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A superação do discurso da ruptura entre a internet e os mass media

2. A DELIBERAÇÃO PÚBLICA E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

2.4 A deliberação pública em um ambiente midiático complexo

2.4.1 A superação do discurso da ruptura entre a internet e os mass media

Os discursos que acompanharam o surgimento da internet alimentaram grandes expectativas de que este novo meio apresentava uma grande ruptura com todas as tecnologias de comunicação antecessoras, pela possibilidade da organização de redes de comunicação entre os indivíduos, com capacidade de emitir e receber, sem a necessidade de centros de controle. Em relação aos meios de comunicação antecessores, a internet teria apresentado uma considerável inovação ao possibilitar o descentramento da emissão, ou uma alternância das funções de emissor e receptor, o que já era possível no rádio, mas com os ganhos do aumento da quantidade de linguagens e da possibilidade de armazenamento das mensagens para o consumo a qualquer momento. Segundo Castells (1999), este discurso estava fortemente embevecido do contexto histórico de gestação das tecnologias que culminaram na internet como conhecemos hoje25. Lemos (2007) explica que na internet “a circulação de informação não obedece à hierarquia da árvore (um- todos), e sim à multiplicidade do rizoma (todos-todos)” (ibid., p.68).

Nesta perspectiva, Castells (2003) defende que esta característica técnica da internet aliada à cultura de uso com forte ênfase à livre manifestação apresentou-se como possibilidade de pluralização dos discursos com visibilidade na sociedade. No entanto, Mosco (2008), de uma perspectiva crítica, pondera que o fenômeno ainda é, em termos históricos, muito recentes e os discursos interpretativos são fortemente marcados por uma vontade de determinação dos usos futuros. Neste sentido, o autor explica que os discursos sobre o ciberespaço podem ser caracterizados como mitológicos, a medida que, sem sustentação na realidade objetiva, trata este momento histórico como uma nova era, algo como uma “Information Age” ou uma “Digital Age” que pôs fim à “Industrial Age” (idem, 2008), porém estas promessas não teriam se concretizado, pelo menos não como previam os discursos mais entusiasmados. Segundo o autor, há um perigo político nestes

25 O autor explica que as transformações que resultaram, em suas palavras, na sociedade em rede se deram

no encontro histórico, a partir da segunda metade do século passado, de três elementos: a) da emergência de tecnologias da informação; b) a crise e a subsequente reestruturação do capitalismo e do estado; c) e a explosão de movimentos sociais libertários, ambientalistas, feministas e pró-direitos humanos.

discursos mitológicos, uma vez que ao alegar uma ruptura histórica, elimina-se as possibilidades de disputa política, de negociação.

Por outro lado, Rüdiger (2011) lembra que a lógica da comunicação de massa migrou para o ciberespaço. Nos termos do autor, os elementos centrais da cibercultura seriam tão somente “um cenário avançado ou high-tech da cultura de massas e da indústria cultural” (idem, p.47). Desta perspectiva, o ciberespaço não teria alterado a lógica de produção de sentido dos mass media. A novidade, segundo o autor, é que os indivíduos teriam alcançado alguma autonomia ao poderem também produzir e emitir conteúdos: uma “espécie de massificação das práticas da indústria cultural (idem, p.49).

Wright (2012) afirma que as novas tecnologias sempre despertam, por um lado, esperanças revolucionárias e, por outro lado, um discurso que sustenta de que na verdade nada muda (o discurso da normalização). Contudo, o autor argumenta que tanto o discurso de revolução quanto o discurso de normalização trazem prejuízos para o estudo da realidade. De um lado, há aqueles pesquisadores que, com base na observação das características técnicas, têm esperanças quase religiosas de que ocorrerá uma revolução (comunicacional, cultural e/ou política). Em geral, esta posição, avaliada quase sempre como tecno-determinista, é especulativa e carece de investigações empíricas sobre qual seja o uso padrão que a sociedade faz das novas mídias. Por outro lado, segundo o autor, a ideia de normalização dá conta de que a internet interage com uma série de elementos da ordem da realidade, como a legislação, o comércio e o entretenimento, partidos políticos e interesses de grupos organizados, ativistas políticos e cidadãos, de modo que há uma tendência de normalização do potencial revolucionário frente as coisas previamente existentes no mundo. O autor acaba por adotar uma perspectiva do construtivismo social da tecnologia, ou seja, uma perspectiva que considera o modo como as tecnologias são adotadas e usadas pelas pessoas em relação com fatores econômicos, políticos e institucionais. O que acaba por resultar na conclusão de que a tecnologia não determina o comportamento humano, mas influencia e constrange a ação política.

Com isso, o importante não é defender um quadro interpretativo previamente estabelecido de revolução ou normalização, de ruptura ou complementariedade, mas, antes, estudar o fenômeno em um contexto social, econômico e político, no qual pode-se verificar tanto fortes impactos quanto a banalidade da web.

To assess the internet’s impact on politics, we cannot just answer the question of whether they are revolutionary, or not. The underlying research goal must be to analyze and interpret what effects the internet has on politics across a spectrum of potential outcomes for different actors and across a range of issues (WRIGHT, 2012, p.252).

Esta rejeição a uma chave interpretativa prévia é importante para evitar expectativas muito altas que podem enviesar a análise empírica, tanto no sentido da ruptura total, quanto para um entendimento sumário de que internet não provoca ou possibilita apenas pequenas mudanças ou incrementos a dinâmicas já existentes.

Wright (2012) faz ainda três observações oportunas: 1) é preciso levar em conta a escala, uma vez que mudanças e revoluções podem ocorrer em uma miríade de escalas do local ao global; 2) velocidade, entendendo-se que o tempo é menos importante que o significado da mudança; e 3) as tecnologias operam juntas, de modo que não se pode isolar apenas a última invenção quando se quer considerar os efeitos sociais.

Por outro lado, a internet se desenvolveu e aumentou a pluralidade de seus ambientes a tal ponto que não é mais possível (se algum dia foi) entender a internet como um bloco. Cada plataforma ou ambiente é diferente, tem características distintas, além de que a experiência de uso é praticamente particular. Tal diagnóstico tem duas consequências: primeiro, mas do que nunca é necessário fundamentar as afirmações em análises empíricas consistentes; e, segundo, os resultados não são facilmente generalizáveis. Ademais, há ambientes na internet que, para a experiência de usuário, em nada se diferencia dos mass media, conteúdos que dentro das lógicas discursivas dos mass media alcançam números demograficamente massivos de pessoas, isto é, têm-se um efeito distributivo de massa através da internet.

Enfim, têm-se que, primeiro, quase que como pré-requisito para o estudo da relação entre internet e mass media, é importante abandonar uma chave interpretativa prévia, seja de revolução ou normalização, ruptura ou continuidade, que geralmente enviesa as conclusões por excesso de expectativa ou de pessimismo. É mais provável que a internet não muda tudo, mas também não deixa tudo como estava antes, além de que pode ser usada para atividades que se podia fazer antes com outras ferramentas. Segundo, é necessário avaliar as características morfológicas e os usos efetivos dos diferentes

ambientes e plataformas online separadamente, uma vez que há uma grande diversidade de práticas e funções comunicacionais nestes: não se pode pressupor que a internet é um bloco sobre o qual se possa estabelecer facilmente generalizações. Advoga-se que, caso a caso, o julgamento do impacto social da internet seja feito pela empiria, numa perspectiva analítica que se preocupe em destacar as particularidades e os elementos gerais dos diferentes ambientes e plataformas online, bem como o uso que efetivamente se faz destes. Em resumo, que a análise venha antes das conclusões.