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2. UM DESTAQUE PARA A ADOLESCÊNCIA

2.2 As dimensões biológica e social

Praticamente todas as partes do corpo são afetadas pelas mudanças que ocorrem durante esse período que geralmente começa aos 9 ou 10 anos. Além do desenvolvimento do sistema reprodutor e do aparecimento das características sexuais secundárias, há, também, outras alterações: no

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funcionamento do coração, no sistema cardiovascular, no sistema respiratório, no tamanho e na força de muitos músculos (COLEMAN, 2011).

Sabe-se, por exemplo, que a adolescência contempla intensas transformações cerebrais, que faz com que o sujeito sinta necessidade de criar coisas novas e de aprender. Outras modificações em regiões do córtex que estão relacionadas com o raciocínio e a memória oferecem aos adolescentes uma enorme capacidade, por exemplo, de lidar com informações diversas (UNICEF, 2011).

A neurocientista Herculano-Housel (2009) acrescenta que a adolescência é um novo período de transformações do cérebro, que começa com uma fase de muitas conexões entre os neurônios, seguida de uma fase de eliminação das conexões que não são mais úteis. A perda de sensibilização do sistema de recompensa colabora com os sinais mais característicos dessa fase: o tédio, a perda de interesse pelas brincadeiras da infância, a impaciência, o gosto por riscos e a busca de novidades. O hipotálamo comanda a produção de hormônios sexuais e torna-se sensível a eles, permitindo ao cérebro descobrir o ato sexual. Principalmente no início da adolescência, há uma intensa mudança na representação do corpo no cérebro. O córtex pré-frontal amadurece e passa a permitir o raciocínio abstrato, melhora a memória e a concentração e começa a permitir o controle de impulsos. O córtex órbito-frontal somente amadurece no final da adolescência e possivelmente permite, só então, o raciocínio consequente, ou seja, aquele que leva à antecipação dos arrependimentos. O circuito social, por sua vez, somente amadurece no final da adolescência, dependendo da qualidade das experiências vividas. Esse circuito, por sua vez, permite que o adolescente se torne uma pessoa plenamente sociável, empática, solidária, capaz de se colocar no lugar dos outros e usar essa informação na hora de agir.

Como visto, o cérebro adolescente passa por um novo longo período de remodelagem e aprendizado, cujo resultado ansiado é um sujeito, em tese, independente, responsável e bem inserido socialmente.

Coleman (2011) também destaca que, durante a adolescência, há uma eliminação de sinapses ou conexões neuronais desnecessárias. Contudo, muitas outras sinapses são construídas, sendo esse processo um elemento essencial ao desenvolvimento cerebral e à melhora no processamento de informações. Essa transformação ocorre em várias partes do cérebro, mas particularmente na adolescência, atinge o córtex pré-frontal, a área do cérebro responsável pelo funcionamento cognitivo. Há, também, um aumento da conectividade entre o córtex pré-frontal e outras partes do

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cérebro, o que permite avanços na qualidade do pensamento e da razão. Outra grande mudança refere-se ao sistema límbico e aos neurotransmissores dessa região do cérebro. O sistema límbico é responsável pelo processamento de informações relacionadas às emoções e é justamente devido a essas mudanças, que os adolescentes são geralmente excessivamente emotivos ou facilmente afetados pelo stress. As mudanças no sistema límbico são responsáveis, também, pela necessidade do adolescente pela busca de sensações novas e pela tendência às atividades de risco.

O autor também cita, a partir dos conhecimentos acerca do processamento de informações, cinco áreas gerais que apresentam um aperfeiçoamento significativo durante esse estágio do desenvolvimento: a atenção seletiva, a memória de trabalho, a velocidade do processamento cerebral, as estratégias de organização e a meta-cognição (capacidade de pensar sobre o próprio pensamento). No entanto, Moshman (2005) recusa uma visão biológica determinística de que os genes influenciam diretamente o cérebro que, por sua vez, influencia diretamente o comportamento individual. O autor reforça que a qualidade das mudanças cerebrais e da maturação biológica são, em grande parte, resultados das experiências de ações e de reflexões.

Considerando, especificamente, a dimensão social da adolescência, Vicentin (2009); Gorrese e Ruggieri (2012); Serrano e Guzman (2011) são alguns dos autores que demarcam alguns sinais nas relações interpessoais vivenciadas: o foco prioritário de identificação na família durante a infância passa, na adolescência, para o grupo de pares (e, depois, para o relacionamento amoroso) e os agrupamentos deixam de acontecer com pessoas do mesmo sexo, passando a ser prioritariamente mistos, principalmente como fruto da exacerbação da sexualidade.

Gorrese e Ruggieri (2012) ainda acrescentam que as relações de apego entre os pares na adolescência mudam drasticamente daquelas vividas durante a infância em várias questões: há um aumento da energia dispendida nas relações, uma potencialização da sexualidade e, por fim, um aumento da capacidade mútua de proporcionar conforto ao outro nos relacionamentos. Coleman (2011) também apresenta dois autores - Aboud (1999) e Cotterell (2007) -, que descrevem alguns elementos chaves da função da amizade na adolescência, tais como: o companheirismo, a intimidade, a disponibilidade, a lealdade, a confiança, a assistência e a segurança emocional.

Embora não haja um padrão específico que caracterize uma boa amizade, Poe e Johnston (1993) apontam que as amizades mais próximas durante a adolescência frequentemente possuem certos aspectos que as distinguem de outros tipos de relacionamento, como por exemplo, entre colegas. Bons amigos gostam de estar juntos, falam e escutam um ao outro, respeitam-se

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mutuamente, se apoiam, são leais, confiam e são honestos, se perdoam e, por fim, nutrem um sentimento de amor que é diferente do amor familiar – porque os amigos se escolhem -, e diferente, também, do amor romântico – porque o relacionamento não é baseado em uma intimidade sexual.

Embora as amizades diádicas ou binárias ainda existam, Papalia et al. (2009) apontam que as “panelinhas” – grupos estruturados de amigos que fazem coisas juntos -, tornam-se cada vez mais importantes. Um terceiro e mais amplo tipo de agrupamento presente na adolescência são as turmas, que são baseadas não nas interações pessoais, mas na reputação, imagem ou identidade. Ainda sobre a dinâmica das amizades na adolescência, Coleman (2011) assinala que é geralmente no início da adolescência que as necessidades pessoais e as pressões sociais direcionam os jovens a participar de pelo menos um grupo de amizade. O autor cita o estudo de Ryan em 2001, que demonstra que 75% dos adolescentes de 13 anos pertencem a grupos de amigos, estando esse fator altamente relacionado à qualidade da autoestima e ao desenvolvimento da identidade.

Além do pertencimento a um grupo, ser considerado popular é um valor de particular importância na adolescência. Segundo Coleman (2011), os populares são aqueles que exercem certa liderança e são admirados perante seus pares. Embora haja, logicamente, diferentes padrões, o porte atlético para os meninos e a atratividade física para as meninas são aspectos frequentemente relevantes ao se determinar uma popularidade. O autor acrescenta que é justamente no início da adolescência que a influência e a conformidade às normas do grupo são mais fortes. A aceitação ou a rejeição são preocupações comuns dos jovens nessa idade, o que os torna mais suscetíveis às pressões grupais.

Fica evidente, assim, que na adolescência, o envolvimento com os pares ganha um papel ímpar, servindo como base de apoio social e de proximidade afetiva. Oberle et al.(2010) realçam que, especialmente na adolescência, existe uma intensificação do privilégio do lugar dos amigos, que tem importância central no desenvolvimento tanto acadêmico, como no funcionamento social e no bem-estar psicológico. Esse privilégio, contudo, segundo Papalia et al. (2009), é mais forte no início da adolescência, atingindo seu apogeu entre doze e treze anos, aproximadamente.

Rappaport et al. (1982) e Osorio (1989) destacam, ainda, que o grupo de iguais – e não mais os pais ou outros adultos relacionados a esses, como os professores e outros familiares em geral - atua justamente como continente para as ansiedades existenciais do jovem. Ampliando, então, a discussão para o campo da saúde psicológica, Campos e Marturano (2003) também sugerem que, em uma ampla gama de pontos de vista, as relações interpessoais têm uma função fundamental na

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etiologia, manutenção, prevenção e remediação de distúrbios socioemocionais. Os autores afirmam que pessoas competentes no domínio interpessoal têm maior probabilidade de manter e mobilizar redes de relacionamentos que lhes deem suporte nos momentos difíceis, propiciando, por exemplo, trajetórias mais positivas na transição entre a meninice e a adolescência. Especificamente, o estudo demonstrou associação entre competência interpessoal na meninice e melhor ajustamento global na adolescência, nomeadamente em três domínios analisados: ajustamento comportamental, desempenho acadêmico e autopercepção.

Gorrese e Ruggieri (2012) também ressaltam que, especificamente, durante o período que engloba o final da infância e o início da adolescência, os sistemas de apego e as representações sociais das pessoas e das relações interpessoais mudam drasticamente. O mundo social do adolescente se expande e passa a incluir os pares, os parceiros amorosos e o grupo social, configurando, portanto, uma progressiva diferenciação e diversificação do sistema comportamental de apego. Para Selman, et. al. (1986) e Chung (2011), isso é devido ao elevado potencial de intimidade com amigos em detrimento da com os pais durante esse período, especialmente entre as meninas.

Uma pesquisa da UNESCO - “Cotidiano das Escolas: entre violências”, 2003/2004 -, retrata o quanto os pares têm um lugar privilegiado na vida dos jovens (Ensino Fundamental II e Médio). Do total de 9.744 alunos pesquisados, cerca de 45% deles, quando têm problemas, optam por trocar confidências com um amigo na escola. Vale ainda destacar que quase um terço deles (28%) ainda busca as amizades consolidadas fora do ambiente escolar.

Aliás, a intensidade, a importância e a quantidade de tempo gasta com amigos são, provavelmente, maiores na adolescência do que em qualquer outra etapa da vida.

Selman (1980), referência no que se refere ao desenvolvimento humano e à Psicologia, ao estudar a evolução da tomada de perspectiva (capacidade de compreender o ponto de vista de outra pessoa e de se colocar no seu lugar) e da coordenação de perspectiva (integração dos pensamentos, desejos e sentimentos do outro com os próprios, combinando os pontos de vista ou criando novas possibilidades), buscou compreender quais as concepções das crianças e jovens sobre o indivíduo, sobre as relações de amizade, sobre as relações entre pais e filhos e sobre as relações entre pares, por considerar que estes domínios são críticos para um desenvolvimento social saudável.

O autor descreve a compreensão dos sujeitos a respeito desses domínios por meio do conceito de estágios de desenvolvimento, ou seja, cada um desses domínios é concebido pelas

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crianças e jovens segundo estágios evolutivos com uma sequência fixa de indivíduo para indivíduo, de forma que as concepções se tornam mais elaboradas e complexas ao longo do desenvolvimento. Segundo o autor, o sujeito parte de ideias físicas e egocêntricas para uma descentração e coordenação de perspectivas cada vez mais amplas.

Esse movimento em direção a uma visão que considera e coordena outras perspectivas possibilita, por sua vez, que o sujeito desenvolva seu senso de justiça e equidade, sua habilidade de cooperar e sua habilidade de sentir compaixão, tolerância e respeito por si e pelos outros (SCHULTZ, YEATES e SELMAN, 1989)

Neste momento do presente trabalho, em que se discute o lugar privilegiado dos pares na vida dos adolescentes, interessa compreender, especificamente, o domínio da amizade.

A amizade, para Selman (1980), é constituída por temas que estão presentes em todos os estágios de desenvolvimento (estágios 0 a 4), correspondendo a um conjunto de conceitos estruturados, segundo uma lógica comum. São eles:

1. Formação: por quais motivos e como (mecanismos) as amizades são feitas; o amigo ideal. 2. Proximidade: tipos de amizade, amizade ideal, intimidade.

3. Confiança: fazer coisas para os amigos; reciprocidade.

4. Ciúmes: sentimentos sobre intrusões dentro de novas amizades ou em amizades já estabelecidas.

5. Resolução de conflito: como os amigos resolvem seus problemas. 6. Terminação: como se rompem as amizades.

Quanto às idades, embora não sejam rígidas, a primeira infância (3 a 6 anos) é marcada pelas concepções do estágio 0 (amizade como interação física momentânea); por volta dos seis anos, as crianças, em média, possuem a concepção do estágio 1 (amizade como assistência de “mão única”); aos oito anos, o estágio 2 (amizade como cooperação em tempo justo), aos doze, o estágio 3 (amizade como intimidade e compartilhamento mútuo) e, por volta dos quinze, o estágio 4 (amizade como múltiplas perspectivas).

O quadro I, a seguir, apresenta um resumo das principais características dos temas supracitados nos quatro estágios:

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Quadro I: Algumas características do domínio da amizade nos primeiros estágios evolutivos

Idade relativa Resumo das características principais

Estágio 0 3 a 6 anos Amizade como relação momentânea ou repetida e não tem efeito sobre a subjetividade. Os conflitos são resolvidos com a aplicação da força física.

Estágio 1 7 a 8 anos Amigos são aqueles que sabem aquilo que eu gosto, portanto é unilateral. Já existe o elemento da subjetividade. Conflito também resolvido de forma unilateral: um é a vítima e o outro não.

Estágio 2 8 a 11 anos Amizade é um encontro de gostos, portanto recíproco. Ainda existe um foco nos interesses particulares. No conflito, as duas partes se engajam, mas ainda tem um caráter bastante coercitivo.

Estágio 3 12 a 14 anos Amigos trabalham juntos para resolver problemas e são confidentes. Amizade é mais estável e reflete intimidade e ajuda mútua.

Estágio 4 15 a 18 anos Amizade é caracterizada por maior proximidade emocional e interdependência. Há menor possessividade na relação e a confiança e suporte ao outro são elementos essenciais. Amizade pode permanecer ao longo do tempo, apesar de eventuais separações.

Fonte: Selman (1980, p. 136)11

Os estágios que contemplam o período da adolescência, público alvo do presente estudo, serão descritos com maior precisão e detalhes.

No estágio 3 (12 a 14 anos), o indivíduo é capaz de sustentar o relacionamento da amizade abstratamente. Nessa fase, o foco é o relacionamento e não mais os indivíduos separadamente. A principal função da amizade passa a ser vista como um suporte, com compartilhamentos mútuos ao longo do tempo. Para isso, as partes se engajam no conhecimento do outro, dos seus traços e personalidades e descobrem interesses comuns e características que se complementam. Proximidade inclui confiança e intimidade, e estas são entendidas como conquistas e requerem esforços de ambas as partes. Os amigos, diferentemente dos outros tipos de relações, desejam compartilhar pensamentos e sentimentos íntimos. Existe um esforço mútuo na manutenção da amizade; logo, existe, também, uma perspectiva particularmente possessiva: não se permite que outras pessoas interfiram na relação. Já conseguem identificar os conflitos particulares que podem fortalecer a relação se bem trabalhados e, para isso, conversam sobre as coisas. O rompimento de uma relação de amizade acontece em razão de conflitos que desfaçam o vínculo de confiança.

No estágio 4 (15 a 18 anos), por sua vez, o sujeito entende que pode ter diferentes tipos de relacionamentos, tais como amizades íntimas, relações de negócios, colegas casuais, etc. A relação de amizade é vista como um sistema disponível a mudanças, flexibilidades e crescimentos. Tem- se a ciência de que é possível conhecer melhor alguém, levando-se em consideração as companhias

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que mantém. De modo semelhante, fazer um amigo também inclui fases de conhecimento recíproco, até chegar a um relacionamento de compromisso. “Bom” amigo, portanto, é um conceito relativo e depende de uma afinidade entre as pessoas. A confiança é a habilidade de deixar ir, tanto quanto de prender, respeitando as necessidades de dependência e de autonomia de cada um, havendo, portanto, menos sentimento de possessão do que no estágio anterior. Os conflitos tendem a ser entendidos e resolvidos por meio de tentativas mútuas de introspecção e autorreflexão. Um novo conceito para o fim do relacionamento inclui a possibilidade das pessoas se engajarem em outras amizades e negarem as antigas, devido à mudança de interesses.

Segundo Selman et al. (1986), o tipo de intimidade possível com os pares, em especial, representa o contexto central do desenvolvimento social, isto é, a arena dentro da qual novas estratégias mutuamente colaborativas podem facilmente ser testadas e aprimoradas em direção a uma maior tomada e coordenação de perspectivas.

O avanço no grau de intimidade e de mutualidade entre amigos, entretanto, faz a fase da adolescência se configurar como um momento de desafio e transformações para a dinâmica da família em geral.