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3. COMPREENDENDO OS CONFLITOS INTERPESSOAIS

3.4 Variáveis relevantes

3.4.1 A dimensão do gênero

As diferenças entre gêneros são amplamente sinalizadas pela literatura como relevantes na compreensão da convivência e dos conflitos. Na verdade, Rose e Smith (2009) assinalam que há muito trabalho teórico relacionado ao desenvolvimento das diferenças entre os gêneros, porém há poucos que focam, em particular, o domínio da relação entre pares. Entretanto, os conhecimentos

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mais gerais sobre as especificidades de cada gênero (quanto à estrutura – número de amigos, tamanho dos grupos, etc. - e quanto ao conteúdo – jogos competitivos, brincadeiras turbulentas, etc.) podem ajudar na compreensão dos relacionamentos estabelecidos entre os pares.

Em linhas gerais, Rose e Smith (2009) assinalam que as crianças tendem a interagir, primariamente, com pares do mesmo sexo, formando díades de amizades. Os grupos dos meninos, por sua vez, são maiores do que os das meninas. Na verdade, a rede de amigos dos meninos tende a ser mais densa ou mais interconectada do que a rede das meninas, ou seja, os meninos interagem simultaneamente com vários amigos em grupos maiores. As diferenças entre os gêneros também estão presentes na forma como as crianças passam o tempo com seus pares. Os meninos se ocupam mais com brincadeiras turbulentas durante a infância (brincadeiras de bater, agarrar, empurrar, mas sem intenção de machucar). Eles também são mais engajados em atividades competitivas, como esportes. Outras atividades são mais comuns nas meninas, em particular, as conversas e as revelações íntimas. De fato, as diferenças entre os gêneros com relação à intimidade com os pares aumentam ainda mais com a adolescência. Finalmente, os meninos, consistentemente, utilizam mais da agressão física, enquanto as meninas apresentam mais uma agressão denominada relacional (baseada em exclusão ou na ameaça de acabar com a amizade, por exemplo), sendo que essas diferenças também são potencializadas na adolescência. As meninas também são mais sensíveis quanto às agressões indiretas e relacionais, ficando magoadas por mais tempo com tais incidentes do que os meninos.

Guimarães e Pasian (2006), ao analisarem a experiência e a expressão da raiva em 120 adolescentes de 15 a 19 anos, indicaram algumas diferenças e similaridades entre os gêneros: enquanto as meninas demonstraram agir de forma a utilizar estratégias mais passivas e/ou procurar suporte social (amigos, família) ao lidar com conflitos, os meninos demonstraram agir de maneira a utilizar estratégias de enfrentamento mais racionais ou materiais. Além disso, o estudo apontou que a agressão direta e a indireta, assim como o retraimento, pareceram mais típicos nas reações masculinas, enquanto a tendência prossocial seria mais comum entre as meninas. No mesmo caminho, Hubbard (2001) encontrou em seu estudo sobre a expressão de emoções nas relações entre pares, que os meninos tenderam a apresentar mais expressões de raiva por meio de expressões faciais, entonação de voz e comportamentos não-verbais em situações planejadas de jogos de competição.

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Em uma amostra composta por 3.097 alunos brasileiros (8 a 16 anos) de escolas públicas e privadas, Leme (2004) também encontrou diferenças atribuíveis ao gênero: as meninas se mostram menos agressivas e mais submissas do que os meninos. Vale ressaltar que há uma progressiva diminuição da diferença entre os gêneros com o avançar da idade: os meninos tornam-se mais semelhantes às meninas, o que indica a existência de uma trajetória em direção à conformidade social, pelo aumento na tendência à submissão com o tempo.

Crick e Grotpeter (1995) e Benenson et al. (2006) citam que os meninos, em grupo, são mais agressivos do que as meninas (agressões físicas e verbais) em qualquer idade. Os primeiros autores buscaram, então, compreender as formas de agressão mais apresentadas pelas meninas, já que estas se apresentam na literatura como propensas a estabelecer relações mais próximas e íntimas. Os dados coletados com 491 crianças do 3° ao 6° ano demonstraram que a agressividade nas meninas está realmente mais voltada a comportamentos direcionados a causar danos na qualidade da amizade (excluir do grupo, ferir ou controlar sentimentos alheios, espalhar rumores, rejeitar, ignorar, prejudicar os outros através da manipulação proposital, etc.). Os autores ainda salientam que existe uma escassez de pesquisas sobre a agressividade das meninas, o que pode ser explicada, em parte, devido à complexidade e sutileza das condutas envolvidas, características que as tornam mais difíceis de investigar. Benenson et al. (2006) também apontam que observações em ambientes naturais possuem a desvantagem de não ser possível detectar muitas formas sutis de agressão.

Esses dados vão ao encontro do estudo feito por Sinclair (2003), cujos resultados também revelam que as meninas preferem relações diádicas, com maior compartilhamento da intimidade e, portanto, envolvidas com sentimentos mais intensos. O estudo foi realizado com 366 sujeitos de 6, 10 e 15 anos de idade. Entretanto, vale destacar que, diferentemente do que foi relatado anteriormente, neste estudo tanto as meninas, quanto os meninos, endossaram a agressão aparente (utilização de estratégias físicas e impulsivas), embora a frequência maior ainda permaneça no sexo masculino. Benenson et al. (2006), a partir de um estudo com 366 crianças e jovens de 6 a 15 anos, acrescentam, ainda, que as meninas são mais agressivas (ações hostis) justamente nas relações diádicas de longa data. Os meninos, por sua vez, não demostraram diferentes níveis de agressão diante do tipo de relacionamento (grupo ou díade).

As evidências encontradas por Gorrese e Ruggieri (2012) em uma revisão de 117 estudos sobre a diferença entre gêneros e idades na relação com pares, realmente demonstraram que

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meninas e meninos exibem diferentes padrões de comportamento em seus relacionamentos. As amizades entre as meninas são tipicamente mais profundas e mais interdependentes do que entre os meninos. Além do mais, as meninas revelam uma maior necessidade de apego e maior habilidade para manter relações íntimas, já os meninos, ao contrário, tendem a dar mais ênfase a companheiros com quem podem, por exemplo, dividir interesses ou atividades comuns (esportes, por exemplo) e tendem a ser mais cooperativos. Leme (2011b) destaca, entretanto, a necessidade de se considerar o quanto as práticas de socialização relativas à forma de se comportar diferem em relação a cada sexo. Os meninos, por exemplo, possuem, em geral, maior liberdade para expressar agressividade, enquanto que as meninas são mais tolhidas quando se comportam de forma não submissa.

Por fim, Chung et al. (2011) ainda sugerem que as mulheres tendem a experimentar maior angústia. O estudo com 578 adolescentes do 9° ano buscou relacionar eventos de conflito vividos em um determinado dia e os estados emocionais subsequentes. As adolescentes do sexo feminino, por exemplo, são mais propensas a relatar tristeza ou chateação depois do conflito com os colegas (os sentimentos perduram). Coerentemente, os dados revelaram que nos dias em que as adolescentes se desentenderam com os pais ou outros membros da família, por exemplo, elas experimentaram mais conflitos com seus pares do que os meninos. Esse resultado fornece suporte adicional para a maior reatividade emocional aos eventos estressantes interpessoais entre as meninas do que entre os meninos. Em consonância, Coleman (2011) também cita que as meninas são mais afetadas pelo stress do que os meninos. Geralmente elas veem os contratempos como mais ameaçadores e são mais propensas a esperar o pior em situações estressantes. Por esse motivo, elas são mais dependentes de seus pais e de suas amizades íntimas para assistência, além de serem mais sensíveis às expectativas dos outros. O autor ainda cita o estudo de Schonert-Reichl e Muller (1996), que demonstra que as meninas são muito mais propensas a procurar ajuda com outras pessoas em situações conflitivas do que os meninos.

Em síntese, sem desconsiderar que qualquer tipo de fenômeno ou comportamento deve ser contextualizado culturalmente e socialmente, os estudos de gênero supracitados indicam que as meninas apresentam, em geral, uma tendência mais prossocial para lidar com os conflitos, utilizando estratégias mais passivas e submissas e procurando o suporte social como forma de ajuda. Além disso, preferem relações mais íntimas, interdependentes e diádicas, sendo esses vínculos permeados por sentimentos intensos. Apresentam, também, maior necessidade de apego

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em suas relações e, consequentemente, maior angústia psicológica, que perdura e se conserva mesmo após o conflito. Embora tanto os meninos como as meninas endossem a agressão aparente, com estratégias físicas e impulsivas, no gênero feminino a agressão é mais sutil e direcionada a causar danos na qualidade da amizade, enquanto no gênero masculino, a agressão direta é mais evidente, com maior presença de agressões físicas e verbais, além de mais estratégias de enfrentamento. Os meninos, geralmente, são também mais cooperativos entre si e preferem companheiros com quem podem dividir interesses e atividades em comum. Há, contudo, a existência de um percurso em direção à conformidade social, anunciado pelo aumento na tendência à submissão com a idade, o que aproxima, portanto, o padrão de comportamento dos meninos com o das meninas.

3.4.2 - A dimensão cultural e social

Além da diferença entre gêneros, o ambiente econômico, social e cultural também parece influenciar a avaliação e as escolhas das estratégias de resolução de conflitos interpessoais.

A cultura, bem como, o nível socioeconômico em que o sujeito se socializa, desempenham um papel fundamental (embora não determinísticos), neste aprendizado da resolução de problemas interpessoais, uma vez que os diferentes sistemas de valores expressam distintos ideais de vida e constituem, assim, o universo simbólico que dá significado às interações sociais de um dado grupo cultural ou social (LEME, 2004).

A autora vislumbra, em seu estudo enfocando o juízo, uma tendência a maior assertividade e agressividade em meios mais afluentes e maior submissão nos menos privilegiados. Especificamente, com relação à escola, a autora encontra que há uma maior presença de estilos de estratégias submissas em instituições públicas, por exemplo, do que nas privadas.

Outra importante fonte de variabilidade é a cultura. Compartilhamos do conceito de cultura proposto por Stenberg (2004, p. 325), que a compreende como “um conjunto de atitudes, valores, crenças e comportamentos partilhados por um grupo de pessoas, comunicados por uma geração para a próxima, via linguagem e alguns outros meios de comunicação”. Assim sendo, pessoas em diferentes culturas têm diferentes interpretações de si, dos outros e das relações interpessoais. Essas interpretações, segundo Markus e Kitayama (1991), podem influenciar a própria natureza da

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experiência individual, incluindo processos psicológicos como a cognição, a emoção, a motivação, entre outros.

Muitas culturas asiáticas, por exemplo, enfatizam a assistência aos outros e a interdependência harmoniosa. Já, a cultura norte-americana, não valoriza uma conexão tão evidente entre os indivíduos. Nela, os indivíduos procuram manter a sua independência (MARKUS e KITAYAMA, 1991). A sociedade norte-americana, fortemente individualista, abraça a independência e enfatiza a autoexpressão, a singularidade pessoal e a autossuficiência. Em contraste, juntamente com outras culturas da Ásia Oriental, a sociedade chinesa, por exemplo, mais coletivista, coloca uma ênfase menor na interdependência, ressaltando a solidariedade do grupo, a hierarquia social e a humildade pessoal (WANG e LEICHTMAN, 2000). Buscando evidenciar as diferentes formas de organizar e interpretar o mundo nessas duas culturas, Wang e Leichtman (2000) realizaram um estudo comparativo entre as características de crianças chinesas e norte americanas (6 anos de idade). Comparadas às americanas, as crianças chinesas apresentaram maior orientação para o engajamento social, maior preocupação com o código e a correção moral, maior preocupação com a autoridade, orientação menos autônoma, menos evidências de agressões verbais e físicas e mais expressões de emoções.

Ainda com relação à comparação entre crianças norte americanas e asiáticas, Wanless et al. (2013) encontraram, em um estudo com 814 crianças de 3 a 6 anos que, embora as meninas apresentem maior controle individual de comportamento do que os meninos nos Estado Unidos, tal diferença entre os gêneros não foi registrada em crianças asiáticas.

As diferentes culturas, assim, fornecem normas para as comunicações e comportamentos nas relações e, portanto, também influenciam em situações de conflitos interpessoais.

French et al. (2005) também são categóricos em afirmar que o comportamento diante de um conflito é, sem dúvida, incorporado dentro de um contexto cultural. Leme (2011b) exemplifica que diferentes tendências e preferências de resolução de conflitos são fortemente influenciadas pelo tipo de cultura predominante: coletivista (árabes, orientais e latinos, por exemplo) ou individualista (Canadá, Estados Unidos, vários países europeus). As amostras coletivistas diferem das individualistas no uso de estratégias de minimização do conflito. Embora não se constitua um grupo homogêneo, pertencer a uma cultura coletivista, por exemplo, promove um sentimento forte de identidade grupal, o que favorece estratégias de esquiva de conflito para a preservação da harmonia do grupo.

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A mesma variação de aspectos acontece na comparação entre dois outros países: a parte central da Itália e o Canadá (SCHNEIDER et al., 2000). Primeiramente, os italianos, mais coletivistas, são amplamente envolvidos com suas famílias estendidas. A cultura canadense, por sua vez, assemelha-se a dos Estados Unidos: os amigos, nesse caso, são mais essenciais para a companhia e apoio social, portanto, os indivíduos podem evitar conflitos que levem à perda de amigos. No entanto, fortes laços com parentes não se opõem e podem até facilitar relacionamentos de alta qualidade com outras pessoas. O contexto cultural pode também determinar as oportunidades das crianças de tornarem-se conscientes das necessidades dos outros, o que é fundamental para a resolução de conflitos. Os italianos têm o costume de envolver as crianças no que tem sido muitas vezes chamado de discussões ou debates sobre os assuntos familiares. Esses debates, por sua vez, podem ajudar as crianças a resolver situações que poderiam levar a um conflito mais sério com seus amigos. A partir dessas considerações, os autores observaram crianças italianas e canadenses de 8 e 9 anos de idade durante situações provocadas de competição e disputa entre amigos e não amigos. O padrão geral dos resultados indica que os italianos foram mais hábeis em evitar conflito, apresentando maior eficiência, por exemplo, em decidir como dividir um ovo de chocolate. Já os canadenses mostraram-se mais competitivos e mais suscetíveis a romper com as regras, o que pode refletir a forte competitividade presente nessa sociedade.

Na mesma direção, um estudo realizado por French et al. (2005) também revelam diferenças nos conflitos entre crianças indonésias e norte-americanas (9 a 11 anos). Segundo os autores, para os grupos culturais norte-americanos, os conflitos devem ser resolvidos de forma direta. Os indonésios, por sua vez, preferem minimizar ou evitar os conflitos, a fim da manutenção da harmonia. Os resultados encontrados no estudo foram consistentes com a existência de certo roteiro cultural na Indonésia para se lidar com o conflito por meio da evitação. De forma geral, as crianças indonésias realmente foram mais submissas e abandonaram o conflito mais frequentemente do que as crianças norte-americanas, enquanto que essas últimas usaram mais a estratégia da negociação.

Especificamente, com relação aos adolescentes, Coleman (2011) retoma que em uma cultura coletivista, é esperado que os comportamentos e aspirações dos jovens sejam mais direcionados à reputação e ao sucesso da família e da comunidade como um todo, enquanto que em uma cultura individualista, os jovens são mais encorajados a alcançar seus objetivos pessoais e a tomar suas próprias decisões, acima dos desejos e necessidades familiares.

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Os jovens brasileiros, por sua vez, foram alvo dos estudos de Van Horn e Marques (2000). Os pesquisadores objetivaram investigar a extensão da influência dos valores culturais nas percepções acerca dos relacionamentos íntimos. Em consonância com um estudo similar prévio com adolescentes norte-americanos, foram participantes dessa pesquisa 260 jovens brasileiros com as seguintes idades: 11 e 12, 15-16 e 19-20 anos. Os resultados indicaram que, de uma forma geral, as relações próximas dos adolescentes brasileiros tanto com adultos, como com pares, são caracterizadas por maior número de conflitos do que as dos adolescentes norte-americanos. Ademais, os adolescentes brasileiros apresentam maior grau de envolvimento e sentimentos mais intensos em seus relacionamentos, coerente com os valores de suas famílias coletivistas.

Bronfenbrenner (1996) ressalta, no entanto, que, diferentemente do que se costuma proferir no senso comum, existe uma impossibilidade de se atribuir somente à socialização familiar as diferenças culturais como as anteriormente identificadas. Para o autor, a socialização ocorre tanto no micro nível da família, da escola e do contexto da vizinhança, como em um nível mais macro, que inclui a cultura, a sociedade e o tempo histórico, bem como nas muitas camadas de influência entre essas instâncias.

Em síntese, os estudos indicam que, de forma geral, as culturas consideradas individualistas, enfatizam a manutenção da independência e da autossuficiência. Para tanto, são mais competitivos e suscetíveis a romper com regras. Já em uma cultura mais coletivista, existe maior preocupação com a harmonia do grupo, por isso são frequentes as estratégias de minimização ou de evitação do conflito, em uma orientação menos autônoma. Diferenças entre os gêneros, no que se refere, por exemplo, ao autocontrole do comportamento também sofrem influências da cultura. O engajamento social em uma cultura coletivista é maior, assim como a assistência aos outros. Ademais, as culturas coletivistas também têm o costume de expressar mais as emoções e apresentar maior grau de envolvimento e de sentimentos íntimos nas relações interpessoais.

3.4.3 – A dimensão da idade

A idade, considerando um desenvolvimento típico, é outra variável importante quando se analisa as características dos conflitos interpessoais.

Para Leme (2011b), o funcionamento psicológico mais avançado pode favorecer a emergência de estratégias mais sofisticadas, como a consideração ao direito ao outro, não só ao

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próprio. Esse processamento é favorecido, ainda, pela maturação, que inclui o aumento da capacidade de memória (permite maior coordenação de informações) e pela amplitude de experiências adquiridas (permite maior elenco de alternativas de estratégias que superem a luta ou a fuga). Leme (2004) ressalta, ainda, como já descrito, a existência de um percurso em direção à conformidade social, anunciado pelo aumento na tendência à submissão com a idade.

Licciardi (2010) - baseando-se nos estudos de Selman (1980; 1990) -, ao investigar as causas, as estratégias e as resoluções de conflitos entre crianças de 3 a 6 anos, também constatou distinções em razão da idade: as crianças mais velhas apresentaram um aumento significativo dos conflitos motivados pelo controle social. Com relação às estratégias de negociação empregadas, o grupo de crianças mais jovens utilizou-se significativamente mais de estratégias físicas e impulsivas (ações carentes de reflexão, marcadas pela impulsividade e pela desconsideração ao sentimento e desejos do outro), do que as crianças mais velhas que, por sua vez, se utilizaram de mais estratégias impositivas (predominantemente verbais, visando ao controle do outro pelo uso do poder e não pela negociação). Segundo a autora, esse percurso em direção a um tipo de estratégia menos física e reativa parece indicar evolução na concepção dos conflitos em direção ao domínio social. As crianças também começam a considerar, aos poucos, ainda que de forma rudimentar, os aspectos subjetivos dos envolvidos nas situações de desavenças.

Na mesma direção dos resultados supracitados, Laursen e Pursell (2009), sintetizando alguns achados acerca das mudanças desenvolvimentais nos conflitos entre pares (HAY e ROSS, 1982; SHANTZ, 1987; HARTUP e LAURSEN, 1993), apontam que as disputas entre as crianças menores são quase que exclusivamente focalizadas nos objetos. As desavenças sobre o controle do objeto declinam no meio da infância, enquanto que o comportamento de controle social aumenta. Na adolescência, a maioria das disputas entre pares envolvem questões interpessoais. A agressão física como estratégia diante dos conflitos declina já no início da infância e é superada progressivamente pelas agressões verbais e relacionais.

Com relação especificamente à adolescência, faixa etária focalizada pela presente pesquisa, La Russo e Selman (2011) retomam que o início da adolescência é comumente marcado por um momento em que os indivíduos estão começando a pensar de forma mais abstrata, a considerar múltiplas perspectivas sociais, a questionar cada vez mais as normas dos adultos e a fazer ou querer tomar decisões mais autônomas. Em razão disso, os autores citam um estudo (DODGE et al., 2006)

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que afirma que os primeiros anos da adolescência são tipicamente marcados por conflitos interpessoais maiores e cada vez mais complexos.

Como visto anteriormente, Selman, baseando-se no estudo com crianças e jovens norte- americanos, postula que os mais altos níveis de sofisticação nas estratégias de resolução de conflitos são refletidos em tentativas de coordenar, simultaneamente, as perspectivas de partes em conflito, por meio de atividades como negociação e compromisso, conforme sintetizado no quadro IV a seguir (SELMAN e SCHULTZ, 1990, p. 73)21:

Quadro IV: algumas estratégias interpessoais prototípicas codificadas em níveis de desenvolvimento 0 – 3 em cada orientação.

Orientação de transformação do outro Orientação de transformação do eu Nível 0 – indiferenciado/ egocêntrico

Verbalmente afasta desejos expressos do outro. Pega impulsivamente.

Repele o outro com força física.

Toma atitude impulsiva.

Usa retraimento afetivo automático. Responde com obediência autômata. Nível 1 – diferenciado/ subjetivo Ordena que os outros façam o que

se quer.

Faz ameaças de força.

Emprega “justiça unilateral” (justo é aquilo que o indivíduo deseja)

Faz iniciativas fracas e hesitantes.