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2. UM DESTAQUE PARA A ADOLESCÊNCIA

2.4 O desenvolvimento moral

Em uma perspectiva piagetiana, “toda moral consiste em um sistema de regras e a essência de toda moralidade deve ser buscada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras” (PIAGET, 1932-1994, p. 1). O primeiro momento do desenvolvimento dessa moral é nomeado, pelo autor, de anomia, que corresponde à ausência de regras e de leis e vai até aproximadamente os dois anos de idade. As crianças, a partir dos três ou quatro anos, são naturalmente heterônomas, ou seja, a fonte da obediência é exterior. A partir dos oito, nove anos, em média, os sujeitos têm a possibilidade de desenvolver a autonomia moral, que é internamente orientada. Assinala, porém, que a evolução de uma tendência para a outra dependerá de vários fatores, principalmente das qualidades das relações sociais experienciadas. Assim, o desenvolvimento moral é bem sucedido quando, com o tempo, o controle vai se tornando interno, uma obediência às normas que não depende mais do olhar de outras pessoas. Na moral autônoma, o sujeito é capaz de se autogovernar e tem a capacidade de decidir pelas normas que quer obedecer, considerando o benefício para o maior número de envolvidos. Piaget (1930-1996, p. 3-4), no entanto, destaca que

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existem entre as crianças, senão no geral, duas morais [...] Essas duas morais que se combinam entre si mais ou menos intimamente, ao menos em nossas sociedades civilizadas, são muito distintas durante a infância e reconciliam-se, mais tarde, no curso da adolescência.

O autor também ressalta que será durante a convivência diária com o adulto, com seus pares, com as situações escolares, com os problemas que enfrenta, e também experimentando e agindo, que o sujeito irá construir seus valores e princípios. A moral surge do respeito que adquirimos às regras, e esse começa no respeito que temos às pessoas que nos impõem tais regras.

O primeiro processo de socialização é naturalmente instituído pela ação dos pais e dos adultos, em geral. Considera-se unilateral esse tipo de respeito - permeado por amor e medo - que leva a criança a considerar obrigatórias as regras recebidas dos mais velhos por meio de um sentimento de dever. Existe, contudo, um segundo processo possível de socialização, constituído pela ação dos indivíduos uns sobre os outros quando a igualdade predomina sobre a autoridade, dando lugar à cooperação (trocas equilibradas) e ao respeito mútuo. Essas relações entre os iguais permitem o confronto de ideias e de interesses, o que provoca a necessidade de regulação mútua, ou seja, a necessidade de considerar, negar ou afirmar outros pontos de vista, que não somente os próprios. Espera-se, ainda, que, conforme a criança caminhe em direção à adolescência, haja, evidentemente, um declínio do respeito unilateral (PIAGET, 1932-1994).

Na fase em que a criança começa a penetrar no universo das regras, princípios e valores (despertar do senso moral), por volta dos quatro anos, além do amor e do medo, os sentimentos de simpatia, indignação e confiança constituem as motivações do querer agir bem. De forma resumida, o amor e o medo, como já explicitado, são responsáveis pela obediência voluntária heterônoma da criança pequena. A simpatia, por sua vez, leva a criança a sensibilizar-se com o outro. A indignação traduz para o sujeito uma preocupação com o que lhe é devido, por parte das outras pessoas e, por fim, a confiança nutre no indivíduo o desejo de participar de uma comunidade moral. Os três últimos sentimentos permanecem exercendo sua influência durante toda a vida moral, mas o medo e o amor, com o avanço da autonomia, devem dar espaço para sentimentos coerentes com o respeito mútuo, como a culpa e a vergonha, fontes de controle interno das condutas. A culpa incorre sobre as ações e a vergonha sobre o valor moral atribuído a si (LA TAILLE, 2002).

Assim, o adolescente não mais legitima uma regra simplesmente por obediência à autoridade e, em conjunto com o desenvolvimento cognitivo, passa a compreender que as regras

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resultam dos princípios que as balizam. Ele também já não teme tanto a punição, mas muito mais o medo de decair aos olhos dos outros e de si mesmo (VINHA, 2000).

O sentido de justiça também se afastará da autoridade adulta (obediência), havendo uma aproximação ao conceito de igualdade (fazer ao outro o que ele me fez) e, mais tarde, à equidade (situação particular de cada um é considerada). Da mesma forma, Piaget (1932-1994) assegura que os atos dos outros passam a ser julgados não mais somente por suas consequências (responsabilidade objetiva), mas pela intenção do sujeito (responsabilidade subjetiva), sendo os piores atos aqueles que mais quebram os laços de solidariedade e confiança entre as pessoas.

Freitas (2011, p. 613) ainda destaca que, “como ensinou Piaget, não há moral sem educação moral, uma vez que a moral se constitui nas relações interpessoais que a criança estabelece com os adultos e com os seus pares”. Para Piaget (1964 - 2006), é prioritariamente na convivência com os pares que a criança é motivada a refletir sobre maneiras distintas de reconhecer o ponto de vista do outro e de aprender, aos poucos, como buscar soluções aceitáveis e justas para todas as partes envolvidas, que não levem somente à satisfação de si.

Além disso, paralelamente a toda a elaboração intelectual de um pensamento formal, o adolescente tem a sua afetividade submetida, graças à reciprocidade e à coordenação de valores, às leis da cooperação (PIAGET, 1964 -2006). Mantovani de Assis e Vinha (2003) apontam que justamente essa disposição de operar por reciprocidade e, assim, coordenar papéis (assumir a perspectiva dos outros), configura-se como um pré-requisito essencial para a resolução de conflitos interpessoais.

Em suma, este capítulo apresentou algumas ideias, desafios e vivências atuais em torno da adolescência, além do percurso histórico de modificações sofridas. Trata-se de uma etapa privilegiada do desenvolvimento humano, em que novas prioridades e maneiras de se relacionar são instituídas. Contextualizando a realidade brasileira, os jovens aparecem entre os mais frequentes autores da violência, assim como o grupo social mais afetado por ela. Na dimensão cognitiva, a adolescência é marcada pelo suposto ingresso ao pensamento formal, o que impulsiona um pensamento lógico, mais abstrato e reversível. O desenvolvimento da inteligência também oferece, por sua vez, uma condição de socialização baseada cada vez mais nas leis da cooperação e da reciprocidade. Essencialmente, essa condição de socialização caracteriza-se por um desejo de autonomia e um afastamento da influência dos pais em direção a um crescente foco nos pares e na aceitação social, trazendo, portanto, um desafio para a família, que se vê forçada a rever suas

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formas de convivência. A relação possível com os pares, em especial, representa o contexto central do desenvolvimento social e moral, em que novas estratégias mutuamente colaborativas podem ser testadas e gradativamente aprimoradas. Segundo a perspectiva teórica assumida neste trabalho, é prioritariamente na interação dinâmica entre o indivíduo e o meio, que os sujeitos poderão aprender formas mais justas e equilibradas de resolver as desavenças nas relações interpessoais, assunto a ser discutido com mais profundidade no próximo capítulo sobre conflitos.

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