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A determinação da titularidade individual ou coletiva

PARTE II – DA DIVERSIDADE CULTURAL AO MODELO

2. Abordagem tópico-problemática

2.2. O reconhecimento de (eventuais) direitos culturalmente diferenciados

2.2.1 A determinação da titularidade individual ou coletiva

O consenso quanto à legitimidade, rectius, necessidade de reconhecimento da identidade cultural e de “direitos culturalmente diferenciados” não responde, contudo, diretamente à questão de saber como opera esse reconhecimento. Três vias são pensáveis, a de reconhecer direitos apenas às culturas e aos grupos culturais, a de reconhecer direitos apenas aos indivíduos ou a de reconhecer direitos a ambos (uma análise jurídica comparada mostra como são, frequentemente, combinadas).

Subjacente à discussão sobre os direitos coletivos913 está a reivindicação da insuficiência dos direitos individuais para assegurar uma proteção efetiva da pessoa humana nas suas múltiplas dimensões. Ou seja, dois entendimentos de igualdade, um que pressupõe uma igualdade igual e uma universalização/uniformização dos direitos,                                                                                                                

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Coisa diferente será afirmar que, para as minorias, a identidade cultural possa ter uma posição mais forte como elemento de identificação em relação à maioria, vd. ANNE PHILLIPS, Multiculturalism…, cit., p. 65.

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SUJIT CHOUDHRY, “Group...”, cit., p. 1108. 912

Neste sentido também SARAH SONG, Justice…, cit., p. 5 ss. Cremos que a discussão, em Estrasburgo, dos Casos Lautsi vs. Itália (crucifixo nas escolas públicas italianas) permite ilustrar este ponto, uma vez que um dos argumentos invocados foi, precisamente, o do valor cultural do crucifixo, vd. Lautsi vs. Itália, n.º 30814/06, decisão em Secção de 03/11/2009 e em Plenário de 18/03/2011.

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Uma primeira advertência para a utilização, por vezes indiferenciada, de diferentes expressões, como “direitos coletivos”, “direitos de grupo”, “direitos culturais” e “direitos das minorias”, que não são necessariamente sobreponíveis. Com efeito, os direitos coletivos não têm necessariamente de ser direitos das minorias, podendo também as maiorias invocar direitos coletivos, assim como há direitos coletivos que não são direitos de grupo em sentido estrito, e todos estes podem ter por objeto outras pretensões que não as culturais. Há, com efeito, uma sobreposição de dimensões relativas à titularidade, ao exercício e ao objeto.

reconhecidos independentemente de pertenças etnoculturais, outro que pressupõe uma igualdade diferenciada em função, precisamente, dessas pertenças914, ou, de outro ponto de vista, entre uma conceção formal e uma conceção material de igualdade. Mas subjaz-lhe igualmente a preocupação comunitarista de que, sem o reconhecimento de direitos especiais, as comunidades qua tale ficassem privadas de meios para proteger a sua identidade, o que exigiria o reconhecimento de um ‘direito moral à autodeterminação’915.

Para alguns autores, há uma incompatibilidade de princípio entre direitos coletivos e direitos individuais ou, de outra perspetiva, entre direitos coletivos, liberalismo e democracia ou entre direitos coletivos, igualdade e neutralidade estadual916. Para outros, não se trata de incompatibilidade, mas de desnecessidade de recurso à figura dos direitos coletivos, bastando atualizar dimensões dos direitos individuais, num sentido inclusivo da identidade cultural, no contexto do liberalismo democrático. Acresce, para outros, que, não sendo as culturas os agentes da sua reprodução, não faz sequer sentido que sejam titulares de direitos.

Por outro lado, a sobreposição que ocorre entre “direitos de grupo”, “direitos coletivos”, “direitos culturais” e “direitos das minorias” conduz a que, por vezes, o que se considere criticável seja a relevância das identidades específicas, mais que em concreto direitos “coletivos”, ou o receio de que tais direitos traduzam uma supremacia do “coletivo” ou do “grupo” sobre o indivíduo. Assim, por exemplo, para PATRICE MEYER-BISCH o que está em causa não é a possibilidade de direitos coletivos, mas de direitos humanos coletivos917. Não se exclui a proteção através dos                                                                                                                

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Sobre a questão, vd. SUJIT CHOUDHRY, “Group...”, cit., p. 1100. 915

Sobre a questão, em diálogo com VERNON VAN DYKE, vd. CHANDRAN KUKATHAS, “Are there any…”, cit., passim, em especial p. 129 ss.

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Sobre a questão, NEUS TORBISCO CASALS, “La interculturalidad posible: el reconocimiento de derechos coletivos”, in MARÍA PAZ ÁVILA ORDÓÑEZ/MARÍA BELÉN

CORREDORES LEDESMA (eds.), Los Derechos Coletivos. Hacia una efetiva comprensión y protección, Quito, Ministerio de Justicia y derechos Humanos/ONU, 2009, p. 61 ss., disponível em http://www.bibliotecaonu.org.ec/ e http://www.justicia.gob.ec/wp- content/uploads/downloads/2012/07/2_Derechos_Coletivos.pdf [10/01/ 2013].

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Patrice MEYER-BISCH, “Le sujet des droits de l’homme est individuel, mais l’objet est commun”, in Thomas BENS (dir.), Le Droit saisi par le collectif, Bruxelles, Bruylant, 2004, p. 15-44. O sujeito distingue-se do beneficiário e do objeto (multidimensional e relacional). Sujeito de direitos humanos será sempre o indivíduo em relação, “ator dos seus direitos/liberdades/responsabilidades; livre na organização das suas interações”. Comunidades como a família, a minoria, a coletividade, poderão ser beneficiárias mas não sujeito de direitos humanos, ou seja “os direitos legítimos de uma coletividade implicam uma

direitos coletivos, apenas se entende que a titularidade dos direitos humanos é sempre individual, é sempre do “sujeito-ator” em relação, e, por conseguinte, do que se tratará no caso de “direitos coletivos” será de “garantias estruturais” que protegem os direitos do homem mas que não se situam no nível dos direitos humanos por implicarem uma particularização, uma delimitação de uma determinada coletividade. Por enquanto, usaremos estes termos em sentido convergente, e deixaremos para mais tarde a delimitação dos conceitos.

A resposta tradicional à questão de saber quando é um direito coletivo, é a de que o é quando a sua titularidade for coletiva, do grupo enquanto tal e não dos seus membros, ou seja, direitos de titularidade coletiva, pertencentes a um sujeito coletivo com interesses próprios (‘irredutibilidade’ dos interesses da comunidade a interesses individuais918), fundamentados de forma análoga à dos direitos individuais919. Se basearmos o reconhecimento dos direitos coletivos no facto de existirem interesses supra ou meta individuais, que por isso são interesses do grupo e por ele devem ser prosseguidos, chegamos ao difícil problema do reconhecimento, a grupos, de capacidade para o agir moral (“moral agency”), para serem dotados de direitos morais e não apenas jurídicos (objeção ontológica), bem como à discussão sobre a prioridade relativa indivíduo ou comunidade (a tese da irredutibilidade abre a possibilidade de deveres dos membros para com o grupo, que teria direitos contra aqueles) 920.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             

particularização e não podem por conseguinte colocar-se ao nível dos direitos do homem. Mas podem, na condição do respeito de todos os direitos humanos por todos, constituir medidas de proteção de objetos coletivos cujo equilíbrio e manutenção são necessários ao respeito pelos direitos do homem” (ob.cit., p. 21) direitos coletivos esses que podem ser direitos fundamentais de nível constitucional, legal, etc. Finalmente, uma comunidade, enquanto estrutura social incorporada por sujeitos, pode ser objeto de um direito cultural na medida em que habilita o sujeito para a relação, a interrogação e a criação que o direito implica, ou seja, é uma relação que é obra do sujeito livre (ob. cit., loc. cit.). Entre nós, Isabel CABRITA, Direitos…, cit., p. 36.

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NEUS TORBISCO CASALS, Minorías…,cit., p. 68 ss. 919

Idem, cit., p. 110 ss. As teorias sobre a fundamentação dos direitos costumam agrupar-se em voluntaristas (põem o acento na escolha) e teorias dos interesses (põem o acento nos bens que resultam da dignidade humana e cujo valor predica o interesse individual no seu respeito e proteção mediante certas regras, sendo os direitos conferidos como garantia contra a violação dos interesses). Sobre a questão, NEUS TORBISCO CASALS, Minorías…, cit., p. 66, LUÍSA NETO, O direito à disposição…, cit., p. 128 e CRISTINA QUEIROZ, Direitos Fundamentais…, cit., p. 341 ss.

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Para uma análise e crítica da visão liberal, NEUS TORBISCO CASALS, Minorías…, cit., p. 72 ss.

Sucede que a categoria dos direitos coletivos se apresenta como bastante heterogénea921, o que gera também críticas e receios de diversa natureza, uns de cariz mais filosófico, outros mais pragmáticos922. A atribuição da titularidade a um grupo pressupõe que possam determinar-se as “fronteiras” desse grupo, sendo certo que conceitos como o de “minoria”923, que é central na delimitação destes direitos, se mostram insuscetíveis de gerar consenso, tanto mais que, também aqui, a crítica ao conceito estático e essencialista de identidade cultural coloca dificuldades à delimitação de um “coletivo”924. Para além da difícil determinação dos “grupos” relevantes, suscitam-se dúvidas sobre se as pretensões em causa devem proteger-se sob a forma de “direitos” (receio de expansão ilimitada dos direitos), o receio pela multiplicação de reivindicações (“slippery slope”) e pela supremacia do coletivo face ao indivíduo925, a que acresce a identificação entre direitos de grupo e minorias iliberais, com as generalizações daí decorrentes926 (e ainda que possa afirmar-se,                                                                                                                

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A distinção entre direitos coletivos derivados (direitos que os indivíduos põem em comum ou cedem á comunidade) e direitos coletivos primários (direitos sui generis que as coletividades adquirem por si e não de forma derivada através dos seus membros, pela simples razão de que estes não gozam de tais direitos enquanto indivíduos, ex. direitos de autogoverno), proposta por PAREKH, pode ser de alguma utilidade. A diferença entre ambos não tem a ver com a justificação, uma vez que uns e outros se dirigem ao bem-estar humano, mas com a forma ou natureza da sua aquisição. Ora é em relação aos primários, e não aos derivados, que se colocam as dificuldades vistas, por se partir do pressuposto de que apenas os indivíduos são titulares de direitos, vd. BHIKHU PAREKH, Repensando…, cit., p. 318 ss. 922

Sobre esta questão, BHIKHU PAREKH, Repensando…, cit., p. 318 ss. e NEUS TORBISCO

CASALS, Minorías…, cit., p. 72 ss. 923

A multiplicidade de situações reconduzíveis a esta caregoria torna difícil a sua definição, da qual cuidaremos infra. Recorrendo, por ora, à síntese de FLICK, trata-se de “situações estáveis e tendencialmente permanentes, com uma ligação ao território, contrapostas à maioria por fatores sociais predominantemente (mas não de forma exaustiva) de tipo étnico, linguístico, religioso, que se traduzem em condições de inferioridade numérica, política ou económica, discutindo-se se a estes deve associar-se o fator nacionalidade e em que medida abrangem as minorias de origem imigrante, vd. GIOVANNI MARIA FLICK, “Minoranze ed eguaglianza: il diritto alla diversità e al territorio come espressione dell'identità nel tempo della globalizzazione”, in PD, vol. XXXV, n.º 1, 2004, p. 3 ss., p. 7.

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Sobre a questão, NEUS TORBISCO CASALS, “La interculturalidad posible…”, cit., p. 71 ss. e TARIQ MODOOD, Multiculturalism..., cit., p. 87 ss.

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Este nos parece ser o principal receio de ANNE PHILLIPS, Multiculturalism..., cit., p. 162 ss., que sustenta que os direitos que estão em causa em situações de multiculturalidade (e, bem assim, no sempre referido artigo 27.º do PIDCP) são direitos dos indivíduos (e não dos grupos), em última análise o direito de cada um a viver de acordo com as suas convicções, não se tratando de direitos absolutos mas de direitos sujeitos a limites resultantes do contexto e da necessidade de harmonização com outros direitos. A isto voltaremos infra.

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como faz PAREKH, que uma coisa é reconhecer direitos coletivos, outra coisa é o abuso a que possam dar lugar). A discussão sobre os direitos coletivos convoca assim “questões difíceis” para liberais e comunitaristas, resolvidas por alguns através da afirmação da desnecessidade dos direitos coletivos, propondo em alternativa a recondução das reivindicações das minorias à sua tutela pela via dos direitos individuais ou então propondo, mais radicalmente, uma tutela que não passaria sequer pelos direitos927.

Para NEUS TORBISCO928, a solução assenta em reformular a categoria dos direitos coletivos partindo, não da natureza do titular, mas do bem929. Nesta perspetiva, a titularidade é uma questão resolvida: os titulares são sempre os indivíduos e são os seus interesses individuais que se valoram em última instância. Serão direitos coletivos os que se referem a bens coletivos, id est, bens públicos irredutíveis, aqueles cuja produção e consumo “só se produzem por meio de uma ação participativa de caráter coletivo, na qual o seu gozo é também necessariamente coletivo e, portanto, a sua inteligibilidade se perde se reduzidos a bens individuais”930 (o que, nota, em nada põe em causa o pressuposto liberal de que a sua importância se reconduz à sua contribuição para a vida humana de cada um dos membros do grupo). Tais direitos coletivos são direitos especiais, na medida em que “se justificam em razão da pertença individual a grupos minoritários no contexto de um Estado” 931, o                                                                                                                

927

NEUS TORBISCO CASALS, Minorías…, cit., p. 53 ss. 928

Idem, cit., p. 91 e 52. 929

Comunitaristas como RAZ salientam que há bens que só podem ser captados numa dimensão coletiva, sendo irredutíveis a interesses individuais, daí a necessidade de direitos coletivos. Interessa por isso distinguir que bens coletivos são estes. TAYLOR distingue bens públicos e bens sociais, estes últimos não suscetíveis de ser considerados instrumentalmente em termos individuais pois apenas têm sentido em toda a sua aceção no conjunto de significados e conceções partilhadas que conformam o substrato de uma cultura, e são estes que exigem a existência de direitos coletivos (NEUS TORBISCO CASALS, Minorías…, cit., p. 91). Em suma, não apenas é impossível proteger o bem “cultura” para gozo de um só indivíduo, como “o conjunto de atividades, instituições, papéis, etc., constituem o bem cultural propriamente dito e o dotam de significado” (idem, ibidem).

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NEUS TORBISCO CASALS, “La interculturalidad posible...”, cit., p. 84. Este elemento coletivo, note-se, não é uma condição para o exercício do direito, mas “um requisito para a existência dos bens que constituem seu objeto”.

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A qualificação de tais direitos como “especiais” esclarece que a relação estabelecida com os direitos ditos “comuns” é uma relação de especialidade, nota NEUS TORBISCO CASALS, “La interculturalidad posible...”, cit., p. 85 e 86. Note-se que, de acordo com a classificação dos direitos fundamentais adota por JORGE MIRANDA, Manual..., Tomo IV, cit., p. 121 ss. e 127 ss., estes direitos quadram bem melhor como direitos particulares por oposição a direitos comuns, que como direitos especiais por oposição a gerais. A isto voltaremos infra.

que permite distingui-los dos direitos individuais universais ou de primeira geração932. Em suma, os interesses salvaguardados são “interesses individuais na produção e gozo de bens derivados da interação com os demais membros do grupo”, cuja universalidade se estabelece por referência ao grupo, no sentido em que qualquer pessoa que pertença ao grupo em causa tem “um interesse moralmente relevante significativo na obtenção do bem público em questão” 933. Esta conceção permite respeitar os princípios liberais e contornar as dificuldades associadas à determinação da titularidade, seja as dificuldades de índole teórica relativas ao agir moral e à titularidade de direitos de grupos, seja outras de índole prática relacionadas, por exemplo, com a determinação das minorias “elegíveis”, uma vez que o que é relevante “não é tanto provar a existência e identidade clara de um grupo ao qual atribuir direitos, mas discutir por que razão deveria considerar-se como moralmente relevante o interesse que mostram os indivíduos na pertença a certo grupo identitário”

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. Por outro lado, esta conceção permite ainda conciliar o liberalismo e a prática constitucional efetiva de muitos estados multiculturais no sentido de reconhecer direitos “coletivos”935, em termos mais diversificados do que a teoria política leva a crer, pressupondo simpliciter que os direitos de grupo são direitos do grupo qua tale, detidos pelos grupos coletivamente e exercidos através das suas instituições de governo ou em nome, e no interesse, do grupo, por um líder não eleito936. Ao invés, uma análise de direito constitucional comparado revela algo bem diferente, ou seja, que os direitos de grupo assumem variadas formas e não são por regra titulados ou exercidos por grupos como entidades coletivas937.

Hoje em dia, é frequente dar-se por superado o dilema direitos individuais versus coletivos, notando por um lado a incoerência e imprecisão da categoria dos direitos coletivos e, por outro, a complementaridade entre a proteção de dimensões

                                                                                                               

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NEUS TORBISCO CASALS, Minorías…, cit., p. 91 e 52. 933

NEUS TORBISCO CASALS, “La interculturalidad posible...”, cit., p. 85. 934

Idem, cit., p. 87. 935

E não apenas no domínio cultural. Sobre os direitos coletivos na Constituição portuguesa, v. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, (5.ª edição), Coimbra, Almedina, 2012, p. 111 ss. Mas a isto voltaremos infra.

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SUJIT CHOUDHRY, “Group...” cit., p. 1101 ss. 937

individuais e coletivas938, reflexo da complexidade relacional do sujeito. Neste sentido, os “direitos coletivos” e os “direitos de grupo” são uma ‘etiqueta’ para agrupar um conjunto de direitos ‘especiais’ reivindicados face aos comuns, que em concreto podem ser protegidos pela atribuição individual ou coletiva, e são “coletivos” porque a alusão ao grupo é essencial para a sua inteligibilidade939.

Assim, o reconhecimento das minorias culturais como “comunidade intermédia” e “formação social”, à qual se referem seja interesses difusos e coletivos, seja direitos individuais e/ou de grupos940, conduz a que, sob a marca ‘direitos coletivos’ e/ou ‘direitos das minorias’, sejam frequentemente agrupados direitos culturais estritamente individuais, direitos individuais de exercício coletivo, direitos coletivos, bem como princípios jurídicos, interesses difusos e deveres estaduais não- relacionais (como daremos conta infra), os quais, combinados, convergem no objetivo de assegurar a tutela jurídica dos direitos humanos fundamentais e da convivência entre diferentes grupos941.

No mesmo sentido, parece-nos, PAREKH propõe que não neguemos sem mais os direitos coletivos, mas antes que nos interroguemos sobre que coletividades deviam ter direitos e sob que condições, questões às quais diferentes sociedades darão diferentes respostas. O seu critério ocupa-se da fundamentação das demandas, sendo que a natureza e o conteúdo dos direitos variará consoante o tipo de demanda. Uma coletividade poderá exigir direitos se cumpre alguma das seguintes condições: se a comunidade significa muito para os seus membros, gozando de estatuto moral aos seus olhos, querendo estes preservá-la; se a sua existência for vital para os interesses fundamentais dos seus membros e esses interesses só possam promover-se, ou fazê-lo adequadamente, se a comunidade goza de um direito de ação coletivo; se a comunidade se sente insegura e não pode nem quer integrar-se numa comunidade mais ampla se não lhe forem reconhecidos certos direitos; se uma comunidade esteve submetida a opressão sistemática, carecendo de medidas de apoio e de reforço da                                                                                                                

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É disso exemplo a discussão a propósito do caráter individual ou coletivos dos direitos culturais no Direito Internacional, maxime a propósito do art. 27.º do PIDCP, a que nos referiremos infra. Sobre a questão , ABDULQAWI YUSUF, “Cultural rights as collective rights in international law”, in KALLIOPI KOUFA (org.), Multiculturalism and international law, Athens [u.a.], Sakkoulas Publ., 2007, p. 53 ss.

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NEUS TORBISCO CASALS, Minorías…, cit., p. 99 ss. 940

GIOVANNI MARIA FLICK, “Minoranze...”, cit., p. 8. 941

confiança; se a comunidade como um todo pode trazer algo de valioso e único à sociedade em sentido amplo, e se só está em condições de fazê-lo caso se dote dos direitos necessários a preservar a sua identidade; se parte de doutrinas partilhadas das quais se considera guardiã e só pode funcionar e contribuir para o bem-estar dos seus membros e da sociedade se lhe forem outorgados os direitos apropriados942.

O reconhecimento das minorias como “comunidade intermédia” e de “formação social”, à qual se referem seja interesses difusos e coletivos, seja direitos individuais e/ou de grupos, está associado à proteção pela via dos direitos fundamentais (à língua, à religião e ao culto, no âmbito escolar e social) e também através de normas que asseguram a autonomia, a tutela dos direitos individuais, direitos particulares de representação, promoção e reconhecimento da identidade cultural e do pluralismo do Estado 943.

Da conclusão pela admissibilidade de direitos coletivos culturalmente diferenciados não resulta necessariamente a conclusão pela sua prevalência sobre os direitos individuais. Não fica, pois, automaticamente posto em causa o argumento de que os indivíduos valem mais do que os grupos a que pertencem e as culturas valem na medida em que têm valor os indivíduos que as partilham, pelo que os direitos comunitários devem ceder se entram em conflito com os direitos liberais, entendidos como valores que há que atribuir a cada indivíduo enquanto ser único e irrepetível944, o que nos leva à questão seguinte.