• Nenhum resultado encontrado

2. Interação e sociabilidade nas redes sociais online: a construção de novos contextos nos

2.4 A república dos sentimentos no tribalismo contemporâneo

Os processos de socialidade contemporâneos, nos levam a repensar os reagrupamentos sociais, a partir do que Max Weber (apud Maffesoli, 2006) chama de comunidade emocional. As principais características atribuídas a estas comunidade são: “o aspecto efêmero, ‘composição cambiante’, a inscrição local, ‘a ausência de uma organização’ e a estrutura quotidiana”. (Maffesoli, 2006: 40).

Para Weber (1987) as comunidades afetivas ou emocionais serviram como descortinamento para situações que estavam presentes na modernidade. Ele se refere a comunidade como uma relação social na medida em que a orientação da ação social baseia-se em um sentido de solidariedade, resultado de ligações emocionais. A comunidade é o resultado de um processo de integração cujo fundamento do grupo é um sentimento de pertencimento experimentado pelos participantes e cuja motivação baseia-se em qualquer espécie de ligação emocional ou afetiva, por isso o termo comunidades emocionais. Para Weber esses reagrupamentos estão geralmente à parte dos enrijecimentos institucionais. O grupo ou comunidade pode ser aberto ou fechado, isto irá depender da tradição, de atitudes afetivas ou condicionado racionalmente por valores ou fins. Tanto a admissão quanto a exclusão dos indivíduos pode variar muito, de modo que vários requisitos podem ser propostos para a admissão ou até para a restrição dentro do grupo. (Weber, 1987).

Ainda para Max Weber (1987: 77), comunidade seria: “uma relação social na medida em que a orientação da ação social, na média ou no tipo-ideal, baseia-se em um sentido de solidariedade: o resultado de ligações emocionais ou tradicionais dos participantes”. Aqui, mais uma vez, encontram-se a solidariedade, a relação afetiva e o compartilhamento de tradições como o determinante da comunidade.

103

Para Durkheim (1978), a comunidade não aparece apenas como uma forma de organização social, mas também como uma metodologia que visa dar conta do entendimento de fatos relacionados à moralidade, ao Direito, à religião, etc. As características comunitárias, são expressas pelo autor na ideia de solidariedade mecânica, que são consideradas atributos dos fatos sociais. Assim, são nas normas e na moralidade que podem ser encontradas as maiores expressões de tudo o que é social, e é justamente no fenômeno da vida comunitária – que para ele é o “espírito” da sociedade – que a moral deve ser investigada.

Para Maffesoli (2006), Durkheim não deixou de sublinhar a natureza social dos sentimentos e enfatizar sua eficácia:

Indignamo-nos em comum, escreve, e sua descrição remete à proximidade do bairro e à sua misteriosa “força de atração” que faz com que alguma coisa tome corpo. É nesse quadro que se exprime a paixão, que as crenças comuns são elaboradas, ou, simplesmente, que se procura a companhia “daqueles que pensam e que sentem como nós. (Maffesoli, 2006: 41).

Tal contexto aponta que Durkheim em sua sociologia valoriza o quotidiano e suas relações. Assim, é possível se apropriar de tais referências para pensar as várias representações: trocas de sentimentos, discussões diversas, crenças populares e outras conjunturas que constituem as comunidades.

Voltando a comunidade emocional, Maffesoli (2006) sublinha que ela é instável e aberta, o que pode torná-la sob muitos aspectos, anômica com relação à moral estabelecida. Ao mesmo tempo, ela não deixa de suscitar um conformismo estrito entre seus membros. “Existe uma ‘lei do meio’, à qual é muito difícil de escapar. Conhecemos os aspectos extremos dela: a máfia, as associações de ladrões”. (Maffesoli, 2006: 45). Assim, viver em comunidade é estar sujeito a regras que, por mais que estejam não ditas, seu não cumprimento poderá sofrer múltiplas sanções.

Na tentativa de dar conta dos movimentos dos pequenos grupos que ajudam a compor um conjunto complexo que é a sociedade, Maffesoli (2006) elege a metáfora da tribo e do tribalismo, em detrimento da comunidade emocional, para insistir no aspecto coesivo da partilha sentimental de valores, de lugares e de ideais circunscritos (localismo) e que são encontrados sob numerosas experiências sociais.

Partindo do pressuposto que a socialidade emergente na pós-modernidade se baseia numa proposta efetiva de condensação do tempo, com ênfase no agora, no presente e no fortalecimento do sentimento e do desejo de estar-junto, que seria manifestado com base no pertencimento ao mesmo território físico, ou simbólico, tal conjuntura ocorreria em consonância com a ideia de tribo. Porém, o tribalismo pós-moderno possui uma característica

104

particular, diferente do tribalismo clássico, percebido através da agregação a uma família, comunidade ou outros grupos com perspectivas longínquas e/ou estáveis, o novo tribalismo está marcado pela fluidez, pelos ajuntamentos pontuais e pela dispersão. (Maffesoli, 1987). Partindo do dualismo forma – conteúdo, percebe-se que as práticas de socialidade (conteúdo) dão forma ao que Maffesoli (2006) chama de tribalismo.

Assim sendo, percebe-se em Maffesoli, que vive-se uma comunitarismo tribal, que tem uma preocupação muito forte com a vivencia de um presente percebido coletivamente. É como se estivesse assistindo a um ressurgimento da cultura do sentimento, manifestado na predominância de relações sociais que se organizam sob uma nova ordem de proximidade e são animadas pelas experiências do cotidiano, os laços racionais e sociais estariam dando lugar aos emocionais e imaginais.

Para ele, a socialidade neotribal tem laços frágeis, mas que, no seu momento, são objetos de forte envolvimento emocional. Esse estar-junto não se inscreve mais em alguma finalidade, como acontecia no tribalismo clássico; ele tem como preocupação o compartilhamento de emoções em comum; sua força supera as vontades individuais. Sobre isso sublinha:

De maneira quase animal sentimos uma força que transcende as trajetórias individuais, ou antes, que faz com que estas se inscrevam num grande balé cujas figuras, por mais estocásticas [aleatórias] que sejam, no fim das contas, nem por isso deixam de formar uma constelação cujos diversos elementos se ajustam sob forma de sistema sem que a vontade ou a consciência tenham nisso a menor importância. É esse o arabesco da socialidade. (Maffesoli, 2006: 133).

Assim, entende-se que apesar dos diversos caminhos tomados pelos indivíduos, percebe-se que estes acabam por se organizar por meio da socialidade, formando uma estrutura tribal que independe das vontades particulares.

Diante do exposto, acredita-se que não seria demais propor que as tecnologias digitais de comunicação agem, na atualidade, como canais de disseminação de um comunitarismo tribal típico da socialidade contemporânea. A comunicação em rede também proporciona uma interatividade em tempo real, baseada no presente, sem preocupações com laços mais duradouros. Castells reforça essa ideia quando afirma que:

[...] o que acontece é que a Internet é capaz de criar laços fracos, mas não de estabelecer laços fortes, em média, e é excelente para dar continuidade e para reforçar os laços fortes que se criam a partir da relação física. (Castells, 2003b: 274).

Porém, o autor alerta que não se entenda esses laços fracos como desprezíveis ou insignificantes; eles possuem grande relevância, pois “são fontes de informação, de trabalho,

105

de desempenho, de comunicação, de envolvimento cívico e de divertimento. (Castells, 2003: 107).

Lévy também defende a ideia de que os laços construídos no universo virtual são apoiados em afinidades. Para ele, “uma comunidade virtual é construída sobre afinidades de interesses, de conhecimentos, sobre projetos mútuos, em um processo de cooperação ou de troca, tudo isso independentemente das proximidades geográficas e das filiações institucionais.” (Lévy, 2003: 127).

Para Maffesoli, o tribalismo também se apoia sobre as multi-personalidades. Estas, por sua vez, são formadas a partir das religiões, gostos esportivos, etnias etc. Estas características se configuram como as próprias características da socialidade, quais sejam:

[...] a pessoa (personna) representa papéis, tanto dentro de sua atividade profissional quanto no seio das diversas tribos de que participa. Mudando o seu figurino, ela vai, de acordo com seus gostos (sexuais, culturais, religiosos, amicais) assumir o seu lugar, a cada dia, nas diversas peças do theatrum mundi. (Maffesoli, 1987: 108).

Assim como na pós-modernidade as comunidades se caracterizam mais pelo sentimento de estar-junto do que por um projeto voltado para o futuro, no universo virtual, esse fenômeno se apresenta de forma semelhante. Sobre isto nos lembra Palacios:

Conforme os interesses do momento, os gostos e as ocorrências, o investimento passional conduziria o indivíduo a tal grupo, para tal ou qual atividade. O centramento no presente e não no futuro seria a característica de tais comunidades, daí a crise da idéia do projectum. (Palacios in Fausto Neto e Pinto, 1996: 99).

A partir do exposto, entende-se que o ciberespaço também comporta a ideia de grupos, formados com a perspectiva de um presente caracterizado por um interesse movido pelo momento. A múltipla inscrição de indivíduos em agrupamentos virtuais, a exemplo das redes sociais, se dão com uma grande intensidade. O Facebook por exemplo, possui milhares de páginas, sejam elas de empresas, instituições de ensino, artistas, ONG – Organizações Não Governamentais, grupos religiosos, sites etc. Todas estas páginas distribuem informação diretamente para seus “assinantes23”. Assim, é muito comum que jovens que estejam

ingressando em uma universidade, busquem a página da instituição no Facebook, por exemplo, para acompanhar as informações que estão sendo distribuídas por ela. E assim, da mesma forma, acontece quando esta mesma pessoa passa a se interessar por jardinagem, corte e costura ou astrofísica. Isto também acontece com outras redes sociais.

23 Assinar seria um sinônimo para o “curtir”, comando do Facebook que pode ser acionado nas páginas FanPage, ou seja, páginas específicas

dentro do Facebook direcionadas para empresas, marcas, artistas etc. Quando se curte uma página no Facebook, as atualizações da página passam a ser exibidas na Linha do tempo de quem curtiu.

106

Ainda seguindo a perspectiva do Facebook e sua relação com a formação de tribos pós-modernas, temos ainda os Grupos que podem ser formados na rede social. São espaços que facilitam a conexão com conjuntos específicos de pessoas, como familiares, colegas de equipe e/ou trabalho, pessoas interessadas em determinados temas, hobbies, produtos etc.. Grupos são espaços privados onde se pode compartilhar atualizações, fotos ou documentos, além de enviar mensagens a outros membros. É muito comum em algumas instituição de ensino a formação de grupos de alunos no Facebook. Estas pessoas se reúnem para trocar informações, tirar dúvida, compartilhar uma opinião ou sentimento. Muitas vezes tais grupos são compostos apenas por alunos, sem a presença do professor, o que pode facilitar a troca de ideias e a desenvoltura do grupo, justamente pela falta do professor como um mediador ou constrangedor das conversas ou ainda, esconder comentários embaraçosos, inconvenientes ou mentirosos.

De modo geral, a velocidade da comunicação contemporânea, impulsionada principalmente pelo computador, potencializou a troca de informações, e se pode dizer que essa comunicação virtual passou a agir como vetor de comunhão e compartilhamento de sentimentos, trazendo à tona o que Maffesoli (1995) chama de Ideal Comunitário. Nesse sentido, ainda tomando a proposta do autor, percebe-se o Ideal Comunitário presente na contemporaneidade, ocupando o lugar do Ideal Democrático, segundo ele, vivido na modernidade:

Para dizê-lo de uma maneira um tanto abrupta, pode-se perguntar-se, ao ideal democrático, que foi a marca da modernidade, não está sucedendo um ideal comunitário que, como tudo o que está em estado nascente, ou antes em estado re-nascente, é elaborado na dor e na incerteza. Digo renascimento, pois, em boa parte, o ideal comunitário dá novamente sentido aos elementos arcaicos, que se acreditava totalmente esmagados pela racionalização do mundo. (Maffesoli, 1995: 16).

O Ideal Democrático caracterizou-se, entre outras coisas, pela emergência da ideia do projeto racional-coletivo-político a longo prazo. Segundo Maffesoli (1995), esse projeto estaria sendo substituído pelo do Ideal Comunitário, baseado numa proposta de efetiva condensação do tempo, com ênfase no agora, que teria como uma das marcas principais o fortalecimento do sentimento e do desejo de estar junto, manifestado com base no pertencimento ao mesmo território físico ou simbólico. Tal conceito congrega com a ideia de socialidade nas comunidades neotribais.

Assim sendo, percebe-se o retorno do Ideal Comunitário, dando pulsão ao neotribalismo, com seus efeitos sendo sentidos tanto nas efervescências juvenis, quanto na multiplicação das agregações que foram e são elaboradas diariamente nas redes sociais. Essas

107

agregações não mais se devem a uma programação racional; elas repousam sobre o desejo de estar com aquele(s) que compartilha(m) do mesmo sentimento. É perfazendo este pensamento que Maffesoli vai chegar ao que vem a ser o “reencantamento do mundo”:

[...] A esse respeito, ao contrário daqueles que continuam analisando o mundo contemporâneo com categorias próprias da modernidade, pôde-se falar de reencantamento do mundo. É exatamente isso que está em questão e que pode permitir apreender a visão misteriosa das coisas em ação no comunitarismo em apreço.” (Maffesoli, 1995: 17).

Para o autor, há uma volta da importância do contágio emocional e dos recursos aos vários simbolismos. Estes símbolos seriam a afirmação de uma identificação com as várias tribos aos quais o indivíduo faz parte. Partindo deste pressuposto, o fato de pessoas participarem de determinados grupos ou curtirem determinadas páginas no Facebook, não pressupõe sempre um objetivo racional, mas também emocional, baseado em afinidades de interesses, projetos afins etc..

Pode-se perceber, na cibercultura, a criação de laços sociais a partir de ambientes como as redes sociais. São em ambientes como esses que pessoas de diversas tribos se encontram, podendo, ou não, formar outras tribos. As pessoas que utilizam as redes sociais, de uma forma ou de outra, estão interagindo e, assim, acabam se comprometendo com a formação de círculos sociais. Assim compreende-se as redes sociais como ambientes de interação onde, atraindo cada vez mais usuários, passam a criar locais com interesses cada vez mais específicos, confortando pessoas que buscam os mais diversos contatos.

É a internet, que mais do que um meio de comunicação, afigura-se como um espaço de trocas de sociabilidades, e formação de novas tribos, no interior da qual se desenvolvem práticas sociais relativamente autônomas. Nesse sentido, percebe-se a internet como mais um círculo social, ao qual o homem se alia, criando para si novas formas de interação e de estar no mundo. Por um lado, a nova tecnologia apresenta-se como uma máquina universal onde grande parte dos processos sociais parecem encontrar a sua reinscrição adequada no espaço eletrônico. Ao invés de se impor como uma tecnologia que obrigaria ao abandono das velhas formas de interação social em prol de outra, as redes informáticas se apresentam como uma folha em branco, plenamente moldável, capaz de assimilar qualquer outro modo de interação, traduzindo em sua linguagem. Assistimos assim, uma grande operação de retranscrições de hábitos e instituições do mundo off-line para dentro do novo meio.

108

3. Novas perspectivas para repensar a educação: viabilizando rizomas, mapeando