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3. METODOLOGIA

3.4 Procedimentos para análises transversais e do contexto

Além das variáveis operacionalizáveis para avaliação estatística, a literatura aponta para algumas possibilidades metodológicas para o estudo de outras facetas do fenômeno. Entende-se que estas podem ser reunidas em dois grupos: análises do contexto e avaliações transversais da qualidade da deliberação. Em relação ao contexto, com base na literatura, entende-se ser imperativo uma avaliação da inclusividade e da liberdade discursiva.

Grupo Critério Operacionalização

Avaliação do Contexto

Inclusividade exclusão digital, digital literacy, acesso e usabilidade Liberdade discursiva identificação, moderação

Avaliação Transversal da Qualidade da

Deliberação

Igualdade discursiva quantidade de comentários por participante Pluralidade de razões observação da diversidade dos argumentos

Tabela 6: Resumo dos critérios e a respectiva operacionalização para avaliações transversais do contexto e da qualidade da deliberação.

No critério inclusividade, considera-se a influência da exclusão digital na possibilidade material de participação em esferas de discussão online. Em relação à exclusão digital é pertinente a considerar não apenas se as pessoas têm acesso ou não, mas também com que velocidade de conexão, capacidade do hardware, de onde acessa e por quanto tempo.

De acordo Sampaio (2011), a exclusão digital pode ser investigada a partir de dados secundários de institutos de pesquisa e organizações que produzem dados sobre o uso de internet no Brasil, a exemplo da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, da pesquisa TIC Domicílios e Usuários, feita pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic.br), associado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Segundo o autor, o estudo dessa variável não deve ter por objetivo uma análise complexa das causas da exclusão digital, mas considerar as influências nas iniciativas de participação online.

Na sequência, pensando de uma perspectiva do indivíduo, é necessário ter habilidade (digital literacy) para as atividades que envolvem a leitura e o comentário em jornais ou o acesso a páginas de jornais no Facebook e o comentário nesta plataforma. Esta habilidade é similar, mas não idêntica a escolaridade. É possível tanto que pessoas com escolaridade elevada não saibam fazer um comentário online, quanto o contrário, tendo como piso o conhecimento linguístico necessário para a redação do comentário. Um terceiro elemento que reflete no critério inclusividade é o acesso. É necessário considerar se a leitura das matérias e o comentário, seja na página do jornal ou no Facebook, demanda o uso de uma tecnologia específica (p. e., um navegador específico, extensões ou plug-ins), se o comentário exige um cadastro prévio, se o acesso às matérias é sempre gratuito.

O quarto elemento a ser considerado é a usabilidade da plataforma do jornal e do Facebook. O objetivo é identificar se a plataforma é capaz de comunicar ao usuário o que significa um conteúdo e apresentar as possibilidades de ação em uma determinada situação ou contexto (AICHHOLZER, WESTHOLM, 2011). Segundo Sampaio (2011) é necessário avaliar a funcionalidade que o autor define como a “facilidade de navegação e, principalmente, de se usarem as ferramentas de participação e deliberação” (p. 205). O pressuposto é que um site mal organizado que exija muito esforço do cidadão pode dificultar a deliberação ou mesmo contribuir para que o cidadão não use a plataforma.

Por sua vez, o critério liberdade discursiva tem como objetivo verificar a influência de constrangimentos institucionais à manifestação da opinião (KIES, 2010). Especificamente, este critério procura avaliar a influência da identificação e do modo como se processa a moderação. A discussão sobre a identificação é polêmica, com posições oscilando entre os ganhos e prejuízos da identificação e do anonimato. De um lado, fala-se da necessidade de uma ampla e complexa identificação para evitar, por exemplo, a prática de crimes; e, por outro, defende-se o anonimato como necessário para assegurar a livre manifestação, sem que as pessoas se preocupem com o acumulo de capital simbólico, ou que se deixem influenciar por outros elementos que não tão somente a força racional do argumento (COLEMAN, MOSS, 2012).

Contudo, uma série de estudos de casos relatados na literatura têm demonstrado que o mais indicado para garantir uma deliberação de qualidade é que esta variável seja definida em função do contexto. A avaliação da atuação da moderação, por sua vez, procura avaliar como é feita a moderação. A questão não é apenas se há moderação ou não, mas principalmente quais os procedimentos empregados, qual o tempo de resposta e quais discursos são suprimidos. Este trabalho entende que a moderação não é necessariamente boa ou ruim. A moderação é bem avaliada quando não permite a manifestação de ódio ou de pessoas que querem simplesmente impedir o bom andamento fluxo argumentativo, mas pode também contribuir para a supressão da diversidade ou de pontos de vista discordantes.

No que diz respeito à avaliação transversal da qualidade da deliberação, de acordo com a literatura, há pelos menos três possibilidades. Primeiro, é possível avaliar a igualdade discursiva através da quantidade de mensagens de cada participante, uma vez que se entende que o equilíbrio entre a quantidade de vezes que cada pessoa faz um comentário é um indicador de igualdade entre os participantes (SAMPAIO, 2011, p. 213). Em termos práticos, estuda-se a ocorrência de concentrações e a quantidade de pessoas que comentam apenas uma vez (one-timers). Jensen (2003) argumenta que os participantes que postam apenas uma vez não contribuem para o aumento da complexidade do debate, bem como tem influência negativa na reciprocidade. Contudo, de acordo Kies (2010), o presente estudo entende que a questão da desigualdade no número de comentário é ainda uma questão a ser respondida; é necessário investigar empiricamente, para cada contexto, possíveis prejuízos para a deliberação.

Segundo, a “pluralidade” das razões apresentadas pode ser verificada pela identificação dos tipos de argumentos em relação a cada tema. Segundo Kies (2010), este critério é difícil de ser operacionalizado, e em condições ideais deve ser avaliado através de análise de conteúdo e aplicação de questionários entre os participantes da deliberação. Uma dificuldade, contudo, para uma análise de conteúdo em categorias fechadas é que os tipos de argumentos para um determinado tema não são conhecidos a priori pelo pesquisador.

Já a aplicação de questionário entre os participantes da deliberação é praticamente impossível quando o objeto é um ambiente aberto into the wild como é o caso do presente estudo. Optou-se, então, por fazer um levantamento das razões presentes nos comentários

e a criação de categorias a posteriori. Assim, por mais que ao fim não se tenha um número da frequência de cada argumento, haverá uma lista dos argumentos empregados. Este esforço funda-se na compreensão de que a diversidade dos argumentos e justificativas apresentados é um indicador da qualidade da deliberação.