• Nenhum resultado encontrado

Os mass media e a visibilidade das questões públicas nas sociedades de massa

2. A DELIBERAÇÃO PÚBLICA E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

2.2 A Deliberação Pública e os Mass Media

2.2.2 Os mass media e a visibilidade das questões públicas nas sociedades de massa

especialmente através dos mass media, Gomes (2008c) constrói o conceito de esfera de visibilidade pública (EVP). Nas palavras do autor, a EVP diz respeito “a cena ou o proscênio social, aquela dimensão da vida social [...] que é visível, acessível, disponível ao conhecimento e domínio públicos” (p. 134). Esta esfera do visível seria fundamental como “cimento social” da sociabilidade da comunidade política, mas alerta o autor, não pode ser tomada como esfera pública15. Conforme já comentado no tópico anterior, Gomes (2008c) faz uma distinção entre a esfera da visibilidade pública, como lócus de exposição, e a esfera da discussão pública, como lócus da argumentação (portanto, a esfera pública propriamente dita)16. O argumento deste autor é compartilhado por Maia (2007) que alerta que os media em si mesmo não podem ser entendidos como esfera pública. Os media desempenhariam um importante papel de produzir visibilidade e tornar expressões, discursos, imagens e eventos publicamente disponíveis, mas não teria algumas características necessárias à esfera pública. De modo que seria fundamental distinguir entre a esfera da visibilidade e a esfera da argumentação. Os requisitos não atendidos pela EVP seriam principalmente os relacionados à argumentação e à discussão pública (ou pelo menos não de modo integral).

Contudo, não se pode entender a EVP como “monolítica” ou “universal” (GOMES, 2008c, p. 146-147). Não seria monolítica porque não há “uma unicidade de emissor” ou “uma inteligência unificadora” dos discursos emitidos. Por outro lado, também não seria universal porque os públicos alcançados pelos mass media são distintos. Os cidadãos têm o controle quanto a quais conteúdos, dentre as muitas opções disponíveis, nas diferentes plataformas e organizações, desejam consumir.

O efeito de tornar algo visível através dos mass media é nomeado por Maia (2008) como

15 Segundo Gomes (2008c), a esfera de visibilidade midiática não é um elemento exclusivo das

democracias, mas neste tipo de governo ganhou o importante papel de limitar o poder, partindo do pressuposto que os governantes se submetem ao controle da opinião geral.

16 Gomes (2008c) constrói um interessante argumento que acusa a desvalorização da visibilidade (em

função da valorização da discutibilidade) no desdobramento do conceito de esfera pública pela mão do próprio Habermas e de deliberacionistas com produção mais recente, sendo que: “Trazer as questões relacionadas aos negócios de Estado para expor ao olhar público é algo dotado de enorme potencial democrático. Mesmo que não se consiga, depois, passar do controle cognitivo generalizado (a publicidade) à discussão pública sobre tais questões” (p. 157-158).

visibilidade midiática. Segundo a autora este espaço midiático de visibilidade é constituído pelo conjunto de emissões dos media, de modo que os elementos têm diferentes cotas de visibilidade. A questão que se coloca, então, entre atores com interesse de influenciar o sistema político e/ou a sociedade é como fazer para que os próprios discursos, pautas e programas tenham acesso à esfera de visibilidade pública. Não por acaso, superar a fronteira da invisibilidade social é considerado um primeiro passo para ser admitido como ator capaz de engajar-se na discussão pública em torno de uma questão. A visibilidade, em última instância, é fundamental para os atores políticos porque atesta a existência pública para além do contexto imediato (GOMES, 2004, MAIA, 2008).

Maia (2008b) lembra que a disputa entre os atores por visibilidade também se manifesta na disputa pela influência à agenda dos media (ver McCombs, 2009), a fim de garantir visibilidade para que os temas estejam disponíveis para o assentimento geral. E, se for o caso, torná-lo irresistível às esferas de decisão. A disputa ocorre não necessariamente pela existência de poucas empresas de comunicação, por uma limitação das páginas que podem ser impressas ou das ondas de rádio e TV que podem ser emitidas, mas porque a atenção do público é limitada. As páginas lidas e as ondas que são captadas e consumidas são poucas. Enfim, o tempo e a atenção dos cidadãos que têm muitas ocupações são limitados (LIPPMANN, 2008, p. 55).

Contudo, uma vez alcançada a visibilidade, não há qualquer garantias de sucesso para os atores envolvidos. Estes precisam ser capazes de apresentar argumentativamente a própria posição e colocar-se disponível para potenciais interlocutores. A. Marques (2009) descreve a visibilidade mediática como uma “arena conflitual, em que atores sociais tentam tornar seus argumentos inteligíveis e aceitáveis, ao mesmo tempo em que tentam convencer seus interlocutores da validade dos enquadramentos interpretativos” (p.23) de seus discursos e causas. Habermas (2011) já falava do poder de influência de associações e organizações para que os media dê visibilidade a temas que lhe dizem respeito, mas reconhece que nesta disputa por visibilidade a opinião dos atores coletivos que operam foram do sistema político “têm normalmente menos chances de influenciar conteúdos e tomadas de posição” (p. 111) das grandes empresas de comunicação. Isto ocorreria, principalmente, porque estas seriam ““equilibrada” [da versão brasileira assim, entre aspas], pouco flexível e limitadas centristicamente” (p. 111). Especialmente, os

“produtores da informação”, atores importantes na seleção dos temas visíveis, dariam preferência a fontes oficiais, não estariam dispostos a considerar modos de dizer e narrativas alternativas e tenderiam a posições centrais no espectro das posições políticas (sobre o papel do jornalismo como mediador, ver o tópico 2.2.3).

O sistema dos media é composto por instituições da imprensa, rádio, TV aberta, TV por assinatura (em seus vários suportes) que têm características peculiares. Cada plataforma e cada empresa tem estratégias mercadológicas, regulamentações, objetivos e modos de fazer próprios. Contudo, no Brasil, como de resto em boa parte do mundo, a TV aberta tem um papel de destaque. Segundo Almeida (1998) “a TV é potencialmente o principal meio de comunicação da esfera de visibilidade pública” esta teria como principal política intermediar “dois fluxos de discursos: os produzidos na esfera política institucional, e os produzidos no seio da sociedade civil, através das manifestações de esfera pública” (p. 40). O autor argumenta que, atualmente, os grandes atores sociais que “alimentam o debate público” são apresentados mediados, com destaque para a TV. A vantagem deste meio seria a ubiquidade, de modo que pode atuar como mediador dos insumos necessários para discussões na esfera pública. Contudo, a autor faz algumas ressalvas quanto ao potencial da televisão: a submissão à lógica de mercado exige que os conteúdos exibidos gerem lucro; o papel de mediação exige uma imagem de isenção, que nem sempre corresponde à realidade; espetacularização da informação para garantir a atenção da audiência; e, por fim, a baixa memorização dos consumidores de TV. As ressalvas apresentadas pelo autor dizem respeito a condições estruturais que limitam benefícios políticos, mas não necessariamente os inviabilizam. A exceção é a quarta ressalva que pode dizer respeito mais a um uso que a audiência faz da TV, do que um problema estrutural.