• Nenhum resultado encontrado

As finalizações dos episódios dos conflitos

6. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

6.1 A observação dos conflitos

6.1.3 As finalizações dos episódios dos conflitos

Antes de qualquer elucubração sobre o que seriam as finalizações, é preciso retomar o conceito do que chamamos por episódio dos conflitos.

Episódio é um acontecimento que se insere em um conjunto de outros similares. Às vezes, mesmo que o episódio de conflito finalize, o conflito permanece, ou seja, o desequilíbrio gerado pela oposição permanece. Consideramos que o episódio de conflito foi finalizado quando cessou a interação entre as partes envolvidas.

A finalização, por sua vez, é decorrente de uma ou mais estratégias utilizadas pelos envolvidos. A finalização de um episódio de conflito considerada como positiva sugere que os envolvidos ficaram satisfeitos com o resultado obtido, sendo essa satisfação percebida por meio dos comportamentos apresentados ou por manifestações sutis de afetividade, tais como expressões faciais, tom de voz ou gestos. Quando não claramente identificada por nós, procurávamos conversar informalmente com os envolvidos separadamente, após o conflito.

Vale ressaltar que, com os sujeitos mais novos, o conflito não se conserva e, portanto, o episódio é o próprio conflito (LICCIARDI, 2010). Com os adolescentes, por sua vez, percebe-se que um único conflito pode conter vários episódios.

157

A classificação das finalizações foi baseada essencialmente nas categorias já utilizadas por Licciardi (2010). Contudo, em função de novos modos de finalizações utilizados pelos alunos mais velhos, adaptações foram realizadas (inclusão de novas categorias e alteração nas descrições), principalmente a partir das categorias propostas por Vuchinich (1990), que especificou cinco formas distintas de resolução de conflito: (a) submissão: ocorre quando uma das partes adere ou cede às exigências do outro; (b) compromisso: reflete concessões de ambas as partes, geralmente obtidos por meio de negociação; (c) impasse: implica uma mudança no tema do discurso ou foco da atividade, de tal forma que a discordância é descartada sem uma resolução; (d) retirada: ocorre quando um participante se recusa a continuar, talvez deixando o campo; e (e) intervenção de terceiros: ocorre quando há a submissão a uma solução proposta por um indivíduo não envolvido.

Dos 134 episódios de conflitos observados, em 16 desses (11,9%) o conflito foi interrompido pelo adulto (IN), impossibilitando o conhecimento de como seriam finalizados naturalmente pelos próprios envolvidos. Esses conflitos, portanto, foram descartados da análise, restando, assim, 118 ocorrências de finalizações. No quadro VII a seguir, são apresentadas as categorias utilizadas, com suas respectivas descrições:

Quadro VII: Finalizações dos episódios de conflitos

Categorias Descrição

Abandono do conflito (AB)

O impasse implica uma mudança no tema do discurso ou no foco

da atividade, de tal forma que a discordância é descartada sem uma resolução. A retirada ocorre quando um participante se recusa a continuar, talvez deixando o campo por esgotamento de recursos.

Satisfação unilateral (SU)

O sujeito se submete ao outro, ou seja, uma das partes adere ou cede às exigências do outro. Há o predomínio da vontade de uma das partes.

Satisfação bilateral simples (SBS)

O resultado das ações satisfaz os envolvidos. Satisfação bilateral pelo compromisso

(SBC)

O resultado que satisfaz os envolvidos reflete um compromisso, ou seja, concessões de ambas as partes, geralmente obtidas por meio de negociação.

Insatisfação bilateral (IB)

O resultado das ações não satisfaz os envolvidos, permanecendo o desequilíbrio entre as partes. Embora o episódio finalize, o conflito continua.

Fonte: MARQUES, C. A. E.; OLIVEIRA, M. T. A.; SILVA, L. M. F.; VINHA, T. P. (2014)

158

Figura IV - Porcentagens para as finalizações nos alunos de 11- 12

A categoria mais frequente nos alunos de 11 e 12 anos foi a do abandono do conflito (67,27%), caracterizada pela mudança de foco da discordância, de tal forma que ela é descartada sem uma resolução, não havendo, portanto, um acordo de quem está certo ou errado.Em seguida, encontra-se a categoria denominada de satisfação unilateral (19,09%), marcada, em essência, pela submissão de uma das partes envolvidas à vontade ou às exigências da outra. A terceira categoria, com 6,36% de frequência, foi a de satisfação bilateral simples, caracterizada pelo emprego de estratégias que geram satisfação mútua entre as partes. Já, a quarta categoria, com 4,35% de frequência, refere-se a um estado de insatisfação mútua. Nesse caso, o conflito não é finalizado, ou seja, o desequilíbrio causado pela oposição entre as partes não consegue ser desfeito, embora o episódio da desavença tenha se esvaído. A categoria menos frequente foi a de satisfação bilateral com compromisso (0,91%), que implica em condescendências de ambas as partes para uma concordância comum, geralmente obtida por meio de negociação. O movimento crítico dessa negociação, segundo Vuchinich (1990) é a concessão. Uma concessão, por sua vez, propõe uma posição de compromisso entre as posições opositoras existentes, embora a oposição ainda exista. Não somente a negociação é requerida, mas os oponentes devem também estar dispostos a fazer e

67,27% 19,09% 6,36% 4,35% 0,91% Abandono Satisfação unilateral Satisfação bilateral simples Insatisfação bilateral Satisfação bilateral com compromisso FINALIZAÇÕES

159

a aceitar concessões que alteram as posições tomadas anteriormente. Trata-se de uma finalização mais evoluída do que a de satisfação bilateral simples, em que a satisfação mútua se dá por acatamento ou consideração/respeito ao outro, mas sem nenhum tipo de negociação para o consenso.

O abandono do conflito (AB), presente na maioria das situações observadas, pode ser exemplificado pelo relato (já anteriormente citado) a seguir:

Verônica e Laís viram suas carteiras e sentam-se em dupla para copiar a lição da lousa. Alice pede para sentar junto e aproxima sua carteira, formando um trio. Diego olha a cena e diz: "Maria vai com as outras!" Laís responde: "Cala a sua boca, quem manda na minha vida sou eu e ela senta onde quiser!" Ele olha para trás e diz mais uma vez sorrindo: "Maria vai com as outras". Laís não responde mais e ele olha para frente, em direção à lousa.

No conflito apresentado, os alunos envolvem-se em um episódio de provocação. Laís percebe que, como o intuito de Diego é o de irritar e, também, o de se divertir, deixa de se justificar ou de se impor. Como não terá nenhum êxito ou benefício com tais estratégias, ela simplesmente ignora ou desconsidera a fala de Diego. O episódio, então, é abandonado, uma vez que Diego perde o interesse (motivação) e investe sua atenção em outra atividade. A provocação, simplesmente, cessa. Não há ganhadores ou perdedores. Embora cada conflito provocativo seja único, podemos perceber certa regularidade na finalização desse tipo de desavença: o abandono (AB) é, significativamente, a finalização mais frequente nos conflitos causados por provocação (PR) (81,25% foram abandonados), como demonstrado a seguir:

160

Tabela VIII: Comparação das variáveis categóricas DI, DL, DP, PR e RC entre as finalizações

Finalizacao Causa Frequency, Col Pct ,DI ,DL ,DP , PR ,RC , ---+---+---+---+---+---+ AB , 2 , 2 , 1 , 39 , 21 , , 66.67 , 66.67 , 14.29 , 81.25 , 67.74 , ---+---+---+---+---+---+---- IB , 0 , 0 , 1 , 0 , 2 , , 0.00 , 0.00 , 14.29 , 0.00 , 6.45 , ---+---+---+---+---+--- SBC , 0 , 0 , 0 , 0 , 0 , , 0.00 , 0.00 , 0.00 , 0.00 , 0.00 , ---+---+---+---+---+--- SBS , 1 , 0 , 1 , 2 , 1 , , 33.33 , 0.00 , 14.29 , 4.17 , 3.23 , ---+---+---+---+---+--- SU , 0 , 1 , 3 , 7 , 7 , , 0.00 , 33.33 , 42.86 , 14.58 , 22.58 , ---+---+---+---+---+--- TESTE EXATO DE FISHER: P=0.006

Vuchinich (1990) também apresenta que, independente da causa do conflito, tanto adultos, como crianças, utilizam o abandono muito mais frequentemente do que os outros formatos de finalização de conflito. O autor explica que, no abandono, nenhum dos envolvidos precisa lidar com a submissão (que é indesejável, mesmo para os mais subordinados). Ademais, não precisam fazer concessões ou delicadas negociações necessárias para uma posição de compromisso. Em geral, o abandono é a forma mais “fácil” de acabar com um episódio de conflito, posto que não requer o mesmo nível de coordenação, consenso ou autossacrifício exigidos em uma situação de compromisso ou de dominação, por exemplo.

Considerando esse desprendimento, afetivo, inerente ao abandono e o fato de que as relações entre as meninas tendem a ser mais estreitas e com maior intimidade e sensibilidade do que entre os meninos, fica, portanto, coerente que o abandono do conflito esteja significativamente mais presente nos conflitos que envolvem meninos (70,27% dos conflitos entre os meninos foram abandonados).

Embora Vuchinick (1990) apresente o predomínio do abandono em qualquer faixa etária, tal desprendimento do conflito pode ser priorizado especialmente pelos adolescentes em decorrência de uma fragilidade intrínseca própria da faixa etária, conforme aponta Fierro (1995). Fierro (1995) ainda assinala que o adolescente é especialmente caracterizado por um equilíbrio

161

afetivo delicado, que às vezes se transforma em desequilíbrio entre a dependência e a independência, a autonomia e a heteronomia e entre a segurança e a insegurança em si mesmo.

A comparação estatística entre as finalizações e as estratégias utilizadas pelos sujeitos também indicou uma predominância significativa do abandono nas estratégias físicas e impulsivas (70,27% dos conflitos que envolviam estratégias físicas foram abandonados). Tal dado parece, então, indicar que os conflitos com maior nível de coerção são mais propícios a serem abandonados, o que não deixa de ser, de certa forma, inclusive adaptativo, no sentido do não prolongamento desse tipo de desavença. Conforme aponta Vuchnick (1990), abandonar é mais “fácil” em termos de autossacrifício do que a submissão ao outro.

Vale também ressaltar que 67,19% dos conflitos envolvendo estratégias unilaterais (que também são em grande medida coercitivas) foram abandonados, conforme demonstra a tabela IX a seguir:

Tabela IX: Comparação da variável categórica finalização entre as estratégias

Finalizacao Estrateg Frequency,

Col Pct ,CO ,FI ,UN , ---+---+---+---+ AB , 11 , 52 , 213 , , 42.31 , 70.27 , 67.19 , ---+---+---+---+ IB , 2 , 1 , 16 , , 7.69 , 1.35 , 5.05 , ---+---+---+---+ SBC , 1 , 0 , 0 , , 3.85 , 0.00 , 0.00 , ---+---+---+---+ SBS , 7 , 7 , 20 , , 26.92 , 9.46 , 6.31 , ---+---+---+---+ SU , 5 , 14 , 67 , , 19.23 , 18.92 , 21.14 , ---+---+---+---+ TESTE EXATO DE FISHER: P=0.007

Dessas estratégias, tanto o comando, como a justificativa foram as que mais estiveram relacionadas com o abandono como finalização. O comando, extremamente coercitivo, corrobora com a análise já realizada acerca da relação entre coerção e abandono. Já, a justificativa do motivo,

162

que é a mais evoluída e, portanto, a menos coercitiva das estratégias unilaterais, pode suscitar uma outra compreensão. Sendo a justificativa uma estratégia relativamente nova no repertório dos alunos de 11 e 12 anos, ela ainda provoca certo desequilíbrio no oponente, que não possui recursos suficientes para lidar com a nova estratégia, o que acaba levando a uma diminuição da motivação pelo conflito.

Pode-se considerar, também, que o predomínio do abandono esteja, ainda, relacionado, especialmente, à cultura mais coletivista na qual os participantes estão inseridos. O não prolongamento da desavença é uma característica própria de uma cultura em que as pessoas se importam com uma interdependência harmoniosa e no uso de estratégias de minimização do conflito, o que favorece finalizações de esquiva de conflito para a preservação da harmonia (FRENCH et. al., 2005 e LEME, 2011b).

A segunda finalização mais utilizada (19,09%) foi a satisfação unilateral (SU), evidente na descrição a seguir:

Pedro chama Verônica de “vaca”, sem nenhum motivo aparente. Ela levanta e dá um tapa nele. Pedro continua: "Toma, chata! Chata velha!" Ela: "Você devia estar no hospício, porque você é um louco! Toma papudo!" Joaquim escuta a conversa e lá de seu lugar diz: "Cala a boca papuda!" Verônica: "A conversa não chegou no chiqueiro! Vem calar então!" Joaquim: "É covardia bater em menina!" Ela: "Isso se você fosse homem suficiente." (Faz um sorriso vitorioso). Ninguém mais responde nada e continuam a fazer a lição.

No conflito acima, os alunos Pedro e Verônica envolvem-se em uma disputa verbal. Joaquim, por sua vez, pelo prazer em irritar Verônica, resolve investir na desavença. Fica evidente, no caso, que o alvo específico (Verônica) interfere na decisão de Joaquim de se envolver na disputa. Trata-se de uma menina que quase sempre é alvo de provocações, principalmente porque demonstra certo desequilíbrio, reagindo de forma impetuosa e agressiva. No entanto, depois de alguns embates com Verônica, Joaquim desiste do enfrentamento. A disputa verbal é o tipo de estratégia que é finalizada justamente quando uma das partes cede à outra (por não conseguir se impor da forma como deseja ou por falta de repertório para continuar a disputa) e, ao invés de apelar para outro tipo de estratégia (física e impulsiva ou cooperativa), simplesmente se cala. No caso anterior, a última fala de Verônica deixa Joaquim sem poder de resposta. A motivação central está na competição – mais do que na ofensa em si -, e quem cede, se torna o perdedor. O “vencedor”

163

de uma disputa verbal é quem emite a última verbalização. Coerentemente com essa análise da motivação por competição (envolvendo “ganhadores” e “perdedores”), a disputa por poder (DP) foi também a causa de conflito que, significativamente, mais teve a satisfação unilateral (SU) como finalização (42,86%), conforme já demonstrado na tabela IX.

Como a posição de “perdedor” é indesejada, em alguns casos, uma das partes apela para estratégias mais incisivas, como o grito, o insulto, a ameaça ou mesmo uma estratégia física para vencer. A outra parte, por sua vez, acaba se submetendo:

Diego está de pé na frente da lousa e Joaquim grita: "Senta". Diego: "Senta você, você não manda em mim!" Joaquim: "Senta, eu tô mandando!" (grita mais alto ainda) Diego senta e fala: "Joaquim bambi!" Joaquim: "O que você falou?" Empurra Diego. Diego fica quieto e Joaquim volta para seu lugar e continua a copiar a lição da lousa.

A submissão de um dos envolvidos marca a dominação do outro. Vuchinich (1990) aponta que quem se submete perde e quem domina é o vencedor. A parte que se submete aceita a posição requerida pela outra parte. Essa aceitação, por sua vez, desfaz a oposição do conflito e marca a finalização do episódio. Quem se submete provavelmente não concorda com a posição do adversário, mas aceita a dominação do outro naquela questão específica. O participante que domina, por sua vez, aceita sua “vitória” e está livre para se envolver em outra interação.

Assim como ocorreu na categoria de abandono, os meninos foram, significativamente, os que mais apresentaram a satisfação unilateral (SU) em suas finalizações (21,43%), o que, mais uma vez, confirma a discussão de que as meninas apresentam-se mais evoluídas quanto à consideração ao outro em uma oposição do que os meninos nessa faixa etária específica. A presença significativa da finalização satisfação bilateral simples (SBS) (15,38%) nos conflitos entre as meninas também se aproxima dessa análise diferencial entre os gêneros:

164

Tabela X: Comparação da variável categórica finalização entre os gêneros

Finalizacao Sexo Frequency, Col Pct ,MASCULIN,FEMININO,INTERSEX, ---+---+---+---+ AB , 20 , 4 , 50 , , 71.43 , 30.77 , 73.53 , ---+---+---+---+ IB , 0 , 3 , 2 , , 0.00 , 23.08 , 2.94 , ---+---+---+---+ SBC , 0 , 1 , 0 , , 0.00 , 7.69 , 0.00 , ---+---+---+---+ SBS , 2 , 2 , 3 , , 7.14 , 15.38 , 4.41 , ---+---+---+---+ SU , 6 , 1 , 13 , , 21.43 , 7.69 , 19.12 , ---+---+---+---+ TESTE EXATO DE FISHER: P<0.001

A terceira finalização mais utilizada foi justamente a satisfação bilateral simples (SBS), com 6,36% de frequência. Apesar de ainda não haver resquícios de uma maior negociação, há um certo consenso envolvido e as partes se satisfazem com o desfecho do episódio:

Diego fica cantando com uma caneta na boca, próximo ao rosto da Verônica. Ela pede para ele parar e bate com seu caderno na cabeça dele. Ele pega uma folha que cai do caderno dela e ela fala: "Professora, olha o Diego aqui..." A professora não faz nada. Verônica, então, explica para o Diego: "É a minha prova, é importante, devolve, vai..." (em tom de sedução). Diego devolve. Ela volta para seu lugar.

No exemplo descrito, Verônica usa, por fim, uma estratégia mais evoluída do que a física e impulsiva ou a de imposição (comando e terceirização) e reivindica a propriedade da prova, como uma forma de fazer valer a justiça. Ela usa, inclusive, um tom de sedução em sua reivindicação, próprio dos jogos intersexuais presentes nas interações dessa faixa etária. Diego, por sua vez, acata o pedido de Verônica, manifestando consideração pela reivindicação feita.

O acatamento de uma das partes - a partir de uma reivindicação ou de uma justificativa da outra parte – foi, aliás, a estratégia mais utilizada para o alcance de tal satisfação bilateral. A

165

reparação sincera (pedido de desculpas decorrente de verdadeiro arrependimento) também aparece como uma estratégia que leva a um consenso entre os envolvidos, uma vez que as duas partes sofrem. Essa ideia da bilateralidade do conflito aqui presente (o efeito psicológico é mútuo) leva, portanto, à necessidade de uma reparação sincera de ambos os envolvidos:

Quando conversei com a Gabriela sobre o acontecido entre ela e a Bia ontem, ela diz: "Você viu, dona, agora tá tudo resolvido!" Eu: "Por que, como se resolveu?" Ela: "Porque a Bia me pediu desculpas e eu pedi pra ela também." Eu: "E voltou tudo ao normal, como era antes?" Ela: "Voltou, não como era antes, né, mas voltou sim!" Eu: "E a Ana?" Ela: "A Bia só falou comigo e não com a Ana, então eu não sei..."

Aliás, conforme demonstrado na tabela 7, os conflitos que tiveram como finalização a satisfação bilateral simples possuíam, significativamente, mais estratégias do tipo cooperativas (como o acatamento e a reparação sincera, por exemplo) do que física e impulsivas ou unilaterais, o que leva à consideração de que realmente o uso de estratégias mais evoluídas em termos de coordenação e tomada de perspectiva podem levar, também, a finalizações mais evoluídas em termos de consenso e satisfação dos envolvidos.

A insatisfação bilateral é a quarta finalização mais encontrada (4,2%) e refere-se às situações em que, embora haja uma finalização do episódio, nenhuma das partes se satisfaz com o resultado obtido e, assim, o desequilíbrio causado pelo conflito ainda permanece, como é exemplificado no relato anteriormente apresentado e retomado a seguir:

Marina está sentada ao lado da Tatiana. De repente Marina fala alto: "Para de encher meu saco, Tatiana!" Tatiana começa a rir sem graça. Marina repete: "Para de encher!" Professora escuta e manda as duas separarem as carteiras. Tatiana não fala nada. (...) Pergunto para Marina o que aconteceu e ela faz sinal negativo com a cabeça e depois diz que Tatiana a irritou. As duas ficam separadas e não se conversam mais. Tatiana evita cruzar o olhar com o meu. Na outra aula, Tatiana faz a atividade sozinha, enquanto a Marina e a Alice sentam juntas. Marina e Alice ficam cochichando sobre a Tatiana, mas não consigo ouvir o que é. No intervalo, pergunto para a Tatiana o motivo da briga e ela diz (sorrindo): "É que ela me perguntou se o cantor Luan Santana tinha namorada e eu disse que sim e daí ela ficou brava e começou a chorar!" Eu: “Você disse a verdade pra ela?" Ela: "Era verdade, ele tem namorada sim!" Eu: "Então você está me dizendo que ela ficou brava porque o Luan tem namorada?" Ela: "A Marina ama o Luan!" Eu: "E vocês não estão mais se falando?" Ela: "Até agora não, mas à noite ela sempre me liga para perguntar alguma coisa e daí fica tudo bem de novo".

166

É interessante ressaltar que todos os episódios com esse tipo de desfecho tinham como participantes as meninas, o que é condizente com a discussão já realizada sobre como os conflitos se conservam muito mais entre as meninas do que entre os meninos e muito mais entre amigas (relações de maior intimidade) do que entre apenas colegas de sala. O episódio termina, mas não o conflito. Os sentimentos gerados pela oposição permanecem nas partes envolvidas e são expressos em futuros episódios conflitivos complementares, até o desfecho final. Fierro (1995) explica que os meninos colocam menos ênfase nos componentes afetivos da amizade, o que ajuda a compreender as divergências encontradas entre os gêneros. As evidências encontradas por Gorrese e Ruggieri (2012) também apontam que os meninos tendem a dar mais ênfase a companheiros com quem podem, por exemplo, dividir atividades comuns (esportes, por exemplo).

A satisfação bilateral com compromisso (SBC) foi a finalização menos encontrada nas interações entre os participantes (0,8%), o que é coerente com os tipos de estratégias também utilizados, que favorecem muito mais a coerção e o afastamento, ao invés da negociação e da conciliação. O relato a seguir exemplifica tal categoria:

Laís e Verônica brigaram porque Laís vai ao passeio da escola, mesmo sabendo que Verônica foi proibida de ir pela coordenação da escola. Pergunto para Laís se ela já fez as pazes com a Verônica e ela diz que sim, porque agora ela acha que a Verônica vai ao passeio. Pergunto se elas conversaram e ela diz que sim com a cabeça. Ela chama a Verônica para a conversa e diz: "Nós somos amigas agora de novo, não somos?" Verônica: "Amigas de verdade... Não sei..." Laís: "Amigas às vezes brigam, não é verdade?" Verônica faz sim com a cabeça. Voltam a conversar de outros assuntos. Em outra aula, Laís muda de lugar e senta-se atrás da Verônica e ficam conversando normalmente.

Nesse diálogo, Laís e Verônica conseguem finalmente colocar fim a um conflito iniciado há vários dias e que teve como causa a divergência de expectativas entre amigas íntimas. As meninas, por meio de estratégias mais evoluídas - de convencimento -, conseguem uma finalização que contenta as duas partes. Embora a oposição de ideias ainda persista (com relação ao conceito de amizade de cada uma), percebe-se claramente que existe um movimento de negociação, que culmina em uma concessão. O conflito aparentemente é finalizado positivamente em função dos comportamentos apresentados pelas duas (sentam-se juntas novamente, voltam a conversar e a dar risadas).

167

Novamente se evidencia a influência do tipo de relação para o uso das estratégias e, consequentemente, para o tipo de finalização conseguida. Laís e Verônica são amigas muito próximas e, portanto, gerem seus conflitos com mais cautela para evitar um eventual rompimento. Presume-se, assim, que características como a proximidade e a estabilidade do relacionamento já interferem no comportamento diante do conflito entre os adolescentes. Laursen e Collins (1994) apontam que, no relacionamento com os colegas mais próximos, os adolescentes geralmente minimizam a frequência de discordâncias e utilizam mais do compromisso naquelas que surgem,