• Nenhum resultado encontrado

2. A DELIBERAÇÃO PÚBLICA E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

2.3 A Deliberação Pública e a Internet

2.3.2 Perfil de quem participa da deliberações online

Quem participa das esferas conversacionais online? A composição do conjunto de pessoas que fazem os comentários garante um mínimo de pluralidade necessário para resguardar a qualidade da deliberação? De uma perspectiva mais exigente, é possível

questionar ainda: as pessoas que se manifestam são representativas do conjunto da população? Evidências de que a esfera conversacional não é plural dá margem a críticas quanto ao potencial deliberativo, ou a concentração da atividade deliberativa entre aqueles com maiores oportunidades para tanto. Segundo Jacobs et al. (2009), falando do contexto americano, há evidências de que as pessoas com maior escolaridade e renda, brancos e homens tendem a participar de uma maior variedade de atividades políticas; enquanto pessoas com renda e educação menores, negros, latinos e mulheres tendem a participar menos. Especificamente sobre a deliberação, Jacobs et al. (2009) relata que pessoas com mais tempo, recursos, habilidades e informação tendem a participar mais em fóruns públicos.

Contudo, segundo o autor e seus colaboradores, haveriam ao menos quatro situações que oferecem resistência ao peso determinista das variáveis supracitadas. Primeiro, forte identidade partidária ou ideologia política podem motivar a participação política. Segundo, determinadas atitudes sobre a política e o processo político, tais como interesse, eficácia, conhecimento e atenção, podem contribuir para o aumento da participação. Terceiro, condições sociais e econômicas que afetam os recursos e as motivações dos indivíduos. Quarto, afiliação a organizações de atuação direta.

Na internet, o perfil demográfico dos participantes tende a reproduzir padrões de exclusão off-line21. Norris (2001) assinala que diferenças de recursos tais como classe socioeconômica e grau de escolaridade continuam sendo variáveis importantes na explicação das diferenças de participação no ambiente online. Especificamente, quanto à deliberação online, Price (2006) notou que algumas pessoas falam muito mais do que outras. Mesmo que se fale menos quanto maior é o grupo, as pessoas que são politicamente envolvidas e com maior escolaridade tendem a usar mais palavras nas discussões. Jensen (2003) fez uma comparação entre dois fóruns dinamarqueses, ambos na Usenet, um organizado por cidadãos e outro por um governo de uma região do norte daquele país, e encontrou que homens, brancos e pessoas com mais escolaridade tendem a participar mais em ambas arenas. Contudo, o que mais chamou atenção daqueles

21 Contudo, poucos estudos apresentam dados detalhados por conta da dificuldade de capturar estes dados

nas plataformas online. Na maioria dos casos, a avaliação das características demográficas dos participantes demanda a aplicação de questionários aos participantes, os quais nem sempre estão dispostos a informar dados pessoais em ambientes online (JENSEN, 2003).

pesquisadores foi a diferença no gênero dos participantes. No fórum organizado pelo estado apenas 29% (N = 82) dos participantes eram mulheres, enquanto no fórum organizado por cidadãos o percentual foi ainda mais baixo, apenas 8% (N = 51). Chama atenção também o grau de engajamento político das pessoas que participam de fóruns online em comparação com a população em geral. No estudo de Jensen (2003), 37% dos que participaram do fórum organizado pelos cidadãos e 25,6% dos que participaram do grupo organizado pelo governo eram membros de partidos políticos. Quanto a “discutir assuntos políticos com amigos, família e colegas”, 80,5% dos participantes do fórum organizado pelo governo e 75,9% daqueles que participaram do fórum organizado pelos cidadãos deram resposta positiva. Enquanto isso, apenas 7,3% dos participantes do fórum organizado pelo governo e 3,7% daqueles que participaram do fórum organizado pela sociedade declaram não ter feito atividade política nos últimos 12 meses. Estes dados corrobora para a tese de que a participação política online tende a aumentar o engajamento e a participação daqueles que já são politicamente ativos. Novos atores políticos, cidadãos e grupos, não seriam mobilizados. Daí a conclusão de que a internet como ferramenta política serve para aumentar a discrepância na participação política entre grupos da sociedade.

Norris (2001) lembra que a participação política demanda determinados recursos, motivação22 e oportunidade. Entre os recursos seria necessário, por exemplo, ter acesso a um computador, de preferência em casa, com conexão à internet. Mas isto não é tudo. As pessoas têm interesses diferentes. Algumas preferem consumir outras mídias, ao invés de internet. Entre as que usam internet, algumas fazem uso predominante orientado pelo entretenimento, outros buscam informações sobre o clima, acessam serviços bancários, leem notícias sobre esportes e um percentual se interessa por política. Este percentual, que seria a intercessão entre os conjuntos das pessoas que se interessam por política e que usam a internet, então, precisa ter oportunidades para efetivamente participar. Para estes, são necessários caminhos e rotas para um tipo de participação que o sujeito esteja disposto. Mas, claro, em algumas circunstâncias excepcionais, conforme o argumento de Jacobs et al. (2009), em que os sujeitos se sintam especialmente afetados pelas decisões do sistema político este quadro pode se alterar. Por exemplo, diante de uma catástrofe, a

22 Falando especificamente da deliberação em arenas online, Graham & Witschge (2003) pontua que “the

process requires time, energy, and patience in order for participants to go through this internal and external interactive process of exchanging claims and reasons” (p. 177).

iminência de uma guerra, um grave problema social ou mesmo diante de eleições gerais as pessoas podem alterar seu padrão de participação e atuar ativamente na construção de meios e oportunidades para que os efeitos e resultados sejam favoráveis.

A formação política e os interesses dos participantes seria importante, ainda, por que espera-se que a perspectiva, ou modo de ver o mundo, dos participantes influencie no padrão de argumentação e na disposição para se engajar em deliberações que demandam esforço e paciência. Daí que as diferenças no perfil dos participantes resultam em diferentes padrões de deliberação (JANSSEN, KIES, 2005). Por exemplo, pessoas com uma forte percepção de auto competência tendem a apresentar a própria opinião em arenas formadas por pessoas com quem diverge, enquanto pessoas que não estão seguras da própria capacidade de argumentar e convencer tenderiam a não se expressar. Outra variável que afeta a deliberação online é a formação das arenas deliberativas a partir de gostos, preferências e opiniões prévios, o que pode afetar seriamente a deliberação. Nestas arenas, além de tratar apenas de temas e agendas de uma perspectiva particular, há uma tendência de ignorar ou evitar pessoas que pensam de modo diferente. Com isso, alguns autores (muitas vezes em defesa das mass media) percebem um risco da internet provocar uma extrema fragmentação dos discursos sobre a vida pública, enquanto outros argumentam em defesa dos ganhos de inclusividade da internet e da democratização do controle discursivo (MARQUES, 2008; POLAT, 2005). Haveria o risco do consumo seletivo de informação levar ao reforço do próprio ponto de vista e, com isso, a polarização das posições pode diminuir o conhecimento compartilhado pela comunidade. As pessoas tenderiam a fazer opção por fóruns, plataformas e temas compatíveis com as crenças e preferências pessoais.

Contudo, algumas pesquisas apontam que o cenário é mais complexo do que supõe a hipótese da fragmentação. Brundidge 2010, através de uma survey com 781 pessoas, descobriu que as discussões políticas online contribuem para o aumento da heterogeneidade das redes de discussão política quando se compara com as discussões

face-to-face, bem como o consumo de notícias online contribuem para o aumento da

pluralidade, quando se compara com o consumo em mídias tradicionais. O autor sustenta, então, que tanto as discussões quando o consumo de notícias online contribuem para o aumento da pluralidade das opiniões as quais as pessoas estão expostas. Assim como no ambiente off-line as pessoas tendem a se relacionar e a consumir conteúdos que

corroboram com a própria opinião, mas comparativamente a heterogeneidade na internet é maior. O autor explica que as discussões e o consumo de notícias têm um pequeno incremento na heterogeneidade das redes de discussão política online por conta de fenômeno que nomeia como “inadvertency”. Isto é, eventualmente, mas com maior frequência do que em situações off-line, as pessoas seriam expostas a pontos de vista com os quais discorda, sem aviso nem consentimento prévio. Na prática, este argumento faz sentido quando se considera os e-mails não solicitados com conteúdos políticos, os conteúdos a que se expõe nos sites de redes sociais, entre outras situações. Contudo, a tese da fragmentação poderia ainda ter alguma validade se as pessoas consumissem apenas internet, quando é mais comum que se tenha uma dieta de consumo de mídia bastante diversificada, incluído mesmo que eventualmente conteúdo das grandes empresas de mídia, mesmo que o consumo se dê através da internet. Além de que não é possível que uma pessoa consiga, mesmo que queira, se expor apenas aos conteúdos e opiniões pelos quais se interesse ou que endossa politicamente. Nos ambientes sociais online a diversidade de opiniões é praticamente inevitável, por mais que sejam possíveis várias ações de controle e edição, por exemplo, das relações que se estabelece nos sites de redes sociais e dos e-mails que recebe.