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2. Interação e sociabilidade nas redes sociais online: a construção de novos contextos nos

2.3 A emergência da socialidade por uma perspectiva maffesoliana

As tecnologias digitais conectadas a internet têm redefinido significativamente os modos de viver na sociedade em rede. O conceito de sociabilidade apresentado por Georg Simmel (1983) ajuda a compreender parte deste fenômeno. Porém, para Michel Maffesoli (2006) a visão de Simmel possui limites e, para tanto, apresenta o conceito de socialidade. De certa perspectiva, socialidade e sociabilidade aparentam ser sinônimos, porém são termos que tratam do tema da vida em sociedade de formas distintas. Maffesoli (2006) entende a sociabilidade como as relações institucionalizadas e formais de uma sociedade (os hábitos, os costumes, as regras, a polidez). Por exemplo, ao entrar num museu, é normal que se fale baixo e não toque nas peças expostas. Isto seria uma forma de padronização e simplificação dos modos de interação, que se enquadra no conceito de sociabilidade. Já quando trata da socialidade Maffesoli (2006) deixa de lado os padrões institucionalizados e submetidos ao controle social rígido. Para o autor, a socialidade surge no contexto dos movimentos tribais, gregários, na essência do “estar-junto”, no imaginário que não se submete a uma lógica racional, mas emotiva e afetiva. (Maffesoli, 2006).

O papel da socialidade, neste caso, seria servir de cimento para a segurança e perdurância da vida em sociedade, ou, como diz o autor: “para aquém e para além das formas instituídas, que sempre existem e que, às vezes, são dominantes, existe uma centralidade subterrânea informal que assegura a perdurância da vida em sociedade”. (Maffesoli, 2006: 28). Ou seja, Maffesoli não abandona a ideia da relação entre forma e conteúdo levantada por Simmel (1983), mas acrescenta um elemento místico, pouco intuitivo, uma espécie de ethos individual e gregário.

Para o autor, vivemos uma era pós-moderna, onde, diferente da modernidade, que tinha como características principais a socialização, o desencantamento do mundo e a razão, vivencia-se um período baseado na socialidade, na imagem e no prazer. Estaríamos vivenciando uma transição de períodos, passando de um período teórico (ou óptico) para um período táctil no qual o que importa é a proxemia, que seria um momento no qual o indivíduo importa menos que a comunidade. As situações imperceptíveis caracterizam a proxemia, momento no qual tudo é atribuído à socialidade, à estética, às neotribos e à identificação. (Maffesoli, 2006).

É a socialidade o amálgama da sociedade, desde as sociedades primitivas até as sociedades tecnologicamente avançadas. A socialidade é, assim, a multiplicidade de

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experiências coletivas baseadas não na homogeneização ou na institucionalização e racionalização da vida, mas no ambiente imaginário, passional, erótico e violento do cotidiano.

A experiência do/com o outro é aquilo que dá base à sociedade. É neste sentido que emerge o que ele chama de fusão comunitária, em que as relações se efetivam pela relação táctil, esta se daria em meio à experiência do cotidiano diante das interações que se estabelecem, cristalizações que se operam e grupos que se formam. (Maffesoli, 2006). Tais relações estariam criando espaços especiais que se configuram, ao mesmo tempo, como flexíveis e fortes e que parecem estar formando um novo conhecimento social. Exemplo são as agências de informática, os encontros esportivos e musicais que delimitam um novo espírito do tempo, também chamado de socialidade.

Diante desta discussão, é fundamental, compreender a distinção que o autor faz entre socialidade e social (socialização). Como característica do social, Maffesoli (2010) diz que o indivíduo tem uma função na sociedade, convivendo enraizado a um partido ou a um grupo estável. Já na socialidade, o indivíduo daria lugar à pessoa que representa papéis nos diferentes setores sociais de que participa; assim, pautado pelos gostos, ela vai assumindo seu lugar em diferentes neotribos e grupos específicos:

Ao social correspondem a solidariedade mecânica, o instrumental, o projeto, a racionalidade e a finalidade; a socialidade, corresponde a solidariedade orgânica, a dimensão simbólica (comunicação), o não lógico, a preocupação com o presente. Ao drama sucede o trágico, aquilo que é vivido em si mesmo sem rejeição as contradições. Ao futurismo sucede o presenteismo. (Maffesoli, 2009: 100).

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Figura 2 Diferença entre social e socialidade em Maffesoli.

Fonte: Maffesoli, 2006: 31

Quando se refere a representações de papéis Maffesoli suscita o pensamento de Erving Goffman (1985), sociólogo canadense que em sua análise do mundo social o compara a um palco, onde os indivíduos se destacam como atores que desempenham papéis preestabelecidos socialmente. Esta representação de papéis sociais é orientada de acordo com a expectativa da plateia, ou seja, o indivíduo ou grupo:

Quando um indivíduo desempenha um papel, implicitamente solicita de seus observadores que levem a sério a impressão sustentada perante eles. Pede-lhes para acreditarem que o personagem que vêem no momento possui os atributos que aparenta possuir, que o papel que representa terá as conseqüências implicitamente pretendidas por ele e que, de um modo geral, as coisas são o que parecem ser. (Goffman, 1985: 25).

Goffman (1985) considera que o comportamento das pessoas em sociedade é feito de representações. Assim, o desempenho de um indivíduo será a forma como ele age, estando consciente de que os outros presenciam essa ação. A representação é caracterizada por todas as atitudes do indivíduo perante o grupo:

Venho usando o termo “representação” para me referir a toda atividade de um indivíduo que se passa num período caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo particular de observadores e que tem sobre estes alguma influência. Será conveniente denominar de fachada à parte do desempenho do indivíduo que funciona regularmente de forma geral e fixa com o fim de definir a situação para os que observam a representação. (Goffman, 1985: 29).

Para Maffesoli (2006) a socialidade contemporânea se caracteriza pela não adesão da massa (ou do povo) a uma lógica de identidade. Vive-se um processo de desinvidualização, da

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saturação da função e da valorização do papel de cada pessoa (persona). Assim, a socialidade acontece em meio a uma multiplicidade de experiências coletivas, que se dão no cotidiano; segundo o autor, a lógica dessa socialidade está no fato das pessoas partilharem um hábito, uma ideologia, um ideal, e é isso que determinaria o estar-junto. É a socialidade que vai marcar a atmosfera das sociedades ocidentais contemporânea e, ainda, vai definir os agrupamentos urbanos atuais:

Podemos imaginar que hoje estejamos confrontados com uma forma de “comunhão dos santos”. As mensagens por computador, as redes sexuais, as diversas solidariedades, os encontros esportivos e musicais são todos indícios de um ethos em formação. É isso que delimita esse novo espírito do tempo que podemos chamar de socialidade. (Maffesoli, 2006: 128).

Ou seja, é a socialidade que vai determinar os grupos na atualidade, é por meio dela que os agrupamentos se definem e se colocam em meio à sociedade. É como se estivéssemos assistindo ao surgimento de uma socialidade com dominante empática, em meio a uma sociedade racional.

Tal conjuntura, segundo Lemos (2004), vai marcar a cultura contemporânea. Para ele, a atitude dispersa, efêmera e hedonista da socialidade são constitutivos da sociedade atual. Tais experiências são introduzidas no coração do fenômeno técnico e marcam definitivamente a cibercultura. A forma de estar-junto encontra seu correspondente nas comunidades virtuais do ciberespaço. O desenvolvimento tecnológico, longe de ser um agente de separação, de alienação e de esgotamento de formas de solidariedade sociais, pode servir como vetor de

reliance, como instrumento de cooperação e solidariedades mútuas. A noção de reliance nos

leva ao novo sentido da religiosidade social, trazida à tona pelas tecnologias digitais. O uso de grande parte da internet é para busca efetiva de conexão social (e-mails, blogs, chats, redes sociais etc), nestes termos, trocar mensagens é, de alguma forma, buscar o sentimento de re- ligação. A cibercultura instaura novas formas de exercício desta religiosidade e as redes sociais virtuais seriam um exemplo disto.

Por fim, acreditamos que ambos os conceitos, socialidade e sociabilidade, se inscrevem e se localizam no contexto do ciberespaço e mais especificamente, nas redes sociais virtuais. Como vimos, a socialidade marcaria os agrupamentos contemporâneos, dando ênfase ao instante vivido além de projeções futuristas ou morais, nas relações banais do cotidiano, refere-se ao vivido, ao presente, ao estar-junto. Isso a diferencia da sociabilidade que se caracteriza por relações institucionalizadas e formais de uma determinada sociedade. Para Simmel (1983) a sociabilidade está ligada a agrupamentos que têm uma função precisa,

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ao mesmo tempo, objetiva e racional. Neste estudo, para facilitar a compreensão das discussões levantadas, usaremos apenas um termo: sociabilidade. Tal escolha, meramente metodológica, não tem a intenção de diminuir a importância do conceito de socialidade, mas apenas apontar que, tanto os processos de socialidade, quanto os de sociabilidade, estão reinscritas no ciberespaço, representando aquilo que Lemos e Cunha (2003) chamou de Lei da Reconfiguração. Ou seja, na tentativa de evitar a lógica da substituição ou do aniquilamento, concordamos que em várias expressões da cibercultura trata-se de reconfigurar práticas, assim como no caso da socialidade e da sociabilidade.