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Conflitos entre alunos de 11 e 12 anos : causas, estratégias e finalizações

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Academic year: 2021

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CAROLINA DE ARAGÃO ESCHER MARQUES

CONFLITOS ENTRE ALUNOS DE 11 E 12 ANOS:

CAUSAS, ESTRATÉGIAS E FINALIZAÇÕES

CAMPINAS

2015

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RESUMO

Fundamentado na teoria piagetiana, este trabalho se constitui de um estudo qualitativo e quantitativo que tem como objetivos identificar as causas, as estratégias empregadas e as finalizações dos conflitos vividos entre os alunos de 11 e 12 anos, bem como investigar diferenças nas formas como esses adolescentes resolvem os conflitos vividos e como julgam solucioná-los. Tem, também, por objetivo comparar essas mesmas variáveis com os alunos de 8 e 9 anos, participantes de um estudo anterior análogo. A amostra foi constituída por 62 alunos do sexto ano do Ensino Fundamental II de duas escolas públicas do interior paulista, escolhidas por conveniência. Os dados foram coletados por meio de sessões de observação da rotina escolar no decorrer de um semestre letivo num total de 100 horas, sendo encerradas por saturação. Para avaliar como os alunos julgavam resolver conflitos, foram apresentadas, por meio de entrevistas clínicas, histórias contendo conflitos hipotéticos, elaboradas com base na identificação das principais causas das desavenças entre os alunos. Os resultados das observações indicaram que as principais causas que geraram conflitos nos alunos de 11 e 12 anos foram a provocação e a reação ao comportamento perturbador. As estratégias de resolução mais frequentemente utilizadas foram as unilaterais e o abandono foi a finalização mais comum para as desavenças observadas. Os alunos de 8 e 9 anos apresentaram as mesmas categorias com relação às causas, estratégias e finalizações mais presentes em seus conflitos. Quanto à comparação entre o juízo e a ação, os alunos de 11 e 12 anos apresentaram, assim como os de 8 e 9 anos, estratégias de resolução de conflitos mais evoluídas em termos de coordenação e tomada de perspectiva ao verbalizarem acerca dos conflitos hipotéticos, do que ao agirem nos conflitos reais vivenciados. Apesar dos ganhos em maturidade cognitiva, em compreensão interpessoal e no repertório de comportamentos, expressos especialmente nos relatos frente aos conflitos hipotéticos, os níveis reais de estratégias mais cooperativas não apresentaram uma evolução significativa quando comparados aos alunos de 8 e 9 anos (p=0.041), reiterando, assim, a importância de se disponibilizar mais oportunidades de reorganizações reflexivas que almejem o desenvolvimento de competências sociais. A contribuição do estudo foi, portanto, o detalhamento das evoluções da compreensão e da vivência dos conflitos interpessoais, oferecendo subsídios para o planejamento de intervenções mais afinadas com as necessidades próprias de cada faixa etária.

PALAVRAS-CHAVE: conflitos interpessoais, construtivismo, educação, adolescência, estratégias de resolução de conflitos

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ABSTRACT

Characterized as a qualitative and quantitative study and grounded in Piaget's theory, this study aimed to identify the causes, the strategies employed, the outcomes of conflicts experienced between 11 and 12 year old students, as well as to compare if there aredifferences in the ways they solve experienced conflicts and how they judge to fix them. This study also has as objective to compare these same variables among students of 8 and 9 years old, participants from a previous analogue study. The set consisted of 62 sixth grade students from two elementary public schools in São Paulo State/Brazil, chosen at convenience. Data were collected during 25 days of observation, accruing for a total of 100 hours, under various situations of school routine. To assess how the students think resolve conflicts using the piagetian clinical method, stories were submitted, containing hypothetical conflicts drawn from situations observed. The results of observations indicated that the main reasons that led to conflicts among 11 and 12 year old students were teasing and reaction to annoying behavior. Resolution strategies more frequently used were unilateral and abandonment was the most common outcome for the observed disagreements. Students of 8 and 9 years old had the same categories for causes, strategies and outcomes in their conflicts. In comparison between judgment and action, 11 and 12 year old students presented, as well as the 8 and 9 year old, more advanced solving strategies of conflicts in terms of coordination and decision perspective to verbalize on hypothetical conflicts than to pursue the experienced real conflicts. Despite the gains in cognitive maturity, interpersonal understanding and behavioral repertoire, especially expressed in the reports from hypothetical conflicts, the actual levels of more cooperative strategies showed no significant change when compared to students of 8 and 9 years old (p=0.041). This reiterates the importance of providing more opportunities to help promote reflective reorganizations that aim to develop social skills. The contribution of the study was, therefore, to detail the development in the understanding and in the experience of interpersonal conflicts, providing support for the planning of interventions more in line with the needs of each age group.

KEYWORDS: interpersonal conflict, constructivism, education, adolescence, interpersonal strategies.

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SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO ... 1

2. UM DESTAQUE PARA A ADOLESCÊNCIA ... 5

2.1 Significados e perspectiva histórica ... 9

2.2 As dimensões biológica e social ... 15

2.3 A relação com a família ... 22

2.4 O desenvolvimento moral ... 24

3. COMPREENDENDO OS CONFLITOS INTERPESSOAIS ... 29

3.1 As estratégias de resolução de conflito... 37

3.2 O papel da escola ... 43

3.3 A violência nas escolas ... 51

3.4 Variáveis relevantes ... 55

3.4.1 A dimensão do gênero ... 55

3.4.2 - A dimensão cultural e social ... 59

3.4.3 – A dimensão da idade ... 62

3.4.4 – A dimensão da família ... 67

3.4.5 – A dimensão da personalidade ... 72

4. INVESTIGANDO A PROVOCAÇÃO ENTRE PARES... 75

5. MÉTODO ... 89 5.1 Contexto da pesquisa ... 89 5.2 Problemas ... 90 5.3 Objetivos ... 90 5.4 Premissas ... 91 5.5 Participantes ... 91

5.6 Caracterização das escolas... 91

5.6.1 - O ambiente sociomoral... 93

5.7 Delineamento da Pesquisa e Procedimentos de Coleta de Dados ... 100

5.7.1 Observação sistemática ... 101

5.7.2 Entrevistas para investigação do juízo... 105

5.8 Análise dos dados ... 109

6. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ... 113

6.1 A observação dos conflitos ... 113

6.1.1 As causas dos conflitos interpessoais ... 114

6.1.2 As estratégias de resolução de conflitos ... 138

6.1.3 As finalizações dos episódios dos conflitos ... 156

6.2 Comparação entre Ação e Juízo ... 170

7.CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 181

REFERÊNCIAS ... 189

APÊNDICE A ... 209

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ANEXO A ... 213 ANEXO B ... 215

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Para Manuela e Vinícius, meus filhos tão amados, por serem a mais plena e imensurável fonte de felicidade em minha vida...

“Avião sem asa, fogueira sem brasa, sou eu, assim sem vocês...”

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AGRADECIMENTOS

A Lívia Maria Ferreira da Silva, que é minha “amiga-irmã-marida”. Entre alegrias e dissabores, saberes e erros, medos e sonhos, o que nos define é o amor. Voltaire nos lembra que “todas as

riquezas do mundo não valem um bom amigo”. E eu tenho a melhor: autora do abraço mais

acalentador, protagonista do sorriso mais sincero. Aqui e em vários cantos desse mundo! De tanto andar ao seu lado, sou uma pessoa infinitamente melhor. E que venham novas aventuras, novos encantamentos... Sempre juntas, para sempre.

A Telma Pileggi Vinha, minha orientadora, pela confiança depositada e pelas infindáveis oportunidades de aprendizagem regadas por tanto apreço, respeito e incentivo. A você, a minha maior gratidão.

Ao professor Robert L. Selman, pela inestimável oportunidade consentida na Harvard Graduate School of Education e, principalmente, pelos ensinamentos tão valiosos.

Aos meus pais, Plinio e Cecília, por serem os fãs “número 1” e pela retaguarda imprescindível durante todos esses anos. Foram vocês os grandes responsáveis por me mostrar o valor insuperável do estudo.

A minha tia, Ana Aragão, pelo amor que tem por mim. Só isso explicaria tamanho cuidado e afeto durante toda a minha vida. Te amar “de janeiro a janeiro, até o mundo acabar” não será suficiente para demonstrar o tamanho da admiração que tenho por você.

Aos meus irmãos, Thiago e Gabriela, preciosidades da minha vida, simplesmente por me fazerem tão bem, sem pedir licença...

A minha amada sobrinha, Luiza, por ter transformado o meu mundo em um lugar muito mais azul e mais feliz desde a sua chegada.

A minha avó, Zezé, que em sua infinita fé, não se esquece, nenhum dia sequer, de rogar pela minha felicidade. Ao Vô João, pelo exemplo de perseverança e de amor à vida que alimenta a minha alma.

Ao Ricardo, pelo estímulo que permitiu o sonhar.

Aos meus colegas de trabalho e de estudo, pela convivência de cumplicidade. Agradeço, a cada um, de forma única e especial:

Adriana Ramos, pelo exemplo de ousadia; Adriano Moro, pelo exemplo de seriedade; Flávia Vivaldi, pelo exemplo de garra; Juliana Calil, pelo exemplo de amizade; Lara Lucatto, pelo exemplo de superação; Mariana Wrege, pelo exemplo de ternura; Sandra Dedeschi, pelo exemplo de coragem; Sônia Vidigal, pelo exemplo de determinação;

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xvi Thais Bozza, pelo exemplo de dedicação.

A Mariana Tavares, a “chaveirinho das confliteiras”, pelo exemplo de generosidade. Você soube, como ninguém, acalmar meu coração nos momentos tempestuosos e renovar minha coragem quando ela insistia em ir embora. É sempre um privilégio ter você como minha parceira!

A Luciene Regina Paulino Tognetta, pelo exemplo de devoção que me renova na esperança de uma educação mais digna para nossas crianças e jovens. O meu carinho por você é do tamanho

“do medonho da Serafina, do rabo do Cospe-Fogo ou, então, da pata do elefante que estava no peito do rato”. Enorme, não é?

A minha “grude-grude” Alice Silva Licciardi, pela grandeza em acolher a mim e aos meus filhos como partes da sua família... Minha vida ficou incrivelmente mais divertida ao ser inundada por seus inseparáveis vestidos (“titidos”), batons (“tatons”) e laços cor de rosa!

A querida Luciana Castrillon e aos seus filhos Joe, Lilly, Cecília e Evelyn, por serem os nossos preciosos “anjos da guarda” em terras tão distantes... Aonde quer que eu vá, levo vocês no olhar... A Paula Saretta, minha amiga de fé, minha irmã camarada, amiga de tantos caminhos, de tantas

jornadas... Simplesmente amo você - e o seu Gui - “até a lua, ida e volta”.

Às professoras Orly Zucatto Mantovani de Assis, Vanessa Fagionatto Vicentin, Elaine Prodócimo e Alessandra de Morais Shimizu, pelas contribuições preciosas.

Ao João Victor Aquino Batista, a Lara Cristina Ferreira da Silva e a Maria Célia Nobile Cassiani, pela ajuda inestimável com as transcrições das entrevistas.

Aos jovens participantes dessa pesquisa, por permitirem o meu olhar “bisbilhoteiro” em suas desavenças cotidianas, muitas vezes tão sofridas... Sem a confiança e a disposição de vocês, essa pesquisa jamais teria acontecido.

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“Há, em cada adolescente, um mundo encoberto, um almirante e um sol de outubro”.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura I: Porcentagens para as causas nos alunos de 11 e 12 anos ... 118 Figura II: Porcentagens para as estratégias de resolução de conflitos nos alunos de 11- 12. .. 141 Figura III: Porcentagens para as estratégias unilaterais nas idades de 8-9 e 11-12 ... 150 Figura IV: Porcentagens para as estratégias de resolução de conflito na ação e no juízo para o grupo total de 11 e 12 anos ... 171 Figura V: Porcentagens para as estratégias de resolução de conflito na ação e no juízo para as crianças de 3 a 6 anos ... 176 Figura VI: Porcentagens para as estratégias de resolução de conflito na ação e no juízo para as crianças de 8-9 anos e 11-12 anos ... 177

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LISTA DE QUADROS

Quadro I: Algumas características do domínio da amizade nos primeiros estágios evolutivos .. 21

Quadro II: Níveis de desenvolvimento ordenados de coordenação perspectiva social e sua aplicação para tipos de estratégias de resolução de conflitos sociais ... 39

Quadro III: Esquema de classificaçãopara as estratégias de negociação interpessoal ... 41

Quadro IV: algumas estratégias interpessoais prototípicas codificadas em níveis de desenvolvimento 0 – 3 em cada orientação. ... 64

Quadro V: Categorias das causas de conflitos ... 116

Quadro VI: Categorias das estratégias dos conflitos ... 139

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LISTA DE TABELAS

Tabela I: Comparação das variáveis categóricas DA, DF e PR entre as faixas etárias 8-9 e 11-12 ... 119 Tabela II: Comparação das variáveis categóricas DP, PR e RC entre os gêneros ... 121 Tabela III: Comparação das variáveis categóricas CO, FI e UN entre as causas ... 124 Tabela IV: Comparação das variáveis categóricas AD, AF, AV, DI, DL, DP, EX e RC entre as faixas etárias 8-9 e 11-12 ... 126 Tabela V: Comparação da variável categórica CO entre as causas ... 133 Tabela VI: Comparação das variáveis CO, FI e UN entre as faixas etárias 8-9 e 11-12...150 Tabela VII: Comparação das variáveis categóricas CO, FI e UN entre as faixas etárias 3-4, 5-6, 8-9, 11-12...153 Tabela VIII: Comparação das variáveis categóricas DI, DL, DP, PR e RC entre as

finalizações...160 Tabela IX: Comparação da variável categórica finalização entre as estratégias...161 Tabela X: Comparação da variável categórica finalização entre os gêneros...164 Tabela XI: Camparação da variável categórica finalização entre as faixas etárias de 8-9 e 11-12...168

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1. INTRODUÇÃO

Apesar da frequente rigidez das normas, da diversidade dos controles e da severidade das punições, a indisciplina, a violência e os conflitos ainda são temas frequentes nas conversas de professores e, também, nos diversos meios de comunicação. Embora os problemas de convivência tenham sempre existido em qualquer grupo escolar, vive-se, atualmente, certo grau de alarmismo e de insegurança que não devem ser menosprezados.

Em uma cultura cada vez mais heterogênea, as relações humanas nas escolas são, também, cada vez mais complexas, e os pequenos conflitos e desavenças entre os alunos surgem com maior facilidade e frequência (VASCONCELOS, 2005; LEME, 2006; BIONDI, 2008). Essa situação, contudo, não é, em essência, nem positiva, nem negativa, mas pode vir a ser uma oportunidade para o enriquecimento e o desenvolvimento pessoal dos envolvidos. A maneira como os adultos responsáveis lidam com tais conflitos pode favorecer ou não essa aprendizagem.

Pesquisas demonstram que há um desenvolvimento nas causas dos conflitos, nas finalizações e nas estratégias de negociação empregadas pelas crianças e pelos jovens (SELMAN, 1980; LICCIARDI, 2010; VINHA e LICCIARDI, 2012; SILVA, 2015; OLIVEIRA, 2014). Indicam, também, que os profissionais da escola, muitas vezes, desconhecem esse processo de desenvolvimento e realizam intervenções que não são coerentes com tal enriquecimento, o que acaba por dificultá-lo, senão impedi-lo (VINHA, 2003; TOGNETTA e VINHA, 2007; VICENTIN, 2009).

O presente trabalho investigativo busca contribuir para a formação de professores sobre o tema, para que as escolas possam empregar melhores procedimentos de intervenção, baseadas em fundamentos teóricos e metodologias mais construtivas que contribuam efetivamente para que os alunos desenvolvam estratégias de resolução de conflitos mais justas, respeitosas e cooperativas em suas convivências

Especificamente, os objetivos são: identificar, nos conflitos entre os alunos de 11 e 12 anos, quais são os motivos mais frequentes geradores de desavenças, quais são as principais estratégias de negociação interpessoal empregadas e quais são as finalizações dos conflitos. Pretende-se, também, comparar se há diferenças entre as maneiras como os alunos de 11 e 12 anos julgam

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resolver os conflitos e os modos como eles os resolvem na prática, bem como comparar as causas, as estratégias, as finalizações e os juízos entre alunos de 8 e 9 anos com os de 11 e 12 anos.

Essa investigação, contudo, compartilha dos mesmos objetivos e recursos metodológicos do trabalho já realizado por Licciardi (2010), - cuja pesquisa priorizou os conflitos interpessoais entre as crianças de 3 e 4 anos e de 5 e 6 anos –, do trabalho da mesma autora com alunos de 8 e 9 anos (SILVA, 20151) e da pesquisa em andamento com os alunos de 13 e 14 anos (OLIVEIRA, 2014). Tais estudos, em conjunto, pertencem a um subgrupo2 do GEPEM (Grupo de Estudos em Educação Moral) sobre conflitos interpessoais e favorecerão a compreensão da evolução das características dos conflitos, configurando-se, por fim, em uma investigação maior, de caráter comparativo.

Para satisfazer aos objetivos da atual pesquisa, 62 alunos de duas escolas públicas do interior do estado de São Paulo foram observados em seus diversos momentos rotineiros da escola, em um total de 100 horas de observação em dias letivos consecutivos. Os procedimentos adotados para a coleta dos dados foram a observação sistemática e a entrevista clínica piagetiana. O critério para a interrupção das observações foi o de saturação. Após a realização da fase da observação, foram analisadas e categorizadas as causas, as estratégias e as finalizações dos conflitos entre os alunos. As principais causas encontradas foram destacadas e, então, histórias hipotéticas, a partir do que foi observado, foram elaboradas. Os 30% de alunos mais envolvidos nas situações de conflito em cada escola foram entrevistados individualmente, visando compreender como julgavam resolver os conflitos hipotéticos construídos.

Sem que se entre na velha discussão entre teoria e prática, mas acreditando-se que a teoria na prática não é outra, pois são indissociáveis e constitutivas, esse estudo parte do princípio de que é fundamental conhecer as vivências e os pensamentos dos jovens para fundamentar a prática de profissionais que, de alguma forma, estão envolvidos com a promoção de seu desenvolvimento, tornando esses educadores cada vez mais atuantes e eficazes em sua ação cotidiana. Para Göergen (2007), os alunos passam grande parte de sua vida na escola, o que a torna uma grande influenciadora na formação da sensibilidade, da maneira de pensar e de julgar, na forma de

1 Autora alterou seu sobrenome.

2 MARQUES, C. A. E.; OLIVEIRA, M. T. A.; SILVA, L. M. F.; VINHA, T. P. Causas, estratégias e finalizações de

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organizar seus conceitos e representações, de enraizar atitudes e comportamentos referentes a si e aos outros.

O texto ora apresentado não esgota, contudo, a complexidade do assunto, nem tampouco abarca todas as dimensões que envolvem o conflito interpessoal.

A parte teórica focaliza, de forma geral, a educação e a gestão de conflito entre pares, com algumas discussões imprescindíveis: no Capítulo 1, abordamos a adolescência e suas

características e, no Capítulo 2, as estratégias de resolução de conflitos, o papel da escola, a violência e, finalmente, outras variáveis contextuais e situacionais que, de alguma forma,

interferem na maneira como os indivíduos julgam e agem em situações de desacordos interpessoais. No Capítulo 3 há, ainda, uma discussão sobre as provocações entre pares, posto que essas são as evidências de conflito escolar mais relatadas pela literatura (AHO, 1998).

No Capítulo 4, é apresentado o método, incluindo o contexto da pesquisa, os problemas, os objetivos, a premissa, as características das escolas, os procedimentos de coleta e de análise dos dados.

Já no Capítulo 5, inicia-se a análise dos resultados encontrados por meio das sessões de observações e das entrevistas realizadas. As causas, as estratégias e as finalizações dos conflitos são analisadas, bem como são feitas as possíveis comparações entre os alunos de 8 e 9 anos com os de 11 e 12 anos. Há, ainda, a comparação entre o juízo e a ação dos alunos.

Esse último capítulo, em particular, contou com as sugestões do Prof. Dr. Robert L. Selman, que me recebeu durante o período do estágio de doutorado sanduíche na Harvard Graduate School of Education (de agosto a novembro de 2014). Além do esclarecimento de dúvidas teóricas e da discussão de alguns pontos da análise dos resultados com o Prof. Selman, tive, ainda, o privilégio do acesso aos materiais disponibilizados pela biblioteca daquela Universidade e a alguns programas educacionais específicos sobre o desenvolvimento de competência sociais em alunos de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.

Por fim, segundo a perspectiva teórica piagetiana aqui adotada, vale ressaltar que é, sim, função da escola contribuir para o desenvolvimento integral dos alunos, facilitando-lhes a aquisição de novos conhecimentos ou valores, desenvolvendo sua inteligência e convertendo-os em adultos autônomos, tanto no âmbito cognitivo, como no moral. Entre as habilidades envolvidas nessa evolução moral, está justamente a capacidade de negociação e de conciliação diante das desavenças interpessoais.

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Também merece destaque, nesse momento, o estudo realizado pela Fundação Victor Civita e pela Fundação Carlos Chagas em 2012, acerca dos desafios dos anos finais do Ensino Fundamental3, que salienta a escassez de estudos no campo da Educação enfocando, especificamente, esse período da vida escolar (de 11 a 14 anos) – que engloba, justamente, a faixa etária selecionada pela presente pesquisa. Acrescenta-se a isso, a formação incompleta dos professores especialistas que ministram aulas do 6° ao 9° ano. Os dados da pesquisa supracitada sinalizam, ainda, que as discussões nos cursos de licenciatura são distantes das questões práticas, de ordem pedagógica, afetiva e social, que afetam meninos e meninas nesse período escolar. Os professores, quase sempre, se atêm mais aos conteúdos de suas disciplinas do que às particularidades do desenvolvimento desses estudantes.

A relevância da discussão aqui proposta inclui, então, a possibilidade de contribuir com a formação dos educadores desses adolescentes, para que as escolas sejam efetivamente espaços para que a tolerância e o respeito nas relações interpessoais possam ser forjados. Acima de tudo, acredita-se que uma sociedade mais justa e pacífica é um intento real e que a escola possui uma grande influência nessa transformação por ser o espaço privilegiado em que os jovens podem aprender a viver e a conviver.

3 Edição especial da Revista Nova Escola sobre a pesquisa da Fundação Victor Civita (FVC): Anos Finais do Ensino

Fundamental: Aproximando-se da Configuração Atual, realizada pela Fundação Carlos Chagas (FCC) e concluída em julho de 2012.

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2.

UM DESTAQUE PARA A ADOLESCÊNCIA

“Possuo coragem grande, sinto-me sempre forte, como se suportasse muita coisa; sinto-me tão livre e jovem!... E continuo a tentar encontrar a maneira de ser como desejo ser...”

(Anne Frank)

O mundo está mais jovem. O número de pessoas entre 14 e 21 anos nunca foi tão grande, de acordo com relatório da Organização das Nações Unidas. São mais de um bilhão distribuídos pelos cinco continentes (CLAUDON, 2009). Segundo as recentes estimativas populacionais, para o ano de 2011, o Brasil contava com um contingente de 34,5 milhões de jovens, o que representa 18% do total dos 192,3 milhões de habitantes (WALSELFISZ, 2013).

Os jovens também têm tido cada vez mais espaço na mídia, no meio educacional, no poder público e no imaginário social, havendo, inclusive, um consenso em torno da imagem da juventude como fonte de preocupação para a população. É notável como o aumento da criminalidade, em geral, coincide com a diminuição da idade dos autores. Ocorrências de maus tratos, desrespeito, intimidação e ameaças são frequentes e envolvem cada vez mais os adolescentes. (VICENTIN, 2009; CORTI e SOUZA, 2005; BARBER-MADDEN e SABER, 2009).

Um estudo da ANDI – Comunicação e Direitos4 confirma essa perspectiva. Quando se analisam todas as matérias publicadas por 53 jornais diários das diversas regiões do País em 2009, que mencionaram explicitamente os termos adolescente e adolescência, ou focaram as idades entre 12 e 17 anos, por exemplo, o tópico mais abordado foi a violência. Para essa faixa etária, o foco nos atos violentos supera a atenção dada à educação que, historicamente, foi o assunto de maior interesse da mídia ao abarcar questões relacionadas às crianças e adolescentes (UNICEF, 2011).

Vale esclarecer, entretanto, que, se é verdade que os jovens aparecem entre os mais frequentes autores da violência, também é verdade que representam o grupo social mais afetado por ela.

Ao vislumbrar o mapa da violência no Brasil, especialmente sobre a juventude, discute-se que os jovens brasileiros, principalmente os de 15 a 24 anos, são atualmente a parcela da sociedade mais exposta à violência, quer como vítimas, quer como autores. Barber-Madden e Saber (2009),

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em um panorama sobre a situação do jovem no mundo, também resumem que a violência perpetrada hoje é marcadamente cometida por jovens e contra os jovens. Aliás, os avanços da violência homicida no Brasil das últimas décadas tiveram como motor a morte de jovens.

Um estudo5, com base em dados de 2012, produzido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República em conjunto com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Observatório de Favelas e o Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LAV-UERJ) estima que mais de 42 mil adolescentes (12 a 18 anos) poderão ser assassinados nas cidades com mais de 100 mil habitantes entre 2013 e 2019.

Em 2002, a Organização Mundial da Saúde, em seu relatório mundial sobre violência e saúde, definiu especificamente o termo violência como:

o uso da força física ou do poder real ou em ameaça diante de um conflito, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação (IBGE, 20126, p.66).

Para Walselfisz (2013), a cultura da violência é muito forte no Brasil, a capacidade de negociação dos conflitos é baixa e a violência é extremamente utilizada para a solução dos problemas. Para o autor, a maioria dos homicídios não está relacionada à droga, mas, sim, a essa cultura. São crimes banais e o Estado não cumpre seu papel de preservar os setores da sociedade mais vulneráveis, que são: os jovens e as mulheres moradores de periferia dos grandes centros urbanos.

Alguns outros índices ajudam a contextualizar ainda mais a vida da população jovem brasileira. Segundo os dados do IBGE de 2012, nas regiões sul e sudeste do país, 13,3% e 12,9%, respectivamente, das adolescentes mulheres se disseram vítimas de agressão física praticada por alguém da família ao menos uma vez, nos 30 dias anteriores à pesquisa. O UNICEF (2011) aponta que os adolescentes homens brasileiros estão mais sujeitos à exclusão no sistema educacional e à violência. Já, as meninas, são especialmente vulneráveis à exploração e ao abuso sexual, ao abandono da escola em razão de gravidez precoce e às doenças sexualmente transmissíveis.

Ademais, é crescente a repercussão da ideia de que as escolas também estão se tornando territórios de frequentes manifestações de caráter violento.

5 http://oglobo.globo.com/brasil/mais-de-42-mil-adolescentes-podem-ser-assassinados-entre-2013-2019. Data de

acesso: 28/01/2015

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Segundo o Gepem (2014), tais manifestações referem-se à imposição de um esquema de domínio-submissão, incluindo danos à dignidade pessoal, emprego da força para causar dano e atentado à integridade física-moral-psicológica. Podem, ainda, ser classificadas como: 1) violência dura – ações reguladas pelo código penal -, 2) violência branda – ações que também atacam a lei, mas com menor gravidade -, 3) agressão reativa – caracterizada mais pela impulsividade, ou pela falta de controle das emoções, do que pela intenção de agredir -, e 4) bullying – esquema recorrente de domínio-submissão entre pares.

Em 2012, os resultados do IBGE com alunos do 9° ano mostraram que, no país, a proporção de estudantes que deixaram de ir à escola, nos 30 dias anteriores à pesquisa, por não se sentirem seguros no caminho de casa para a escola ou da escola para casa, foi de 8,8%.

Já, os resultados de 2010 (relativos ao ano de 2009) da pesquisa sobre violência nas escolas públicas do Estado de São Paulo do Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério do Estado de São Paulo (UDEMO)7, apontam que em 84% das escolas pesquisadas ocorreu algum

tipo de violência em 2009. Especificamente, 86% dessas escolas vivenciaram brigas (agressão física entre alunos), sendo que 44,2% delas presenciaram acima de 12 ocorrências no ano. Uma pesquisa mais recente realizada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP) e pelo Instituto Data Popular (2013)8 com 1.400 docentes de escolas estaduais de São Paulo também ratifica o mesmo cenário do estudo supracitado e revela que 57% dos professores consideram as escolas em que atuam um espaço violento e que tanto os alunos (83%), quanto os professores (44%), são vítimas da violência escolar.

No entanto, a violência dura na escola, como o homicídio, ou o abuso sexual, por exemplo, é substancialmente rara e os índices são decrescentes. Alguns dados do Ministério da Educação (MEC) de 2007 e de 20119 com mais de 400.000 professores de Língua Portuguesa e Matemática que dão aulas para alunos de 5° e 9° anos do Ensino Fundamental confirmam essa conclusão. Em 2007, 2,3% dos professores afirmaram terem sido agredidos fisicamente por estudantes dentro de colégios, contra 1,9% em 2011. Também em 2007, 1,14% relataram que viram alunos frequentarem a escola portando arma de fogo e, em 2011, 0,85%. Por fim, em 2007, 5,17% dos professores

7 Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério do Estado de São Paulo. Pesquisa disponível no site:

www.udemo.org.br

8

http://www.apeoesp.org.br/publicacoes/observatorio-da-violencia/caderno-violencia-nas-escolas-analise-da-pesquisa/. Data de acesso: 20/01/14

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relataram que houve casos de alunos que entraram na escola com facas e canivetes, e, em 2011, esse índice caiu para 4,04%.

O que realmente é habitual na reclamação dos educadores que trabalham com adolescentes são as frequentes e recorrentes atitudes de desordem, desinteresse acadêmico, insulto, humilhação, difamação, violação de equipamentos públicos e privados, assim como transgressão às regras do espaço utilizado. Se existem menos “crimes de sangue”, existem mais pequenas violências cotidianas e contínuas manifestações perturbadoras ou indisciplinadas (ABRAMOVAY e RUA, 2002; DEBARBIEUX, 2006; VICENTIN, 2009; GEPEM 2014).

Dentre essas manifestações perturbadoras ou indisciplinadas estão as incivilidades, também, chamadas de microviolências ou pequenas agressões do cotidiano, que se repetem constantemente. A incivilidade não contradiz a lei, nem o regimento interno do estabelecimento, mas as regras de boa convivência e de boas maneiras. Rompe, assim, com o que pode estar sendo esperado como boa conduta social e incomoda mais pela intensidade e frequência do que pela gravidade (exemplos: andanças pela sala, importunações aos outros, cochichos, falta de pontualidade, conversa à margem do que se está tratando em classe, entretenimento com objetos impróprios para a atividade proposta e momento e outras atitudes, como levantar, jogar objetos, gargalhar, gritar, demonstrar indiferença, interromper a aula, entre outros) (GARCIA, 2006; DEBARBIEUX, 2006; GEPEM, 2014).

Entretanto, Vicentin (2009) relembra que as queixas não se restringem à área educacional, mas também à familiar ou a qualquer outro espaço em que os jovens estão inseridos. Camacho (2001) e Sposito (2001) ainda acrescentam que, embora a violência no mundo contemporâneo esteja presente em toda a sociedade, nos mais diversos espaços, classes sociais, faixas etárias e épocas, destaca-se o crescimento de práticas violentas entre os jovens de classes médias e altas nos seus diferentes espaços de atuação: na família, na escola ou na rua.

Enquanto esse é o cenário de muitos adolescentes, outra cena cotidiana bastante frequente diz respeito a jovens brasileiros que não se envolvem em conflitos aparentes, pois se submetem às ideias dos outros, com reações de conformismo e apatia, empregando estratégias submissas na resolução de seus conflitos (VICENTIN, 2009; CARINA, 2008; CARINA E MANTOVANI DE ASSIS, 2011).

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Essa diversidade, que evidencia o quão árdua é a compreensão do universo do adolescente, é decorrente, em grande instância, do fato de que o conceito de adolescência incorpora uma ideia de multiplicidade de transformações e de composições melhor esclarecidas a seguir.

2.1 Significados e perspectiva histórica

Veloso-Besio (2010) esclarece que a adolescência é um tempo de experimentação de mudanças significativas na personalidade que envolve, essencialmente, a definição da identidade, o desenvolvimento de um projeto de vida e as dificuldades nas tomadas de decisão a respeito da vida escolar e das relações interpessoais. Osório (1989) destaca que a principal crise evolutiva da adolescência é, sobretudo, a aquisição desse sentimento de identidade pessoal: o que eu penso que sou, o que os outros pensam que sou e o que eu penso que os outros pensam que sou. Todas essas mudanças, segundo Veloso-Besio (2010), podem gerar uma situação de angústia que leva a comportamentos mais ou menos adaptáveis ou com maior ou menor vulnerabilidade, dependendo da presença de habilidades psicossociais e de estratégias de enfrentamento para responder a tais demandas.

Para aprofundar a compreensão do fenômeno da adolescência, fazem-se necessárias algumas reflexões sobre o que é essa fase da vida que propicia experiências semelhantes às pessoas nelas envolvidas, incluindo, também, uma retomada da construção histórica desse conceito.

Adolescência deriva do verbo latino adolecere, que significa crescer ou crescer até a maturidade (MUUSS, 1976). A Organização Mundial de Saúde entende que a adolescência constitui um processo ligado às transformações físicas e psíquicas do indivíduo e que vai dos 10 aos 19 anos de idade, abrangendo a pré-adolescência (10 a 14 anos) e a adolescência propriamente dita (15 a 19 anos) (CORTI e SOUZA, 2005). Já no Estatuto da Criança e do Adolescente10, o termo adolescência é definido como a fase que vai dos 11 aos 18 anos incompletos, sendo o período imediatamente posterior à infância, delimitação aqui também aceita.

Palácios (1995) assinala, ainda, uma importante distinção conceitual entre dois termos: puberdade e adolescência. A primeira é entendida como um fenômeno biológico, de mudanças

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hormonais que transformam o corpo infantil e, portanto, de maturação humana universal. Já, a adolescência, é considerada como um período psicossociológico, não necessariamente universal, mas com elementos caracterizadores específicos, assim como nas demais etapas do desenvolvimento. Ao delinear o mecanismo para explicar o conhecimento e sua construção gradativa ao longo da vida, Inhelder e Piaget (1976) apresentam como marca da adolescência a integração dos indivíduos ao universo social adulto e retomam que esta integração pode coincidir ou não com a puberdade. A puberdade aparece mais ou menos na mesma idade em todas as etnias e em todas as sociedades, já a integração na sociedade dos adultos, ao contrário, varia consideravelmente em diferentes ambientes sociais e em diversificadas culturas.

Precisamente, os autores apontam que essa integração pressupõe um indivíduo que, diferentemente do que ocorre com a criança - que se sente subordinada -, começa a considerar-se como semelhante aos adultos e julgá-los em um nível de igualdade e de reciprocidade. Ademais, o adolescente começa a pensar no futuro, a ter um projeto de vida, procurando introduzir-se e introduzir seu trabalho atual ou futuro na sociedade dos adultos. Por esse motivo, propõe-se, também, a reformar a sociedade em que vive, buscando garantir, ao mesmo tempo, mais êxito que seus antecessores. Em muitos casos, entretanto, percebe-se um programa de ação reformador com uma ambição ingênua e, até mesmo, desmedida e inacessível. Aparece, em decorrência disso, uma forma de egocentrismo de pensamento diferenciada da encontrada na criança, que é simplesmente representativa, mas sem reflexão.

Além de um aspecto intelectual, Piaget (1964-2006) afirma que o egocentrismo na adolescência envolve claramente uma questão afetiva: se as crianças possuem um sentimento de inferioridade aos adultos e os imitam, o adolescente se sentirá como um igual, porém querendo ultrapassá-los e surpreendê-los, transformando o mundo. É por isso, segundo o autor, que os planos de vida dos adolescentes “por uma parte, estão cheios de sentimentos generosos, de projetos altruístas ou de fervor místico, e, por outra, são inquietantes por sua megalomania e seu egocentrismo consciente” (p. 102). O egocentrismo adolescente caracteriza-se, assim, para Flavell (1981), por uma espécie de idealismo ingênuo ou de uma onipotência de pensamento, própria de todo egocentrismo.

Inhelder e Piaget (1976, p. 256), acrescentam que o “egocentrismo é uma indiferenciação que ignora a multiplicidade das perspectivas”. Woolfolk (2000), contudo, exemplifica que, diferentemente das crianças pequenas egocêntricas, os adolescentes não negam que as outras

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pessoas tenham percepções ou crenças diferentes, apenas se tornam muito centrados em suas próprias ideias. Também refletem sobre o pensamento dos outros, mas com frequência pressupõem que todos estão interessados em seus pensamentos, sentimentos e comportamentos, o que pode levar à sensação, comum no início da adolescência, de se estar “sob os refletores”, ou seja, que todos os estão observando e analisando. Coleman (2011) também chama a atenção para esse fenômeno típico dos adolescentes de criar uma “audiência imaginária”. A premissa é a de que os outros são tão críticos ou admiradores de sua pessoa quanto ele próprio o é. Então, os adolescentes vivem constantemente construindo e reagindo a uma audiência imaginada por eles, o que explica alguns comportamentos peculiares, tais como: o desejo por privacidade, a preocupação com as roupas ou as horas gastas em frente ao espelho. Outro aspecto levantado pelo autor acerca do egocentrismo adolescente é conhecido como “fábula pessoal”. Inclui fantasias de onipotência, de imortalidade, além de interesses e sentimentos exagerados de ser alguém muito especial e único.

O adolescente passa, portanto, por uma fase em que atribui um poder ilimitado ao seu pensamento, que é capaz de modificar a realidade em um futuro muito mais glorioso. De maneiras variadas (por meio de teorias políticas ou sociais, literárias ou estéticas, científicas ou pseudocientíficas, religiosas ou filosóficas, etc.), o adolescente tem suas ideias próprias, que acredita terem sido criadas por ele, que o libertam da infância e lhe permitem colocar-se em um nível de igualdade ao adulto. Essa integração ao mundo adulto é, necessariamente, complementar à formação efetiva de uma personalidade (INHELDER e PIAGET, 1976).

No entanto, ao efetivamente empreender um trabalho, é que o adolescente se torna adulto e se transforma de um idealizador em um realizador. A tendência em se reunir em grupos com seus semelhantes também é de fundamental importância: “é principalmente nas discussões com os colegas que o criador de teorias frequentemente descobre, pela crítica às teorias dos outros, a fragilidade das suas” (INHELDER e PIAGET, 1976, p.257).

Como acontece em outras transições do ciclo vital, há elementos do passado que se conservam e novos elementos que surgem ou que precisam ser construídos.

Em termos das conservações e construções das capacidades cognitivas, especificamente, Palacios (1995) retoma que, para Piaget, por exemplo, a adolescência marca o ingresso ao pensamento formal (por volta dos 11 e 12 anos), um novo e superior estilo de pensamento que se caracteriza por estender, à esfera da abstração, a lógica que a criança já tinha desenvolvido para dar razão aos fatos e acontecimentos concretos e observáveis. Segundo Piaget (1964-2006), as

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conquistas próprias da adolescência asseguram ao pensamento e à afetividade um equilíbrio superior ao que existia nas faixas etárias anteriores.

Para Piaget (1964-2006), o adolescente se distingue da criança, sobretudo, por meio de uma reflexão que ultrapassa o presente, característica fundamental do caráter hipotético-dedutivo do pensamento formal. Parra (1983) acrescenta que, enquanto a criança do período anterior se limita apenas às operações concretas de classes, relações e números, o adolescente é capaz de levantar hipóteses; pensar em termos proposicionais (permitindo unir, logicamente, proposições, algumas só admissíveis como um exercício mental); isolar variáveis em um problema, mantendo iguais todas as outras; analisar combinatoriamente essas variáveis, garantindo a comprovação de todas elas e, por fim, raciocinar em termos de proporção.

Além do mais, o adolescente é o indivíduo que, embora diante de situações vividas e reais, consegue considerar possibilidades, refletir sobre seus pensamentos (pensamento autorreflexivo), ou seja, é o indivíduo que começa a construir sistemas ou teorias. O fato de que essas teorias sejam limitadas, inadequadas e, principalmente, pouco originais não tem importância do ponto de vista funcional, posto que tais sistemas permitem ao adolescente sua integração moral e intelectual na sociedade dos adultos (PIAGET,1964-2006).

Inhelder e Piaget (1976) ainda ressaltam que tanto o aparecimento do pensamento formal, quanto à idade da adolescência em geral, isto é, a integração do indivíduo na sociedade adulta, dependem de fatores sociais e culturais. No entanto, vale destacar que, nessa perspectiva, a sociedade não atua por simples influência externa sobre os indivíduos e que estes não são, nem com relação ao ambiente social e nem com relação ao físico, meras tábulas rasas nas quais as coerções produziriam conhecimentos já estruturados. Para que o meio social atue realmente sobre os cérebros, é preciso que “estes estejam em condições de assimilar as contribuições desse meio, e voltamos à necessidade de uma maturação suficiente dos instrumentos cerebrais individuais” (p. 251).

A despeito das definições, convenções e características normativas apresentadas, vale ressaltar que a ideia do que hoje se concebe como adolescência, demorou a se constituir. Aliás, aprofundar-se na discussão das mudanças do significado da adolescência ao longo dos tempos é uma tarefa inevitável para quem objetiva compartilhar de seu cuidado.

Todas as sociedades, em diferentes períodos históricos, estabeleceram suas classificações e distinções entre as fases da vida. Na Idade Média, por exemplo, segundo Grossman (2010), não

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existia um acordo sobre a especificidade das crianças, e o crescimento era definido como aumento quantitativo dos aspectos físicos e mentais.

O historiador francês Ariès (1981) aponta que, nesse período, as crianças eram consideradas como mini-adultos e confundiam-se a eles tão logo fossem consideradas capazes de ter alguma independência das figuras maternas, aproximadamente aos 7 anos de idade. A partir desse momento, ingressavam imediatamente no mundo adulto, compartilhando das atividades sociais.

As evidentes especificidades da condição juvenil, entretanto, começaram a ser mais bem delineadas no século XIX, evidenciando-se, ao longo desses anos, como uma fase de potenciais riscos. Não existia, contudo, uma cultura adolescente, nem a adolescência era considerada como uma fase particular do desenvolvimento. Tais traços foram consolidados apenas no século XX e difundidos amplamente na sua segunda metade (PALACIOS, 1995; CORTI e SOUZA, 2005; GROSSMAN, 2010).

Segundo Grossman (2010), o século XX construiu e consolidou a ideia da adolescência como uma etapa da vida com características próprias, possuidora de um estatuto legal e social. Ariès (1981) ainda aponta que somente neste período aparecem, pela primeira vez, expressões que demarcam o adolescente moderno típico, ou seja, uma mistura de pureza (provisória), de força física, de naturismo, de espontaneidade e de alegria de viver, características essas que fariam do adolescente o herói do século XX.

O autor complementa que a consciência da juventude tornou-se um fenômeno geral e banal após a Primeira Guerra Mundial, em que os combatentes de frente se opuseram em massa às velhas gerações de retaguarda. Daí em diante, a adolescência se expandiria, impulsionando a infância para trás e a maturidade para frente.

As sociedades contemporâneas, por sua vez, são fortemente caracterizadas pelo dinamismo e pela transformação, o que provoca constantes alterações na percepção social da juventude e na vivência dessa condição.

Vive-se, atualmente, uma condição de aceleração do tempo, de alargamento do espaço e de movimentação humana sem precedentes. Outro atributo forte da sociedade contemporânea é a descartabilidade associada à pressão pelo consumismo, que potencializa consideravelmente a brevidade e a instabilidade dos vínculos e contatos sociais (JUSTO, 2005). Este autor exemplifica uma influência bastante evidente dessa descartabilidade ao apresentar a configuração do “ficar” ou do “pegar” entre os adolescentes: trata-se de um tipo de relacionamento afetivo bastante popular,

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principalmente entre os jovens, e que obedece à mesma lógica social e histórica: é breve, passageiro, imediatista, volátil e descompromissado.

Paralelamente, com a difusão social contemporânea do culto à aparência, à beleza e à erotização, Salles (2005) aponta que o jovem tem-se tornado modelo para as diferentes faixas etárias, havendo, inclusive, uma necessidade de conservação da juventude. Em outras palavras, as crianças, cada vez mais cedo, começam a se autodefinir como pré-adolescentes e o envelhecimento, por sua vez, tende a ser postergado a todo custo.

Em consonância com as características descritas, Couto (1999) traz algumas tendências dos adolescentes do Mercosul, a partir de um estudo conduzido pela agência Comunicação e Marketing com 460 pais, professores e adolescentes brasileiros e argentinos. Os jovens brasileiros, em especial, apresentam grande poder nas decisões familiares, além de serem ferrenhos críticos acerca da vida parental no que se refere, por exemplo, à qualidade de vida, realização pessoal, hábitos e taxas de prazer. Como efeito, os jovens têm cada vez menos pressa em sair de casa (fenômeno da casa-ninho), postergando o contato com o mundo adulto para depois dos 25 anos. Outra tendência refere-se à contestação: eles não aceitam uma moral imposta e comportamentos padrões instituídos, ou seja, querem ser os protagonistas da sua própria história. Em consonância com o egocentrismo adolescente anunciado por Piaget, Couto (1999) também encontrou que o jovem brasileiro é essencialmente voltado para si, soberbo com seu próprio “eu”. Seu lema inclui: a vida deve ser vivida plenamente, e a felicidade está em aproveitar o presente e em respeitar-se, indicando um forte componente hedonista. O prazer é o que vai definir, por exemplo, a escolha e o crescimento profissional e pessoal.

Explorando um pouco mais o “fenômeno da casa-ninho” encontrado nos jovens brasileiros, ressalta-se que, atualmente, principalmente nos países europeus, essa extensão da juventude está bastante solidificada socialmente, inclusive com a criação de políticas públicas específicas (PALACIOS, 1995; CORTI e SOUZA, 2005; SALLES, 2005).

Para Salles (2005), além do prolongamento da adolescência - principalmente nas camadas de nível socioeconômico médio da população –, e do elevado nível de consumo já apontado, algumas outras dimensões caracterizam a adolescência na sociedade atual, como o acesso ilimitado à informação, além de uma cultura predominante de se evitar conflitos, de suavizar o que pode ser penoso, o que vai ao encontro do forte componente hedonista também encontrado nas tendências apresentadas por Couto (1999).

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A própria concepção bastante difundida de que a adolescência favorece um aumento geral nos conflitos com os genitores é questionada em um estudo longitudinal de Galambos e Almeida (1992) com 80 famílias canadenses. Segundo os autores, os conflitos em domínios específicos podem apresentar, inclusive, uma diminuição quando relacionados, por exemplo, a temas como: tarefas domésticas (arrumar o quarto, por exemplo), aparência (que roupas usar) e falta de polidez (fazer muito barulho em casa). O aumento de conflitos com os genitores ficou restrito à dimensão das finanças (quantidade de dinheiro gasto).

Couto (1999) também aponta que houve uma renovação no conceito de casa e de família. Para a autora, os conflitos internos foram reduzidos e a casa se tornou um espaço mais aconchegante para o adolescente, principalmente com o uso das tecnologias modernas, enquanto que o mundo externo encontra-se cada vez mais amedrontador devido à violência urbana. La Taille (2006) e Tardeli et al. (2012) também reforçam a tendência de que os jovens percebem o espaço público como cada vez mais ameaçador e agressivo, uma vez que consideram que no mundo há mais adversários do que amigos.

Considerando todo esse dinamismo contemporâneo, o que se concebe é que as características psicodinâmicas que configuram o processo da adolescência, tal como foi descrita, estão vinculadas a fenômenos sociais e culturais recentes da história humana ocidental. Isso implica que não há como negar que diferentes jovens apresentam histórias evolutivas e experiências muito distintas na adolescência.

Contudo, segundo Osório (1989) e Fierros (1995), em qualquer sociedade, em algum sentido, com alguma duração e com características socialmente determinadas, existe adolescência, ou seja, existe um período, mais ou menos longo, de desenvolvimento psicossocial da pessoa em torno da puberdade.

2.2 As dimensões biológica e social

Praticamente todas as partes do corpo são afetadas pelas mudanças que ocorrem durante esse período que geralmente começa aos 9 ou 10 anos. Além do desenvolvimento do sistema reprodutor e do aparecimento das características sexuais secundárias, há, também, outras alterações: no

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funcionamento do coração, no sistema cardiovascular, no sistema respiratório, no tamanho e na força de muitos músculos (COLEMAN, 2011).

Sabe-se, por exemplo, que a adolescência contempla intensas transformações cerebrais, que faz com que o sujeito sinta necessidade de criar coisas novas e de aprender. Outras modificações em regiões do córtex que estão relacionadas com o raciocínio e a memória oferecem aos adolescentes uma enorme capacidade, por exemplo, de lidar com informações diversas (UNICEF, 2011).

A neurocientista Herculano-Housel (2009) acrescenta que a adolescência é um novo período de transformações do cérebro, que começa com uma fase de muitas conexões entre os neurônios, seguida de uma fase de eliminação das conexões que não são mais úteis. A perda de sensibilização do sistema de recompensa colabora com os sinais mais característicos dessa fase: o tédio, a perda de interesse pelas brincadeiras da infância, a impaciência, o gosto por riscos e a busca de novidades. O hipotálamo comanda a produção de hormônios sexuais e torna-se sensível a eles, permitindo ao cérebro descobrir o ato sexual. Principalmente no início da adolescência, há uma intensa mudança na representação do corpo no cérebro. O córtex pré-frontal amadurece e passa a permitir o raciocínio abstrato, melhora a memória e a concentração e começa a permitir o controle de impulsos. O córtex órbito-frontal somente amadurece no final da adolescência e possivelmente permite, só então, o raciocínio consequente, ou seja, aquele que leva à antecipação dos arrependimentos. O circuito social, por sua vez, somente amadurece no final da adolescência, dependendo da qualidade das experiências vividas. Esse circuito, por sua vez, permite que o adolescente se torne uma pessoa plenamente sociável, empática, solidária, capaz de se colocar no lugar dos outros e usar essa informação na hora de agir.

Como visto, o cérebro adolescente passa por um novo longo período de remodelagem e aprendizado, cujo resultado ansiado é um sujeito, em tese, independente, responsável e bem inserido socialmente.

Coleman (2011) também destaca que, durante a adolescência, há uma eliminação de sinapses ou conexões neuronais desnecessárias. Contudo, muitas outras sinapses são construídas, sendo esse processo um elemento essencial ao desenvolvimento cerebral e à melhora no processamento de informações. Essa transformação ocorre em várias partes do cérebro, mas particularmente na adolescência, atinge o córtex pré-frontal, a área do cérebro responsável pelo funcionamento cognitivo. Há, também, um aumento da conectividade entre o córtex pré-frontal e outras partes do

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cérebro, o que permite avanços na qualidade do pensamento e da razão. Outra grande mudança refere-se ao sistema límbico e aos neurotransmissores dessa região do cérebro. O sistema límbico é responsável pelo processamento de informações relacionadas às emoções e é justamente devido a essas mudanças, que os adolescentes são geralmente excessivamente emotivos ou facilmente afetados pelo stress. As mudanças no sistema límbico são responsáveis, também, pela necessidade do adolescente pela busca de sensações novas e pela tendência às atividades de risco.

O autor também cita, a partir dos conhecimentos acerca do processamento de informações, cinco áreas gerais que apresentam um aperfeiçoamento significativo durante esse estágio do desenvolvimento: a atenção seletiva, a memória de trabalho, a velocidade do processamento cerebral, as estratégias de organização e a meta-cognição (capacidade de pensar sobre o próprio pensamento). No entanto, Moshman (2005) recusa uma visão biológica determinística de que os genes influenciam diretamente o cérebro que, por sua vez, influencia diretamente o comportamento individual. O autor reforça que a qualidade das mudanças cerebrais e da maturação biológica são, em grande parte, resultados das experiências de ações e de reflexões.

Considerando, especificamente, a dimensão social da adolescência, Vicentin (2009); Gorrese e Ruggieri (2012); Serrano e Guzman (2011) são alguns dos autores que demarcam alguns sinais nas relações interpessoais vivenciadas: o foco prioritário de identificação na família durante a infância passa, na adolescência, para o grupo de pares (e, depois, para o relacionamento amoroso) e os agrupamentos deixam de acontecer com pessoas do mesmo sexo, passando a ser prioritariamente mistos, principalmente como fruto da exacerbação da sexualidade.

Gorrese e Ruggieri (2012) ainda acrescentam que as relações de apego entre os pares na adolescência mudam drasticamente daquelas vividas durante a infância em várias questões: há um aumento da energia dispendida nas relações, uma potencialização da sexualidade e, por fim, um aumento da capacidade mútua de proporcionar conforto ao outro nos relacionamentos. Coleman (2011) também apresenta dois autores - Aboud (1999) e Cotterell (2007) -, que descrevem alguns elementos chaves da função da amizade na adolescência, tais como: o companheirismo, a intimidade, a disponibilidade, a lealdade, a confiança, a assistência e a segurança emocional.

Embora não haja um padrão específico que caracterize uma boa amizade, Poe e Johnston (1993) apontam que as amizades mais próximas durante a adolescência frequentemente possuem certos aspectos que as distinguem de outros tipos de relacionamento, como por exemplo, entre colegas. Bons amigos gostam de estar juntos, falam e escutam um ao outro, respeitam-se

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mutuamente, se apoiam, são leais, confiam e são honestos, se perdoam e, por fim, nutrem um sentimento de amor que é diferente do amor familiar – porque os amigos se escolhem -, e diferente, também, do amor romântico – porque o relacionamento não é baseado em uma intimidade sexual.

Embora as amizades diádicas ou binárias ainda existam, Papalia et al. (2009) apontam que as “panelinhas” – grupos estruturados de amigos que fazem coisas juntos -, tornam-se cada vez mais importantes. Um terceiro e mais amplo tipo de agrupamento presente na adolescência são as turmas, que são baseadas não nas interações pessoais, mas na reputação, imagem ou identidade. Ainda sobre a dinâmica das amizades na adolescência, Coleman (2011) assinala que é geralmente no início da adolescência que as necessidades pessoais e as pressões sociais direcionam os jovens a participar de pelo menos um grupo de amizade. O autor cita o estudo de Ryan em 2001, que demonstra que 75% dos adolescentes de 13 anos pertencem a grupos de amigos, estando esse fator altamente relacionado à qualidade da autoestima e ao desenvolvimento da identidade.

Além do pertencimento a um grupo, ser considerado popular é um valor de particular importância na adolescência. Segundo Coleman (2011), os populares são aqueles que exercem certa liderança e são admirados perante seus pares. Embora haja, logicamente, diferentes padrões, o porte atlético para os meninos e a atratividade física para as meninas são aspectos frequentemente relevantes ao se determinar uma popularidade. O autor acrescenta que é justamente no início da adolescência que a influência e a conformidade às normas do grupo são mais fortes. A aceitação ou a rejeição são preocupações comuns dos jovens nessa idade, o que os torna mais suscetíveis às pressões grupais.

Fica evidente, assim, que na adolescência, o envolvimento com os pares ganha um papel ímpar, servindo como base de apoio social e de proximidade afetiva. Oberle et al.(2010) realçam que, especialmente na adolescência, existe uma intensificação do privilégio do lugar dos amigos, que tem importância central no desenvolvimento tanto acadêmico, como no funcionamento social e no bem-estar psicológico. Esse privilégio, contudo, segundo Papalia et al. (2009), é mais forte no início da adolescência, atingindo seu apogeu entre doze e treze anos, aproximadamente.

Rappaport et al. (1982) e Osorio (1989) destacam, ainda, que o grupo de iguais – e não mais os pais ou outros adultos relacionados a esses, como os professores e outros familiares em geral - atua justamente como continente para as ansiedades existenciais do jovem. Ampliando, então, a discussão para o campo da saúde psicológica, Campos e Marturano (2003) também sugerem que, em uma ampla gama de pontos de vista, as relações interpessoais têm uma função fundamental na

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etiologia, manutenção, prevenção e remediação de distúrbios socioemocionais. Os autores afirmam que pessoas competentes no domínio interpessoal têm maior probabilidade de manter e mobilizar redes de relacionamentos que lhes deem suporte nos momentos difíceis, propiciando, por exemplo, trajetórias mais positivas na transição entre a meninice e a adolescência. Especificamente, o estudo demonstrou associação entre competência interpessoal na meninice e melhor ajustamento global na adolescência, nomeadamente em três domínios analisados: ajustamento comportamental, desempenho acadêmico e autopercepção.

Gorrese e Ruggieri (2012) também ressaltam que, especificamente, durante o período que engloba o final da infância e o início da adolescência, os sistemas de apego e as representações sociais das pessoas e das relações interpessoais mudam drasticamente. O mundo social do adolescente se expande e passa a incluir os pares, os parceiros amorosos e o grupo social, configurando, portanto, uma progressiva diferenciação e diversificação do sistema comportamental de apego. Para Selman, et. al. (1986) e Chung (2011), isso é devido ao elevado potencial de intimidade com amigos em detrimento da com os pais durante esse período, especialmente entre as meninas.

Uma pesquisa da UNESCO - “Cotidiano das Escolas: entre violências”, 2003/2004 -, retrata o quanto os pares têm um lugar privilegiado na vida dos jovens (Ensino Fundamental II e Médio). Do total de 9.744 alunos pesquisados, cerca de 45% deles, quando têm problemas, optam por trocar confidências com um amigo na escola. Vale ainda destacar que quase um terço deles (28%) ainda busca as amizades consolidadas fora do ambiente escolar.

Aliás, a intensidade, a importância e a quantidade de tempo gasta com amigos são, provavelmente, maiores na adolescência do que em qualquer outra etapa da vida.

Selman (1980), referência no que se refere ao desenvolvimento humano e à Psicologia, ao estudar a evolução da tomada de perspectiva (capacidade de compreender o ponto de vista de outra pessoa e de se colocar no seu lugar) e da coordenação de perspectiva (integração dos pensamentos, desejos e sentimentos do outro com os próprios, combinando os pontos de vista ou criando novas possibilidades), buscou compreender quais as concepções das crianças e jovens sobre o indivíduo, sobre as relações de amizade, sobre as relações entre pais e filhos e sobre as relações entre pares, por considerar que estes domínios são críticos para um desenvolvimento social saudável.

O autor descreve a compreensão dos sujeitos a respeito desses domínios por meio do conceito de estágios de desenvolvimento, ou seja, cada um desses domínios é concebido pelas

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crianças e jovens segundo estágios evolutivos com uma sequência fixa de indivíduo para indivíduo, de forma que as concepções se tornam mais elaboradas e complexas ao longo do desenvolvimento. Segundo o autor, o sujeito parte de ideias físicas e egocêntricas para uma descentração e coordenação de perspectivas cada vez mais amplas.

Esse movimento em direção a uma visão que considera e coordena outras perspectivas possibilita, por sua vez, que o sujeito desenvolva seu senso de justiça e equidade, sua habilidade de cooperar e sua habilidade de sentir compaixão, tolerância e respeito por si e pelos outros (SCHULTZ, YEATES e SELMAN, 1989)

Neste momento do presente trabalho, em que se discute o lugar privilegiado dos pares na vida dos adolescentes, interessa compreender, especificamente, o domínio da amizade.

A amizade, para Selman (1980), é constituída por temas que estão presentes em todos os estágios de desenvolvimento (estágios 0 a 4), correspondendo a um conjunto de conceitos estruturados, segundo uma lógica comum. São eles:

1. Formação: por quais motivos e como (mecanismos) as amizades são feitas; o amigo ideal. 2. Proximidade: tipos de amizade, amizade ideal, intimidade.

3. Confiança: fazer coisas para os amigos; reciprocidade.

4. Ciúmes: sentimentos sobre intrusões dentro de novas amizades ou em amizades já estabelecidas.

5. Resolução de conflito: como os amigos resolvem seus problemas. 6. Terminação: como se rompem as amizades.

Quanto às idades, embora não sejam rígidas, a primeira infância (3 a 6 anos) é marcada pelas concepções do estágio 0 (amizade como interação física momentânea); por volta dos seis anos, as crianças, em média, possuem a concepção do estágio 1 (amizade como assistência de “mão única”); aos oito anos, o estágio 2 (amizade como cooperação em tempo justo), aos doze, o estágio 3 (amizade como intimidade e compartilhamento mútuo) e, por volta dos quinze, o estágio 4 (amizade como múltiplas perspectivas).

O quadro I, a seguir, apresenta um resumo das principais características dos temas supracitados nos quatro estágios:

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Quadro I: Algumas características do domínio da amizade nos primeiros estágios evolutivos

Idade relativa Resumo das características principais

Estágio 0 3 a 6 anos Amizade como relação momentânea ou repetida e não tem efeito sobre a subjetividade. Os conflitos são resolvidos com a aplicação da força física.

Estágio 1 7 a 8 anos Amigos são aqueles que sabem aquilo que eu gosto, portanto é unilateral. Já existe o elemento da subjetividade. Conflito também resolvido de forma unilateral: um é a vítima e o outro não.

Estágio 2 8 a 11 anos Amizade é um encontro de gostos, portanto recíproco. Ainda existe um foco nos interesses particulares. No conflito, as duas partes se engajam, mas ainda tem um caráter bastante coercitivo.

Estágio 3 12 a 14 anos Amigos trabalham juntos para resolver problemas e são confidentes. Amizade é mais estável e reflete intimidade e ajuda mútua.

Estágio 4 15 a 18 anos Amizade é caracterizada por maior proximidade emocional e interdependência. Há menor possessividade na relação e a confiança e suporte ao outro são elementos essenciais. Amizade pode permanecer ao longo do tempo, apesar de eventuais separações.

Fonte: Selman (1980, p. 136)11

Os estágios que contemplam o período da adolescência, público alvo do presente estudo, serão descritos com maior precisão e detalhes.

No estágio 3 (12 a 14 anos), o indivíduo é capaz de sustentar o relacionamento da amizade abstratamente. Nessa fase, o foco é o relacionamento e não mais os indivíduos separadamente. A principal função da amizade passa a ser vista como um suporte, com compartilhamentos mútuos ao longo do tempo. Para isso, as partes se engajam no conhecimento do outro, dos seus traços e personalidades e descobrem interesses comuns e características que se complementam. Proximidade inclui confiança e intimidade, e estas são entendidas como conquistas e requerem esforços de ambas as partes. Os amigos, diferentemente dos outros tipos de relações, desejam compartilhar pensamentos e sentimentos íntimos. Existe um esforço mútuo na manutenção da amizade; logo, existe, também, uma perspectiva particularmente possessiva: não se permite que outras pessoas interfiram na relação. Já conseguem identificar os conflitos particulares que podem fortalecer a relação se bem trabalhados e, para isso, conversam sobre as coisas. O rompimento de uma relação de amizade acontece em razão de conflitos que desfaçam o vínculo de confiança.

No estágio 4 (15 a 18 anos), por sua vez, o sujeito entende que pode ter diferentes tipos de relacionamentos, tais como amizades íntimas, relações de negócios, colegas casuais, etc. A relação de amizade é vista como um sistema disponível a mudanças, flexibilidades e crescimentos. Tem-se a ciência de que é possível conhecer melhor alguém, levando-Tem-se em consideração as companhias

Referências

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