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2. Interação e sociabilidade nas redes sociais online: a construção de novos contextos nos

2.2 A dinâmica social sob a lógica da sociabilidade

As interações e conversações em rede incrementam sociabilidade contemporânea. Isto porque boa parte dos processos interativos que se estabelecem na sociedade atual, se dão de forma mediada, sustentada pela tecnologia. Seja a partir do desktop, tablet, smartphone, notebook ou qualquer outro dispositivo conectado à internet, travam-se diálogos, formam-se comunidades, tomam-se decisões etc.. Não se pode negar que tais dispositivos complexificaram as redes de contatos e, consequentemente, as redes sociais dos seus usuários:

O uso do e-mail aumenta a vida social com a família e os amigos, e amplia os contatos sociais gerais, após o controle de possíveis variáveis intervenientes que não o uso de e- mails. Um levantamento feito por Uslaner em 1999 (tal como citado por Di Maggio, Hargittai, Neuman e Robinson, 2001) mostrou que os usuários da Internet tendem a ter redes sociais maiores que os não-usuários. (Castells, 2003: 102).

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Para Manuel Castells (2003) uma das coisas que pode ser dita diante da relação internet e sociedade é que a rede mundial de computadores parece ter um efeito positivo sobre a interação social, pois o contato com a rede tende a aumentar a exposição a outras fontes de informação. Não que o contato face a face tenha sido substituído pelo contato via computador, porém, a interação via internet parece favorecer uma manutenção dos contatos off-line além de criar outros laços.

O que percebemos é uma “apropriação cotidiana da técnica e a apropriação técnica do cotidiano”. (Lemos apud Palácios, 1996: 92). Vivencia-se a fusão entre a técnica e a cultura, onde indivíduos se apropriam da técnica no seu cotidiano, ao mesmo tempo em que um cotidiano passa a existir nesta técnica.

O sistema técnico deixa de ser pensado e vivenciado como um sistema isolado e separado da cultura cotidiana. A cibercultura questiona e desorganiza o modelo da clivagem entre cultura e técnica que caracterizou a Modernidade, forçando a abertura de outros olhares e a abertura de novos caminhos. (Palácios, 1996: 92).

Tal conjuntura se instaura dentro da cibercultura e parece confluir para o fenômeno que para André Lemos (2003), se dá a partir de três leis:

Uma primeira lei seria a lei da Reconfiguração. Devemos evitar a lógica da substituição ou do aniquilamento. Em várias expressões da cibercultura trata-se de reconfigurar práticas, modalidades midiáticas, espaços, sem a substituição de seus respectivos antecedentes. A segunda lei seria a Liberação do pólo da emissão. As diversas manifestações socioculturais contemporâneas mostram que o que está em jogo como o excesso de informação nada mais é do que a emergência de vozes e discursos anteriormente reprimidos pela edição da informação pelos mass media. Assim chats, weblogs, sites, listas, novas modalidade midiáticas, e-mails, comunidade virtuais, entre outras formas sociais, podem ser compreendidas por essa segunda lei.

A terceira lei é a lei da Conectividade. As diversas redes socio-técnica contemporâneas mostram que é possível estar só sem estar isolado. A conectividade generalizada põe em contato direto homens e homens, homens e máquinas mas também máquinas e máquinas que passam a trocar informação de forma autônoma e independente. Nessa era da conexão o tempo reduz-se ao tempo real e o espaço transforma-se em não espaço, mesmo que por isso a importância do espaço real, como vimos, e do tempo cronológico, que passa, tenham suas importâncias renovadas. (Lemos, 2003: 22).

Ou seja, com a emergência da cibercultura, novas formas de relacionar-se com o outro são constituídas. O indivíduo solitário conectado na rede não está mais isolado, está entremeado por discursos, culturas, sentidos que o interpelam e o constitui como sujeito do ciberespaço, da cibercultura. Tal dinâmica representada nestas leis, pode significar tão somente, uma mudança na forma e no conteúdo das trocas sociais.

Georg Simmel (1983), percebe a sociedade a partir do dualismo forma e conteúdo, sendo a forma os caminhos encontrados pelos indivíduos nas suas práticas de sociação e o conteúdo os aspectos da vida que se determinam a si mesmos. Assim, o conteúdo diria

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respeito a matéria, a tudo o que está presente nos indivíduos sob a forma de impulso, interesse, propósito, inclinação, estado psíquico, movimento etc., ou seja, tudo o que está presente neles de maneira a iniciar ou mediar influência sobre os outros ou receber tais influências. A forma seria a própria sociação em si, ou seja, as formas pelas quais os fluxos da experiência vivida ganham vida e persistem para além dos conteúdos íntimos originais. Para o autor, a própria sociedade se sustenta na interação entre indivíduos e como tal interação sempre surge com base em certos impulsos ou em função de certos propósitos, tal processo obriga os homens a formarem uma sociedade, uma sociação (forma).

Estritamente falando, nem fome, nem amor, nem trabalho, nem religiosidade, nem tecnologia, nem as funções e os resultados da inteligência são sociais. São fatores de sociação apenas quando transformam o mero agregado de indivíduos isolados em formas específicas de ser com e para um outro – formas que estão agrupadas sob o conceito geral de interação. Desse modo, a sociação é a forma (realizada de incontestáveis maneiras diferentes) pela qual os indivíduos se agrupam em unidades que satisfazem seus interesses. Esses interesses, quer sejam sensuais ou ideais, temporários ou duradouros, conscientes ou inconscientes, causais ou teleológicos, formam a base das sociedades humanas. (Simmel, 1983: 166).

Na citação acima, Simmel, ao adentrar na discussão das formas da estrutura social, revela as características desta estrutura quando atribui importância aos elementos constitutivos dos conteúdos que movem as interações sociais. A análise de Simmel descreve e indica os elementos que acionam e que impulsionam a materialização da própria existência desse social, qual seja: forma e conteúdo. Isto é, os indivíduos tendo diversas motivações (paixões, desejos etc), conteúdos da vida social, interagem a partir delas e se transformam em uma unidade (forma). Esses conteúdos isolados não são sociais: a sociação apenas começa a existir quando os indivíduos interagem adotando formas de cooperação e colaboração. Enfim, a sociação é a forma pela qual os indivíduos formam uma unidade para satisfazerem seus interesses.

Tal conjuntura oferece a operação existente entre a dimensão individual e a própria formatação da sociedade. Qualquer que seja o motivo acionado pela interação, ela desencadeia redes de reciprocidades, expressas nas formas sociais, delas derivando ou criando as associações, que se projetariam sobre o solo social. Portanto, os modos de vida são os veículos diretivos das interações sociais. Por fim, considerando a sociação como base das sociedades humanas, há de se pensar que ela também se constitui a base das sociedades do ciberespaço. Os sites de redes sociais, neste caso, podem ser enquadrados dentro desta lógica apresentada por Simmel.

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Para o autor, a sociedade é vista como uma estrutura viva, em um estado permanente de atualização que agencia sua dinâmica. Para ele “a própria sociedade em geral se refere à interação entre indivíduos”. (Simmel, 1983: 163). De acordo com o autor, a interação sempre vai surgir com base em certos impulsos ou em função de certos propósitos e é essa interação que vai fazer com que os indivíduos que possuem determinados interesses e instintos formem uma unidade, ou seja, uma sociedade. Por outras palavras, a unidade, aqui entendida como a sociedade, provém do conceito de interação social, por meio dos movimentos que fazem com que os indivíduos sejam levados a conviver entre si, numa ação conjunta de influências.

Paralelo a sociação, Simmel também articula o conceito de sociabilidade. Para o autor, os objetivos que foram causas geradoras da sociação, não necessariamente são as causas geradoras dos processos de sociabilidade, pois forma e conteúdo não são inseparáveis nos processos de sociação, sendo assim:

Aqui, a “sociedade” propriamente dita é o estar com um outro, contra o outro que, através do veículo dos impulsos ou dos propósitos, forma e desenvolve os conteúdos e os interesses materiais individuais. As formas nas quais resulta esse processo ganham vida própria. São liberadas de todos os laços com os conteúdos; existem por si mesmas e pelo fascínio que difundem pela própria liberação destes laços. É isto precisamente o fenômenos que chamamos de sociabilidade. (Simmel, 1983: 168).

Ou seja, interesses e necessidades específicas fazem com que os homens se unam em diversas formas de associações, irmandades, grupos religiosos etc.. Porém, para além de seus conteúdos específicos, tais sociações também são marcadas por um sentimento entre seus membros, o de estarem sociados e pela satisfação que deriva disto. Assim, visto que a sociedade é a interação com o outro para realizar os conteúdos materiais (individuais), e a partir da percepção de que as sociações envolvem, além dos conteúdos, a própria valorização da sociação pelos indivíduos, as formas que resultam destes processos ganham vida própria, libertas dos conteúdos e existindo por si mesmas, constituindo a sociabilidade, que transforma a sociação em um valor apreciado em si. Em outras palavras, a sociabilidade é a “forma lúdica da sociação” (Simmel, 1983: 169), não importando as motivações.

Nestes termos, a vida social passa a ser a grande influenciadora da vida individual. São os processos de interação e sociação que passam a moldar toda uma cultura e todo um comportamento que nasce com ela. Na sociedade atual, as formas como a interação acontece vem acrescentada de vários outros elementos, entre eles, os dispositivos de comunicação conectados à internet. É a partir destes dispositivos, e da conexão entre eles, que a sociação se reconfigura, oferecendo novos elementos para se repensar as formas de estar junto, agora cobertos pelo manto da socialidade.

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