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A DESPESA PÚBLICA E INTERVENÇÃO ESTATAL EM PAÍSES

Apesar da secular controvérsia entre aqueles que defendem a intervenção do Estado na economia, de um lado, e, os liberais preconizadores do Estado mínimo, de outro, a experiência histórica tem mostrado que quanto maior o crescimento e a diversificação da atividade produtiva maior tende a ser envolvimento econômico do Estado (ALVES DA SILVA, 1998:159).

De fato, as evidências indicam que o processo de desenvolvimento econômico das nações é acompanhado de crescimento da despesa pública com relação à renda nacional, conforme indicam a Lei de Wagner e os estudos de Peackock e Weiseman (1970).7

Como explicação do comportamento de longo prazo dos gastos públicos, a Lei de Wagner foi postulada pelo economista alemão Adolph Wagner no final do século XIX.. Seu estudo foi baseado em observações empíricas na Alemanha e outros países europeus, além dos Estados Unidos e Japão. A história mostra que, em estados beligerantes em épocas anteriores, como Alemanha e Japão, pode-se observar que restrições orçamentárias são relaxadas em períodos de

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Passagens relevantes de A. Wagner podem ser percebidas em Richard A . Musgrave e Alan Peacock Classics in the Theory of Public Finance, Nova York, Macmilllan, 1958. Wagner foi considerado um crítico conservador do liberalismo econômico, defendendo a intervenção do Estado, a fim de assegurar justiça social para classe trabalhadora.

guerras, com o predomínio de uma lei da inércia na retomada de condições mais estáveis, sendo que historicamente a sociedade não apresenta nenhuma reação a um novo patamar de arrecadação de tributos, alcançado no pós-guerra.

Wagner estabeleceu como lei da expansão das atividades do Estado uma situação em que os gastos do governo cresceriam inevitavelmente mais que a renda nacional em qualquer Estado progressista. Esta lei explicava-se também pelos aumentos e aperfeiçoamentos do aparato fiscal do Estado, que tendiam a ser tão mais freqüente quanto mais descentralizada fosse a administração pública. Uma das primeiras constatações de Wagner foi que o crescimento das atividades do governo e, portanto, o crescimento dos gastos públicos, era uma conseqüência natural do progresso social. Sua abordagem, entretanto, não se preocupava com o processo de mudança dos gastos, mas com o seu comportamento absoluto. Wagner constatou empiricamente que quando a produção per capita aumentava, as atividades do Estado e seus gastos aumentavam em proporções maiores do que a renda. Ele atribuiu a vigência desta lei a dois fatores principais: 1) tendência ao aumento relativo dos custos com a administração pública, justiça e segurança, e outros elementos reguladores necessários às economias que se industrializam e 2) alta elasticidade-renda da demanda, uma característica superior, no sentido de Engel, dos serviços públicos nas economias em desenvolvimento.

Entretanto, embora em muitas das economias européias as despesas do Estado aumentaram proporcionalmente mais que a renda, isso não ocorreu necessariamente pelas razões mostradas por Wagner.

Para OLIVEIRA (2001:8) parece consensual que o Estado cumpre na sociedade, desde a sua origem, determinados papéis, que variam em função de sua inserção na realidade histórico-concreta. Para desempenhá-los, precisa dispor de determinado montante de recursos para fazer funcionar a máquina pública, para pagar seus funcionários e para realizar obras demandadas pela sociedade. A grandeza dos recursos de que necessita varia, assim, em função da dimensão e da amplitude do papel que lhe é atribuído. Este papel amplia-se ou estreita-se à

medida que se modificam as condições de reprodução do capital, as quais, por sua vez, refletem-se na natureza e forma de sua atuação.

As estatísticas publicadas periodicamente por organismos multilaterais, como a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ou o Fundo Monetário Internacional (FMI), indicam que, nas últimas duas décadas, a participação do Estado na Economia tem crescido na grande maioria das nações desenvolvidas, apesar do triunfo ideológico do neoliberalismo nesse mesmo período.

Conforme BATISTA JR. (2000:32), tomando-se a evolução da relação gasto público/PIB, observa-se que para os Estados Unidos e Japão essa participação passa de 31% no período 1978/81 para 34% em 1992-95; na Alemanha, de 48% para 49%; no Grupo dos 7, que inclui além dos três países já citados o Canadá, a França, a Itália e o Reino Unido, de 36% para 40%. Pela Tabela 1, observa-se, para os mesmos países, o comportamento de outros indicadores relativos à participação do Estado no processo econômico, como carga tributária, dívida e déficit público. Todos evidenciam a expansão do Estado.

Também para o conjunto de países da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) tomando-se a relação gastos públicos/PIB observa-se, pela Tabela 2, que apenas na Bélgica, Holanda e Irlanda tem-se uma redução de 4, 1 e 6 pontos percentuais, respectivamente, no indicador considerado, entre os dois períodos 1978/82 e 1991/95. Em todos os outros países observa-se expansão da despesa pública no PIB, numa análise comparativa entre os períodos.

Assim, Batista Júnior argumenta que:

“O neoliberalismo pode ter triunfado no plano retórico, ideológico e acadêmico, mas esse triunfo ainda não se fez sentir na prática concreta dos principais países desenvolvidos. Houve, é claro, redução de controles sobre diversos setores e programas importantes da privatização. Mas a participação do Estado na economia, que já vinha crescendo de modo mais ou menos contínuo ao longo de todo o século XX, continuou a aumentar na maioria dos países desenvolvidos no período recente, a despeito da preponderância do pensamento neoliberal” (BATISTA JR., 2000:34).

Tabela 1 - Setor público1 nos países do G-7 (médias do período em % do PIB no- minal)

Países Período Gastos públicos Carga tributária Déficit público Dívida pública bruta Dívida pública líquida EUA 1978-82 31,2 30,1 1,1 37,9 22,3 1991-95 33,6 30,5 3,1 62,6 47,7 Japão 1978-82 31,8 27,4 4,4 50,7 16,4 1991-95 33,2 32,7 0,5 69,5 6,1 Alemanha 1978-825 48,0 45,0 3,0 34,0 13,1 1991-95 48,9 45,7 3,1 51,1 33,5 França 1978-82 46,9 45,4 1,5 31,5 0,1 1991-95 53,0 48,6 4,4 51,1 25,3 Itália 1978-82 44,0 33,7 10,4 61,3 56,8 1991-95 54,1 45,0 9,1 116,8 101,1 Reino Unido 1978-82 42,8 39,6 3,2 54,9 39,9 1991-95 42,7 36,9 5,8 51,8 31,7 Canadá 1978-82 39,9 36,8 3,1 45,7 13,4 1991-95 48,5 42,4 6,1 91,6 61,1 G-72 1978-82 36,3 33,5 2,9 42,6 22,0 1991-95 39,4 35,9 3,5 66,2 40,4 OCDE3 1978-824 37,3 34,3 2,9 40,95 20,56 1991-95 41,0 37,0 4,0 68,3 41,87

Fonte: Dados Básicos: Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) - Economic Outlook, June 1995 e June 1996.

Elaboração: BATISTA JR., P.N. A economia como ela é. São Paulo: Boitempo, 2000. p. 49.

1

Inclui governos centrais, estaduais e locais.

2 Inclui Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido.

3 Subconjunto dos países membros da OCDE. Inclui países do G-7 e Austrália, Áustria, Bélgica e Dinamarca. 4

Exclui Islândia.

5

Exclui Austrália.

6

Exclui Austrália, Áustria, Grécia, Irlanda e Portugal.

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Tabela 2 - Setor público1 nos países da OCDE (médias do período em % do PIB nominal)

Países Período Gastos públicos2 Carga tributária3 Déficit público Dívida pública bruta Dívida pública líquida4 Austrália 1978-82 32,0 30,4 1,6 - - 1991-95 37,2 33,9 3,3 33,8 21,3 Áustria 1978-82 49,0 46,6 2,4 37,7 - 1991-95 51,6 47,8 3,8 62,8 43,4 Bélgica 1978-82 59,7 50,4 9,4 83,0 73,7 1991-95 55,9 49,9 6,1 133,2 124,5 Dinamarca 1978-82 56,2 51,9 4,3 43,1 15,4 1991-95 61,7 58,9 2,8 77,7 43,4 Espanha 1978-82 32,6 29,5 3,0 20,7 7,5 1991-95 45,2 39,6 5,6 60,6 41,0 Finlândia 1978-82 39,2 42,3 -3,1 14,3 -29,4 1991-95 58,2 52,8 5,4 51,1 -20,1 Grécia 1978-82 31,8 27,5 4,3 25,4 - 1991-95 46,7 34,9 11,8 105,1 - Holanda 1978-82 55,7 51,4 4,4 47,7 24,7 1991-95 54,1 50,6 3,6 79,3 41,9 Irlanda 1978-82 48,3 36,6 11,7 73,0 - 1991-95 42,3 40,0 2,3 92,6 - Islândia 1978-82 - - - - - 1991-95 40,0 36,4 3,6 47,6 28,2 Noruega 1978-82 45,1 48,0 -2,9 49,3 1,9 1991-95 50,0 50,1 -0,1 37,6 -27,3 Portugal 1978-82 35,4 30,2 5,2 35,0 - 1991-95 43,4 38,0 5,4 68,2 - Suécia 1978-82 61,2 57,3 3,9 46,4 -12,1 1991-95 66,8 58,9 7,9 72,5 12,0 OCDE(5) 1978-82(6) 37,3 34,3 2,9 42(7) 21,48 1991-95 41,0 37,0 4,0 66,6 40,19

Fonte: Dados Básicos: Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) - Economic Outlook, June 1995 e June 1996.

Elaboração: BATISTA JR., P.N. A economia como ela é. São Paulo: Boitempo, 2000. p. 49.

1

Inclui governos centrais, estaduais e locais.

2

Despesas Correntes mais Despesas Líquidas de Capital inclui Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido.

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Receitas Correntes, exclui receitas de capital.

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Dívidas Brutas menos Ativos Financeiros.

5 Subconjunto dos países membros do G-7 e Austrália, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia,Grécia,

Holanda, Irlanda, Islândia, Noruega, Portugal e Suécia. Média Ponderada com base no PIB da OCDE.

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Exclui Islândia.

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Exclui Austrália.

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Exclui Austrália, Áustria, Grécia, Irlanda e Portugal.

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Exclui Grécia, Irlanda e Portugal. - Dados não disponíveis.

Da mesma forma, para retratar a importância assumida pelo Estado na vida econômica de um conjunto de países desenvolvidos selecionados, OLIVEIRA (2001:9) considera as estatísticas do Banco Mundial, desde o início do século. Pela Figura 1 com uma participação em torno de 10% do PIB/PNB em 1880 - à exceção da França, cujo nível atinge 15% -, a importância econômica do Estado aumenta a partir da crise de 1929 (caso da Alemanha, Inglaterra, França e Suécia) ou em torno de 1/3 de seu produto (EUA e Japão).

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% %

França Alemanha Japão Suécia Inglaterra EUA

Países

1880 1929 1960 1985

Fonte: Dados Básicos: Banco Mundial: Relatórios sobre o Desenvolvimento Mundial, 1991, p. 158.

Segundo OLIVEIRA (2001:10), após a crise de 1929,

“[...] o Estado moderno incorporaria novas funções e atribuições, aumentado o seu grau de intervenção na economia. Assim, de um Estado teoricamente passivo, transformar-se-ia ele num Estado fortemente intervencionista, indispensável para a vitalidade e estabilidade do sistema. Além de suas funções tradicionais − regulatória, garantidor da defesa e segurança do país, alocativa −, passaria ele, nessa nova perspectiva teórica, a desempenhar o importante papel de mantenedor da estabilidade econômica e de agente responsável pela implementação de políticas de conteúdo redistributivista, que passaram a ser consideradas necessárias para garantir a reprodução do sistema no longo prazo. À medida que confirmava-se sua importância para a economia e para o sistema, foi crescente, no mundo capitalista, sua participação na geração da renda e do emprego”.

O longo e vigoroso ciclo de crescimento conhecido pelo sistema capitalista prolongou-se até o início da década de 1970, sustentado pela implementação de políticas keynesianas. Já então começaria a mostrar sinais de esgotamento, quando essas se mostraram inadequadas para combater um renitente processo inflacionário combinado com o processo de estagnação e de crise que se abateu sobre a economia mundial nessa época. Independente das causas que estavam na raiz da reversão deste ciclo, passa a ocorrer o agravamento da crise nos anos seguintes, diante da crise do dólar, da desestruturação do sistema monetário e da crise do petróleo, argumentos que balizam as correntes de pensamento que apontam o Estado como o grande responsável pelos desequilíbrios do sistema provocados pelos crescentes déficits e elevados níveis de endividamento. Vale dizer que as políticas públicas têm responsabilidade de primeiro plano nas recentes mutações que desestabilizaram a economia mundial, sendo que essa evolução perversa adquiriu novas dimensões a partir de 1985, com a aceleração exponencial do processo de “financeirização”, acompanhado por sucessivas crises, cada vez mais freqüentes e com grandes impactos nas economias da periferia capitalista mundial.

Em resumo, as novas políticas econômicas do final dos anos 70, fundadas sobre o Liberalismo econômico e o monetarismo, constituem a origem da expansão dos desequilíbrios internacionais e do processo de globalização financeira em nível mundial. Todavia, mesmo que a autonomia e as funções do Estado tenham sido enfraquecidas pelas tendências transnacionais, não apareceu

nenhum substituto adequado para ocupar o seu lugar como unidade-chave na reação do desafio global, mesmo quando os instrumentos tradicionais de que se dispõe estejam se enfraquecendo e os fundamentos de políticas macroeconômicas passem a ser questionado em todas as direções.