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3. COMPREENDENDO OS CONFLITOS INTERPESSOAIS

3.3 A violência nas escolas

Apesar de não ser no ambiente escolar que ocorrem os eventos mais violentos e letais da sociedade, ainda assim, a violência é um elemento preocupante, tanto pelas sequelas e sofrimentos reais que infligem aos participantes e testemunhas ou pelo rompimento com o ideário da escola como espaço de conhecimento, de formação e de socialização (ABRAMOVAY et al., 2003; DEBARBIEUX, 2006; RUOTTI, 2006b).

O ambiente escolar foi revestido, por muito tempo, por uma aura aparente de segurança, livre da violência habitualmente encontrada em outros espaços da sociedade. No entanto, em todo o mundo ocidental moderno – embora as pesquisas estatísticas acerca dos índices sejam suspeitas no que tange ao exagero epidêmico – (FERNANDEZ, 2005 e DEBARBIEUX, 2006), a violência nas escolas não é um fenômeno incomum, principalmente quando se trata de microviolências/incivilidades: delitos periféricos, pequenas infrações e agressões contra as pessoas, esses sim, mais constantes no cotidiano da escola.

Ruotti (2006b) também destaca que a forma como certos dados de pesquisa é veiculada e traduzida pela imprensa, - principalmente no que se refere a escolas públicas e de periferia -, cria uma imagem na qual seria impossível qualquer ação educativa, tamanha insegurança e periculosidade. No entanto, ao contrário do que se objetiva difundir, a violência criminosa, embora atinja algumas escolas com maior intensidade, não se constitui como regra. Como anteriormente mencionado, as manifestações de violência na escola são, predominantemente, de natureza não

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criminosa (intimidações, desrespeitos, entre outros), que indicam problemas na própria dinâmica escolar e na falta de ações que favoreçam gestões negociadas de conflitos.

Cardia (1997) e Ruotti (2006b), em pesquisas com alunos adolescentes de escolas públicas, constataram que, segundo os alunos, há mais violência fora da escola, no bairro, no trajeto, no ônibus ou no portão, do que dentro dela. Debarbieux (2006) é também enfático ao demonstrar que os alunos são menos vítimas das agressões mais graves na escola (homicídios, violação) e claramente mais vítimas, na escola, de outros tipos de agressão, como: assédios, roubos, extorsões e agressões verbais. A definição de violência na escola, portanto, escapa a uma perspectiva única, pois o que está em jogo não é um comportamento isolado ou excepcional, mas, sim, a sua repetição e a sua associação e é nessa recorrência que habita não toda a violência na escola, mas a sua violência cotidiana, a sua realidade corriqueira. A violência na escola configura-se, sobretudo, como acumulação, desgaste e opressão, e é assim que deve ser compreendida e combatida.

Sposito (2001) acresce essa perspectiva ao analisar pesquisas sobre violência escolar no Brasil. Para a autora, as incivilidades por parte dos alunos sinalizariam, sim, as dificuldades da escola em criar possibilidades para que tais condutas possam ser geridas no âmbito da convivência democrática, mas configuram-se, sobretudo, como um conjunto de insatisfações manifestadas diante da própria experiência escolar, experiência essa que, segundo Charlot (2002, p. 435), configura-se como uma violência da escola: “uma violência institucional, simbólica, que os próprios jovens suportam através da maneira como a instituição e seus agentes os tratam.”

Na medida em que as regras são impostas e controladoras e as punições são, na maioria das vezes, estipuladas de forma arbitrária, a escola pode ser sim um lócus privilegiado do exercício dessa violência institucional. Abramovay e Rua (2002), no relatório sobre a violência na escola da UNESCO, exemplificam algumas falas recorrentes de estudantes acerca da violência por parte da escola - exercida pelo uso de símbolos de poder -, que se manifesta por meio de vários atos: “pressionar a partir do poder de conferir notas, ignorar os alunos com seus problemas, tratá-los mal, recorrer a agressões verbais e expô-los ao ridículo quando não compreendem algum conteúdo” (p. 80). A violência se expressa, também, visivelmente, quando os professores afastam-se da cultura juvenil, quando os alunos são vistos como inimigos, quando existe uma instabilidade da equipe docente, ou quando as relações de confiança entre adulto e aluno são praticamente inexistentes.

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Especificamente sobre a realidade dos alunos da faixa etária estudada pela presente pesquisa, o estudo exploratório realizado pela Fundação Carlos Chagas20 em 2012 ressalta a necessidade de formar melhor o professor especialista desse segmento para melhorar uma imagem negativa que os professores possuem dos alunos. Os professores, participantes da pesquisa, confessam certa decepção com os jovens de 11 a 14 anos. Para eles, tais alunos não conseguem se comportar com o mínimo de maturidade, não demonstram interesse pela aquisição de conhecimento e, muito menos, valorizam a figura do professor. Tal crença, entretanto, desmotiva, afasta e prejudica muito a construção de relações de confiança e respeito entre adulto e aluno.

O estudo ainda retoma que no Ensino Fundamental II, a relação de respeito e de confiança é condicionada, especialmente, à admiração do aluno pela forma do professor ensinar, pelo seu compromisso com os estudantes, pelo cuidado com as aulas e pela correção cuidadosa do que cada aluno produz. Para que tal condição de investimento realmente aconteça, é necessária uma formação ao professor que ofereça, entre outras coisas, ferramentas para que ele conheça as peculiaridades da adolescência: quem é e o que pensa o adolescente. É urgente a necessidade de se desenvolver uma visão do estudante pautada nas necessidades específicas da faixa etária.

Partindo para uma dimensão da violência institucional tão séria quanto e, talvez, ainda mais prejudicial, Stelko-Pereira et al. (2011) apresentam um estudo pioneiro no Brasil na investigação de agressão física por funcionários/educadores (professores, inspetores, merendeiras, porteiros e faxineiros) no contexto escolar. Foram participantes 396 estudantes do Ensino Fundamental II de duas escolas públicas do interior do estado de São Paulo. No total, 21 alunos foram agredidos fisicamente por funcionários, apesar da legislação específica no país, incluindo o recente projeto de Lei n.º 7672/2010, que prevê “o direito da criança e do adolescente de não ser submetido a nenhuma forma de punição corporal, moderada ou imoderada, sob a alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos” (p.3). Complementando essa discussão, Debarbieux (2006), em seus estudos sobre as ações contra a violência na escola, afirma que “a punição física não é apenas uma simples tradição, mas uma escolha educativa. E é uma má escolha” (p. 203). O autor conclui que é nas escolas nas quais o castigo é mais praticado, que a violência dos alunos se desenvolve mais.

20 Edição especial da Revista Nova Escola sobre a pesquisa da Fundação Victor Civita (FVC): Anos Finais do

Ensino Fundamental: Aproximando-se da Configuração Atual, realizada pela Fundação Carlos Chagas (FCC) e concluída em julho de 2012.

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Por fim, um estudo intitulado “Violencia escolar: el maltrato entre iguales en la Educacion Secundaria Obligatoria 1999-2006”, com 300 centros escolares da Espanha, retrata algumas das principais magnitudes dos conflitos e da violência na escola. Os dados mostraram que os professores acreditam não terem responsabilidade pelos conflitos que acontecem na escola, atribuindo a causa principal, prioritariamente, à alta permissividade que existe nas famílias (87,3%). Também chama atenção para o fato de que, tanto os professores (68,4%), quanto os pais (53,6%), consideram que os conflitos que surgem na escola são resolvidos de maneira justa. Mais da metade dos alunos não têm a mesma opinião. Entretanto, 64,1% dos professores afirmam que se deveria atuar com mais dureza com aqueles alunos que causam problema na escola (SERRANO e GUZMÁN, 2011).

Pesquisas nacionais também indicam que para “melhorar” o problema da violência e conflitos da escola, os educadores sugerem maior controle, punições e rigor (MALTA CAMPOS, 2008; UDEMO, 2009). Especificamente, 83% defenderam medidas mais duras em relação ao comportamento dos alunos, 67,4% disseram que deveria chegar a haver expulsão de alunos, 47% propuseram a contratação de mais funcionários como inspetores e psicólogos, 52% defendem o policiamento intensivo e permanente e 55% sugerem a implantação de projetos de conscientização e valorização da escola envolvendo pais, alunos e comunidade em geral.

Contrariando a perspectiva desses professores, investigações recentes demonstram uma série de iniciativas que contribuem para a redução da violência nos centros escolares e que caminham, justamente, no sentido contrário da terceirização, da culpabilização e da punição dura e arbitrária (CUBAS, 2006; RUOTTI, 2006c; MORGADO E OLIVEIRA, 2009). Porém, independentemente de qual tipo de intervenção se priorize, para que um trabalho eficaz se concretize, há um pré-requisito que, quando não atendido, danifica o sucesso de qualquer empreitada: a não negação dos conflitos.

Para Cubas (2006) e Ruotti (2006c), somente ao se assumir que os conflitos, em maiores ou menores proporções, estão presentes na escola, que parte considerável é produzida pelas relações estabelecidas no próprio ambiente escolar, que seu enfrentamento faz parte do cotidiano e envolve o comprometimento de toda a comunidade, é que será possível se adotar medidas para trabalhar com os acontecimentos de maneira democrática e eficaz. Como sintetiza Fernandez e Pérez (2005, p.79),

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elementos afetivos (os sentimentos, os medos, as rejeições, as inibições, etc.) e os elementos sociais (comunicação, falar e escutar, o respeito e a valorização do colega, as relações interpessoais, a tomada de decisões, a responsabilidade de condutas, etc.) podem e deveriam ter um lugar curricular e serem abordados desde o trabalho de classe, para favorecer o desenvolvimento sociopessoal e os níveis de convivência.

No entanto, aspectos curriculares que contemplem o desenvolvimento sociopessoal requerem um remanejamento metodológico, pois o compartilhamento, a ajuda entre os colegas e os trabalhos em grupo, por exemplo, exigem maior nível de relacionamento interpessoal, o que inclui propostas metodológicas mais ativas e criativas que, em muitos casos, atrasam os conteúdos conceituais, porém abrem outros caminhos para se aprender (FERNANDEZ, 2005).

Além da discussão realizada até o momento acerca da relevância específica da instituição educativa como formadora privilegiada dos domínios afetivos, morais e sociais, pesquisas recentes nacionais e internacionais, envolvendo crianças e adolescentes, têm trazido algumas contribuições acerca de outras variáveis contextuais e fatores situacionais que, de alguma forma, interferem na maneira como os adolescentes julgam suas relações e como nelas agem, incluindo as situações de desacordos interpessoais.