De início, entendemos que os comentários nos jornais são mais contidos e menos visíveis, enquanto as discussões nos sites de redes sociais (e, especialmente, no Facebook) podem se espalhar a partir das redes pessoais. De um lado, a participação nos jornais online demanda uma postura mais ativa (por exemplo, é necessário um registro unicamente para esta finalidade), enquanto no Facebook, uma rede empregada para finalidades diversas, mas principalmente para interação social, a participação pode ser ocasional, de pessoas que se deparam com conteúdos políticos sem fazer uma busca ativa ou ter um interesse arraigado em discutir questões que dizem respeito à política.

A principal suspeita é que, para além das diferenças das plataformas, o perfil demográfico e os interesses dos usuários têm grande potencial explicativo. Pode-se supor, por exemplo, que os usuários do Facebook são menos interessados em política e têm menor conhecimento sobre questões, temas e acontecimentos que dizem respeito ao mundo da política. Assim, mesmo que o Facebook apresente resultados ruins em termos de deliberação, pode ser uma plataforma importante politicamente à medida em que inclui, mesmo que precariamente, os indivíduos em uma arena que tematiza, entre outras coisas, a política.

Os resultados apontam também que estas arenas trazem, pelo menos para os participantes, maior conhecimento sobre as posições existentes em relação a cada um dos temas, que de outra forma teria se limitado apenas ao conteúdo das matérias. Em termos específicos da deliberação, pode-se falar em ganhos de meta consenso. Estas arenas teriam o benefício de tornar conhecidas as posições envolvidas em determinadas questões, mesmo que o consenso não seja uma possibilidade imediata. Ao serem expostos a visões divergentes das suas, os participantes podem ganhar mais consciência sobre os pressupostos, motivos

e posições dos demais participantes. Neste sentido, pode-se defender também um ganho epistêmico no conhecimento dos elementos relacionados a uma determinada questão, uma vez que se entende que os comentários contribuem para o enriquecimento do discurso sobre a realidade social (vide os índices de provimento de razões, grau da justificativa e a pluralidade dos argumentos apresentados)

Enfim, na contramão do argumento de Coleman & Moss (2012) e Coleman (2012) de que a deliberação não existe naturalmente, em ambientes não controlados por atores políticos, o presente estudo demonstra que pelo menos nas arenas estudadas pode ocorrer discussões que atendem de modo relativamente qualificado os critérios da deliberação, isto é, estas arenas quando comparadas com fóruns hospedados por governos apresentam índices equivalentes, quando não superiores. Contudo, considera-se importante considerar a importância de duas características da amostra deste estudo: 1) tratam-se de cidadãos interessados, motivados a discutir política; 2) trata-se de cidadãos minimamente informados uma vez que são consumidores de jornais.

Portanto, ao estudar as arenas de interação não-institucionalizadas, é importante a avaliação destes ambientes com o objetivo de identificar as variáveis que contribuem para a ocorrência de uma deliberação pública qualificada. Assim como os sites dos jornais e as páginas destes no Faceook viabilizam a existência de discussões públicas com relativa qualidade, outros ambientes de acesso público podem ser arenas para deliberações fecundas. Estudos futuros podem estudar, por exemplo, os grupos de discussão de associação informal que existem em grande quantidade em sites de redes sociais, a exemplo do próprio Facebook, mas também do LinkedIn71 e Ning72, mas também discussões circunstanciais em ambientes como o Twitter73 e o YouTube74. É verdade que já existe um conjunto importante de pesquisas que estudam a qualidade da deliberação nestes ambientes, mas contribuições mais significativas se consolidarão com a compreensão dos elementos necessários para uma deliberação pública de qualidade em um ambiente aberto.

71 Disponível em: https://br.linkedin.com/ Acesso em: 30 jan. 2013. 72 Disponível em: https://www.ning.com/pt-br/ Acesso em: 30 jan. 2013. 73 Disponível em: https://twitter.com/ Acesso em: 30 jan. 2013.

Contudo, no sentido da valorização das discussões em ambientes aberto, uma das principais questões a serem enfrentadas, em sede teórica e empírica, é a ocorrência expressiva de indicadores de desrespeito. O foco não deve ser necessariamente pensar as condições para evitar a ocorrência de qualquer desrespeito, o que pode até mesmo sufocar o processo deliberativo, mas identificar o tipo e a intensidade das ocorrências de desrespeito que não são toleráveis em uma deliberação democrática. Está em jogo não apenas possíveis prejuízos para a qualidade das trocas argumentativas, mas principalmente para o reconhecimento da legitimidade do processo deliberativo.

A título de sugestão, assinala-se que os jornais em particular, mas também outros atores que abrigam deliberações, devem investir em recursos humanos para se garantir uma ação mais efetiva da moderação. Tal atividade, contudo, precisa de linhas diretivas cuidadosamente definidas com a preocupação de não prejudicar a pluralidade dos discursos apresentados. Em segundo lugar, recomenda-se aos produtores de conteúdos jornalísticos considerar as questões que emergem nestas seções de comentários durante a busca por novas pautas. Por mais que existam discursos de ódio e ofensas de variados calibres, acredita-se que os comentários de leitores podem ser usados por jornalistas e outros profissionais da indústria do jornalismo para garantir mais pluralidade e adequação aos interesses do público leitor. É verdade, contudo, que uma quantidade considerável de empresas já produzem conteúdos levando-se em conta o que se fala nos sites de redes sociais (sobretudo, quando relacionado a cultura e entretenimento), porém em relação aos temas de interesse público os exemplos são rarefeitos. Pondera-se que as redes digitais por onde as notícias circulam agregam novos pontos de vista e discursos alternativos que podem ser gatilhos para a produção de novos conteúdos.

Por fim, destaca-se algumas questões e problemas que podem ser abordados por estudos futuros, bem como métodos que podem ser empregados. Primeiro, consideramos que a comparação entre arenas discursivas é a melhor estratégia para a avaliação da deliberação pública, por não existirem parâmetros universais para a avaliação dos resultados.

Segundo, o melhor conhecimento do fenômeno demanda o estudo de uma variedade maior de temas. Um caminho pode ser a criação de uma tipologia de temas e assuntos para avaliar se o modo como as pessoas se relacionam com esses influenciam na qualidade da deliberação. Por exemplo, hipotetiza-se que a complexidade dos temas, o

grau de conhecimento e a polarização social das posições podem influenciar o processo deliberativo.

Terceiro, é preciso considerar o modo como a deliberação pode ocorrer em cada plataforma, partindo do pressuposto que cada uma tem uma lógica de sociabilidade e de trocas argumentativas diferentes. Contudo, é preciso falar das plataformas da perspectiva da experiência concreta do usuário (e não a partir das características técnicas), bem como considerar os diferentes perfis de uso de uma mesma plataforma.

Quarto, são necessárias mais pesquisas para investigar a relação entre as arenas de discussão online, a esfera de visibilidade pública e a esfera de decisão política. Principalmente por conta do aumento e diversificação do uso de sites de redes sociais no Brasil, os pesquisadores de comunicação e política precisam desenvolver modelos explicativos e testes empíricos para investigar o modo como estas arenas se conectam à esfera de visibilidade, bem como o modo e a intensidade de influência sob o sistema político.

Por fim, é necessário reconhecer que existe uma necessidade de avanços metodológicos nos estudos do campo da deliberação online. Neste sentido, esta pesquisa procurou aperfeiçoar os métodos já empregados por estudos anteriores, por exemplo, com a avaliação do impacto de variáveis contextuais nos índices da deliberação, e da combinação da análise de conteúdo com análises do contexto e da estrutura comunicativa.

Contudo, outros recursos e métodos podem ser empregados para dar conta de outras dimensões do fenômeno. Assinala-se, especificamente, a possibilidade do emprego de questionários e de estratégias da etnografia. Os questionários podem prover informações, por exemplo, sobre o que motiva os indivíduos a participarem de discussões públicas, sobre efeitos subjetivos da deliberação, especificamente possíveis mudanças de opinião ou uma melhor compreensão dos argumentos do interlocutor, além de informações sobre o perfil demográfico dos participantes.

Por sua vez, a pesquisa etnográfica pode ser útil para um melhor entendimento do conjunto das práticas online da perspectiva da experiência do indivíduo e não das arenas de interação. Um acompanhamento, com inspiração etnográfica, do cidadão online

também pode servir para entender melhor as rotinas de consumo de informação no ambiente online e a disposição para expor-se a opiniões com as quais diverge. Assim, pode-se entender melhor este cidadão que está disposto a engajar-se em discussões online.